Descrição de chapéu The New York Times

BuzzFeed posta dados não verificados sobre Trump, inflamando debate

SIDNEY EMBER
MICHAEL GRYNBAUM
DO "NEW YORK TIMES"

O site BuzzFeed News se tornou o foco de um debate intenso sobre ética jornalística, na terça-feira (10), depois de sua decisão de publicar na íntegra um documento de 35 páginas que faz afirmações explosivas, mas não confirmadas, sobre os elos entre o governo russo e o presidente eleito, Donald Trump.

O documento, um dossiê preparado por um antigo agente de inteligência britânico contratado por adversários políticos de Trump, vem circulando entre políticos de alto escalão e alguns jornalistas desde o final do ano passado. Os serviços de inteligência norte-americanos recentemente apresentaram um sumário de duas páginas das afirmações do relatório a Trump e ao presidente Barack Obama, reportou a rede de notícias CNN na terça-feira.

Mas a CNN não inclui em sua reportagem qualquer das afirmações específicas do relatório –como a de conluio entre a equipe de Trump e agentes russos–, afirmando que seus jornalistas não haviam conseguido confirmá-las de modo independente.

Pouco mais de uma hora mais tarde, rompendo com as práticas típicas do jornalismo, o BuzzFeed postou na íntegra o documento que detalha plenamente as afirmações não confirmadas às quais a CNN havia aludido.

"O BuzzFeed News está publicando o documento completo para que os norte-americanos possam decidir por si mesmos sobre as acusações quanto ao presidente eleito que circularam nos mais altos escalões do governo dos Estados Unidos", afirmou o site.

Ben Smith, editor chefe do BuzzFeed, se recusou a comentar sobre o artigo, que porta as assinaturas de três repórteres do site. Mas em memorando à sua equipe, ele ofereceu mais explicações sobre o motivo para que o site tivesse publicado os documentos.

"Nosso pressuposto é sermos transparentes em nosso jornalismo e compartilharmos com os leitores das informações que temos", escreveu Smith. "Sempre erramos em favor de publicar. No caso, o documento estava em circulação nos mais altos escalões do governo e da mídia dos Estados Unidos".

"Publicá-lo não foi uma decisão fácil ou simples, e pessoas de boa vontade podem discordar de nossa escolha", acrescentou Smith. "Mas publicar o dossiê reflete a maneira pela qual vemos o trabalho de um repórter em 2017".

As reportagens da CNN e BuzzFeed levaram outras organizações noticiosas, entre as quais os jornais "New York Times" e "Washington Post", a correr para publicar artigos sobre o assunto, alguns dos quais incluíam descrições genéricas das afirmações sobre Trump. Até a noite da terça-feira, porém, só o BuzzFeed havia publicado o documento na íntegra.

A decisão do BuzzFeed, além de suas ramificações políticas imediatas para um presidente eleito que tomará posse na semana que vem, certamente deve intensificar o debate já vigoroso sobre o papel e a credibilidade da mídia tradicional na era da informação frenética e polarizada que vivemos.

Um aspecto de interesse especial foi o uso de informações não verificadas de fontes anônimas, prática que alimentou algumas das chamadas notícias falsas –boatos apresentados como se fossem jornalismo legítimo– que proliferaram durante a eleição presidencial.

A CNN afirmou que seus jornalistas revisaram todas as 35 páginas de memorandos compilados do documento posteriormente publicado na íntegra pelo BuzzFeed, mas se recusou a incluir alguns detalhes das afirmações em sua reportagem, afirmando não ter "corroborado independentemente algumas acusações específicas". A CNN afirma que seus repórteres falaram com diversos funcionários de alto escalão do governo e dos serviços de inteligência antes de publicar a reportagem.

Em breve entrevista na redação do jornal, na noite de terça-feira, Dean Baquet, o editor executivo do "New York Times", disse que o jornal não publicaria o documento porque as afirmações são "completamente não substanciadas".

"Nós, como outros, investigamos as afirmações e não as corroboramos, e sentimos que nosso negócio não é publicar coisas que não tenhamos como confirmar", disse Baquet.

Nas redes sociais, alguns comentaristas de esquerda que em geral se opõem a Trump expressaram ceticismo sobre o documento publicado pelo BuzzFeed.

"Uma pessoa anônima, que afirma ser antigo agente dos serviços de inteligência britânicos e trabalhava como pesquisador para a oposição democrata, diz que outras pessoas anônimas lhe contaram coisas", disse Glenn Greenwald, jornalista que teve papel central na publicação do material vazado por Edward Snowden sobre a vigilância do governo contra cidadãos.

Mas a decisão do BuzzFeed foi recebida de modo positivo por algumas pessoas, que expressaram preocupação por os veículos noticiosos e funcionários do governo que tiveram acesso às afirmações não as terem revelado mais cedo. A publicação do documento pelo BuzzFeed levou quase imediatamente a questões, pelos partidários de Hillary Clinton, sobre os motivos para que as afirmações não tivessem sido divulgadas mais cedo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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