Marcas de calçados artesanais elevam produção com venda online

Setor se recupera e deve crescer 4% em 2019; comércio físico é opção para dar uma cara à empresa

Eduardo Sodré
São Paulo

Fazer sapatos é tarefa complexa. Há processos de montagem e acabamento, não basta ter uma máquina de costura. Contudo, as dificuldades não assustam empresários que investem na produção artesanal e nas vendas online para entrar em um mercado que começa a se recuperar.

Segundo dados da Seta Digital, que presta consultoria para o setor calçadista, 18,7 milhões de pares foram vendidos entre janeiro e novembro deste ano. A empresa acredita em uma alta de 4% em 2019.

A empresária Livia Ribeiro, 34, vem de uma família que já produz sapatos há décadas. “Meu avô foi um dos primeiros calçadistas de Franca [interior de São Paulo], cresci nesse meio”, afirma. Hoje ela comanda o e-commerce da Louie.

A empresa foi criada há seis anos e vende 100 pares por dia. Apesar da crise que derrubou muitos negócios nos últimos três anos, Lívia conseguiu se readequar ao mercado.

A Louie tem administração enxuta: além da empresária, há mais três funcionários no comando. Parte da produção passou a ser terceirizada, seguindo os mesmos métodos artesanais.

Todos os sapatos são feitos de couro e vendidos no site próprio da marca. Cada par custa em torno de R$ 400. “Nunca falei que é um preço barato, mas é justo”, diz.

A empresária percebeu que havia um público interessado em comprar calçados masculinos com design e acabamento mais sofisticados, mas que não fossem tão caros quanto os de grifes internacionais. Para ir além de um nicho, tenta disseminar a cultura do sapato.

“Quem tem um pé mais gordinho ou com o peito alto não pode usar um modelo oxford, vai apertar. Um derby é melhor nesse caso, tem as abas soltas”, explica Livia.

A empresária Livia Ribeiro em sua casa, na zona oeste de São Paulo
A empresária Livia Ribeiro em sua casa, na zona oeste de São Paulo -  Karime Xavier/Folhapress

O site traz instruções sobre tamanhos. O cliente deve tirar a medida do pé em uma folha de papel para escolher seu número. Contudo, há muitas trocas, o que gera um custo logístico elevado, que precisa ser contemplado no plano de negócio.

Livia investiu tudo no comércio online, mas pensa em abrir uma espaço físico em 2019. “A tendência era ter só loja online, mas o mundo viu que o contato humano é necessário. Quero algo que traga a alma da Louie.”

Os empresários mineiros Hans Saraiva e Miguel Andreola já deram esse passo, após um período de vendas exclusivamente via internet. Eles abriram duas lojas da We Basic em Belo Horizonte e vão investir R$ 220 mil em 2019 em um estabelecimento no Espírito Santo, com geração de sete empregos diretos.

Hans afirma que a demanda no e-commerce o motivou a apostar em pontos de venda. Miguel já tinha alguma experiência nessa área: enquanto cursava engenharia de produção, trabalhou em uma loja de roupas. Em seguida, alugou um espaço e abriu o Clube das Marcas, de moda masculina.

Tanto a Louie quanto a We Basic comercializam seus calçados em sites próprios. Livia afirma que não pretende entrar em marketplaces (portais de venda), para preservar a identidade de sua marca.  Mas esse pode ser um caminho para atingir o grande público.

Vanderlei Kichel, presidente da Seta Digital, diz que as empresas podem crescer com a parceria de grandes portais, mas há o desafio de manter um preço atraente sem perder lucratividade. Os marketplaces ficam com uma parcela gorda da venda.

Marcas que trabalham com couro têm um outro desafio: adquirir material de qualidade no mercado nacional a bom preço. As peças de melhor classificação são exportadas e retornam ao Brasil após virarem calçados na Itália. Estão nas vitrines dos shoppings de luxo, com etiquetas de quatro dígitos.

Barbara Mattvy com calçados da grife vegana Insecta
Barbara Mattvy com calçados da grife vegana Insecta - Keyni Andrade/Folhapress

A Insecta Shoes não tem esse problema. A administradora Barbara Mattvy, 33, criou uma linha vegana que recicla tecidos, peças de borracha e garrafas plásticas. Nada é de origem animal. Os sapatos  custam cerca de R$ 200.

“Para nós, não faz sentido ser apenas só mais uma marca de moda, queremos causar microrrevoluções. As pessoas não querem sair tanto de sua zona de conforto para fazerem o bem, querem algo mais conveniente, como deixar de usar canudos de plástico. Nós oferecemos sapatos mais ecológicos”, diz Barbara.

A Insecta foi fundada na cidade de Porto Alegre (RS), em 2014, por duas mulheres e, hoje, tem 16 funcionários. Em 2017, reciclou 6.640 garrafas PET e 392 metros quadrados de roupas e tecidos.

A empresa Projeto Base também tem pegada ecológica. Criada em 2017 pelo casal de empresários Gracielle Vieira, 29, e João Cantarella, 28, conta com uma equipe de sete pessoas, todas com menos de 30 anos de idade. O investimento inicial foi de R$ 20 mil. O faturamento neste ano ficará pouco acima de R$ 500 mil. 

João cresceu no polo calçadista de Franca e optou por materiais tecnológicos ao desenvolver seus  produtos. “Trabalhamos com borracha microexpandida, compostos de EVA e metais. Por serem materiais que agridem o meio ambiente, desenvolvemos um sistema de descarte consciente”, diz o empresário.

Funciona assim: ao acabar a vida útil do sapato, o cliente entra em contato com a empresa, que  o recolhe e  leva para a fábrica. Lá, os componentes serão corretamente descartados ou reaproveitados. O consumidor recebe 10% de desconto para comprar um novo par.

​“Até o momento poucos utilizaram o serviço, dá para contar em uma das mãos os casos, mas isso é um bom sinal. Significa que estão durando conforme o planejado”, diz João.

Loja da We Basic em Belo Horizonte (MG), que vende sapatos masculinos e acessórios de couro
Loja da We Basic em Belo Horizonte (MG), que vende sapatos masculinos e acessórios de couro - Divulgação

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