Agronegócio no norte de MG pena com 70% de rios secos

Sem dinheiro, governo suspende obras de barragens e reduz oferta de carros-pipa

Carolina Linhares
Berizal e Jequitaí

"Hoje confesso que fico assim triste, como se eu visse um cemitério", diz Ademir Rocha, 43, desanimado com o mato que toma conta da estrutura de concreto da futura barragem de Berizal, cidade de 5.000 habitantes no norte de Minas Gerais, a 740 km de Belo Horizonte.

Havia tempo que Diguim, como é conhecido, não visitava a obra abandonada onde trabalhou há 16 anos como motorista de caminhão. O cenário era diferente, com máquinas a todo vapor e esperança de água o ano todo.

Hoje ele dirige o único caminhão-pipa do município, do qual dependem os moradores da zona rural --metade da população. Neste ano, Berizal e mais 101 cidades mineiras decretaram emergência por causa da seca.

 

Há pelo menos seis anos o problema se agravou no norte do estado com sucessivos índices de chuva abaixo da média --70% dos rios e córregos estão secos ou comprometidos, segundo a Emater-MG.

Barragens, poços e nascentes esgotados deixam a agropecuária sem alternativa, mostram dados da estatal.

Desde 2012, caiu 25% o número de cabeças de gado da região. A área de pasto degradada chega a 87,6%. Na última safra, a perda de grãos foi de 85,4% e a de leite, 62%.

Na maior parte das cidades, os moradores da zona rural dependem do caminhão-pipa para consumo. A cada 15 dias, Diguim leva cerca de 14 mil litros de água tratada para famílias de Berizal.

"Até emociona o carinho que a gente é recebido, como se estivesse presenteando. Vejo no olhar da pessoa aquela alegria: chegou a água", conta.

A história de Diguim é a de muitos na região. Começou a trabalhar aos 8 anos e, adolescente, foi para São Paulo tentar a vida. Voltou com a notícia de que a barragem, obra do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) do governo federal, garantiria a vazão do rio Pardo e a agropecuária.

A obra, no valor de R$ 347,5 milhões, foi iniciada há 20 anos. Parou por falta de licenciamento ambiental. Agora, o governo em crise não tem verba para retomar o empreendimento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Os R$ 26,5 milhões já gastos em 35% da obra se perdem na estrutura enferrujada.

O objetivo da barragem de quase 340 milhões de metros cúbicos é reter a água da cheia do rio Pardo e perenizar o curso d'água, ampliando a vazão durante a seca, beneficiando 150 mil pessoas e irrigando 10 mil hectares em cinco cidades.

"Seria a redenção da região, espero que o governo que entre agora se sensibilize", diz o prefeito João Carlos (PTB).

"Eu contava com essa barragem. Inclusive tenho planos. Eu criei um pouco de esperança de montar uma irrigação e criar umas vacas leiteiras. Você vê que a gente tem sonho e não pode realizar por conta da água", afirma Diguim.

Sem oportunidades, os jovens da região viram estatística do êxodo rural.

Os filhos de Clemente de Souza, 71, por exemplo, são padeiros em São Paulo. Sua casa, de barro e fogão a lenha, seria inundada pela barragem.

Atrás do galinheiro, corria o rio Itaberaba, afluente do Pardo. É de um buraco no leito completamente seco que Souza tira água com ferrugem para oito bois. "O bicho bebe porque tem sede, mas a água não é boa", diz.

Entre 2016 e 2017, a quantidade de água distribuída pela Defesa Civil de Minas Gerais caiu 66% enquanto o número de pessoas atendidas foi reduzido pela metade. No mesmo período, o volume distribuído pelo Exército em todo o país teve queda de 17,4%.

Neste ano, segue a tendência de baixa, verificada ainda na quantidade de cidades atendidas por caminhões-pipa emergenciais da Copasa, estatal de abastecimento.

Os recursos dos municípios também estão escassos para lidar com a seca. Em grave crise fiscal, o governo mineiro deve R$ 8,1 bilhões em repasses aos prefeitos.

A Berizal, o estado deve R$ 1,6 milhão entre verbas de saúde e educação. A cidade gasta mais de R$ 50 mil ao ano com caminhão-pipa e não pode atender o pedido de estender o serviço ao gado. A alternativa é vendê-lo, mas faltam compradores mesmo com o preço baixo.

"Diz que não pode dar água do pipa pra criação, mas não tem jeito. Eu dou água pra vaquinha, mas é pouquinha, não me xinga, não, prefeito", apela Adenildo de Oliveira, 53.

Num retrato do sertão, chega de bicicleta assobiando "Asa Branca" com facão na cintura e foice na mão. "Tem hora que eu penso em ir embora e para o comércio, mas não tenho estudo."

Beneficiária do Bolsa Família, sua mulher, Maria Ilza, 46, caminhou dois quilômetros para lavar roupa pesada no poço do cunhado naquele dia.

Há 20 anos, com rios caudalosos e peixes de sobra, ninguém imaginava que a seca castigaria dessa forma, mas o desmatamento impede a infiltração da água da chuva, necessária para recarregar lençóis freáticos e nascentes, agravando ainda o assoreamento dos leitos.

A 420 km de Berizal, também no norte de Minas, outra obra parada promete salvar o rio Jequitaí, afluente do São Francisco que míngua nesta época do ano.

A barragem de Jequitaí é uma reivindicação da década de 1950 e, numa parceria entre a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e o governo de Minas Gerais, foi licitada em 2013 no âmbito do PAC ao custo de R$ 400 milhões.

A construção consumiu R$ 19 milhões e foi paralisada em 2015, quando a empreiteira rescindiu o contrato com 25% da obra concluída.

Regularização fundiária, reassentamento dos atingidos e compensações socioambientais já consumiram outros R$ 165 milhões e seguem em andamento à espera de nova licitação da obra, que depende de recursos federais.

A represa de 800 milhões de metros cúbicos tem previsão de irrigar 35 mil hectares de terra, beneficiar 600 mil pessoas em 19 municípios, gerar energia, atrair turismo e ampliar em dez vezes a vazão do rio Jequitaí na seca.

Com 85% das terras adquiridas e indenizadas, o município de Jequitaí aposta na retomada. Equipamentos e materiais da obra têm vigilância 24 horas por dia no canteiro abandonado.

"A necessidade da barragem é pra ontem", diz o prefeito de Jequitaí, Joaquim Izidoro (PR), que só tem um caminhão-pipa e não consegue pagar os servidores municipais em dia.

Montes Claros, a maior cidade do norte de Minas, a 100 km de Jequitaí, também seria abastecida pela nova barragem. O município está desde 2015 em rodízio de água e a barragem de Juramento, que o abastece atualmente, chegou a 13% em 2017 e hoje tem 31% da capacidade.

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