Esquecida, revolução que derrubou monarquia russa completa 100 anos

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

"A revolução de 1917? Claro que estudamos isso!", responde, algo surpresa pela pergunta, a tradutora russa Alina Pogudina, 30. "Ah, não, verdade. Esta é a outra, a esquecida", completa, informada de que o objeto da conversa é a Revolução de Fevereiro, e não a de Outubro, em que Vladimir Lênin instaurou o comunismo na Rússia.

Na próxima quarta-feira (8) será comemorado o centenário da primeira das duas revoluções. Só que a insurreição de fevereiro, pelo calendário vigente então, mal sobrevive às brumas do tempo.

Moradora de Khabarovsk (Sibéria), Alina nasceu nos estertores da União Soviética, o Estado formado em 1922 após a sangrenta guerra civil que teve sua origem naquele fevereiro de 1917. Na escola, o tema pouco era abordado.

"Foi uma revolução antimonárquica e democrática que liberou a maior parte das forças sociais. Ela minou o Estado e permitiu que os bolcheviques tomassem o poder com uma força relativamente pequena, mas organizada e militante", afirma o britânico Orlando Figes, 57, um dos principais historiadores dedicados à Rússia.

O governo provisório tinha maioria liberal, e foi integrado por socialistas moderados que queriam reformas progressivas e manter a Rússia na guerra, entre outras coisas para continuar a aliança com França e Reino Unido.

A maioria da esquerda disputou o poder formando o Soviete (Conselho) de Petrogrado. Os chamados mencheviques, rivais dos bolcheviques, tinham mais espaço no fórum e acreditavam na revolução em dois tempos, com uma etapa capitalista abrindo caminho ao socialismo.

Lênin estava exilado na Suíça, voltou de trem a Petrogrado pelas mãos da Alemanha, a quem prometera sair da guerra –o que de fato fez em 1918. O conflito seguia minando o instável governo provisório, por fim liderado pelo socialista moderado Alexander Kerênski (1881-1970).

Em outubro, novembro no calendário atual, as divisões de poder, a pressão popular pelo fim da guerra e uma tentativa fracassada da aristocracia militar de tomar o poder deram condições para que os bolcheviques dessem um golpe político interno.

Foi praticamente pacífico, com apoio da soldadesca em Petrogrado, mas também o prelúdio da guerra que matou 1,5 milhão de combatentes e talvez 8 milhões de civis.

O embate entre "vermelhos", bolcheviques e outras facções radicais, e "brancos", a ala mais à direita do governo provisório e aliados diversos, marcou a Rússia.

"Uns veem a revolução como o começo de uma grande civilização, outros como uma catástrofe. O país está lutando hoje um tipo de guerra civil ideológica entre os descendentes de 'vermelhos' e de 'brancos'", diz Figes.

Para ele, o fato de que as revoluções não são parte do calendário oficial de comemorações na Rússia de Vladimir Putin mostra a dificuldade em lidar com a questão.

"Putin talvez tenha se entregado quando trouxe de volta à Rússia os restos do líder 'branco' Anton Denikin (1872-1947). Mas ele não quer muita conversa sobre revolução porque teme uma."

Não só ele. Ao longo dos quase 70 anos da União Soviética, não se viram monumentos a fevereiro de 1917 espalhados pelo país. Mesmo o existente no Campo de Marte, em São Petersburgo, foi absorvido por um maior de estética e narrativa comunistas, tornando indiferenciável a lembrança celebrada ali.

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