Com Trump, minas de carvão renascem nos Estados Unidos

ERIC LIPTON
BARRY MEIER
DO 'NEW YORK TIMES'

O governo Trump está adentrando um dos mais antigos e disputados debates do Ocidente, ao incentivar novas minas de carvão em terras de propriedade do governo federal –parte de um impulso agressivo para revigorar a problemática indústria do carvão nos EUA e explorar mais amplamente as oportunidades comerciais em terras públicas.

A intervenção perturbou os ambientalistas e muitos democratas, expondo profundas divisões sobre a melhor maneira de administrar os 2,6 milhões de km² de terras de propriedade federal –a maior parte das quais fica no oeste do país–, uma área equivalente a mais de seis vezes a da Califórnia.

Desde a chamada Rebelião Sagebrush, durante o governo Reagan, empresas e indivíduos com interesses econômicos nas terras, entre eles as mineradoras, não tinham uma situação tão dominante sobre o assunto.

Nuvens de poeira sopravam no horizonte em uma tarde de verão enquanto uma máquina mais alta que a Estátua da Liberdade rasgava as paredes de um cânion escavado profundamente em terras públicas na Bacia do Rio Powder, a região carvoeira mais produtiva do país.

A mina sobe até uma represa de água, expondo o tipo de conflitos e preocupações provocados pela nova abordagem.

"Se não tivermos boa água, não poderemos fazer nada", disse Art Hayes, um pecuarista que teme que mais mineração estrague um suprimento que é utilizado há gerações pelos criadores de gado.

Mesmo com as medidas tomadas até agora, a perspectiva de as companhias de carvão operarem em grande escala em terras federais –e de um eventual grande crescimento dos empregos– é tênue, em parte porque os ambientalistas bloquearam a construção de um terminal de exportação de carvão e o porto que as empresas usam em Vancouver (Canadá) tem capacidade limitada.

A concorrência de outros fornecedores globais que oferecem carvão às usinas asiáticas também é intensa.

Mas pelo menos por enquanto a produção e as exportações de carvão estão aumentando na Bacia do Rio Powder, depois de um grande declínio no ano passado.

Adversários da direção do governo Trump já foram à Justiça. O Novo México e a Califórnia moveram ações em abril para reverter a redução dos royalties que as minas pagam, enquanto pecuaristas como Hayes e a tribo indígena cheyenne aderiram a um processo em março contestando a abolição de uma moratória de um ano sobre o leasing de carvão federal.

"Se entregarmos o controle dessas terras a uma faixa estreita de interesses especiais, perderemos uma parte icônica do país –e a identidade do Oeste", disse Chris Saeger, diretor-executivo do grupo ambiental sediado em Montana Western Values Project, referindo-se à mineração de carvão e extração de petróleo e gás que o Departamento do Interior está agindo para expandir rapidamente.

O homem chave de Trump é Ryan Zinke, um nativo de Montana que foi a cavalo para o trabalho em seu primeiro dia como chefe do Departamento (ministério) do Interior.

Um ex-congressista republicano e membro dos SEALs da Marinha, Zinke supervisiona o sistema nacional de parques, assim como o Birô de Gestão Territorial, que controla 1 milhão de km² em todo o país, partes dos quais são usadas para produzir petróleo, gás, carvão, madeira e feno.

No final de junho, Zinke visitou Whitefish, em Montana, para participar de uma reunião de governadores do oeste, onde ele prometeu encontrar um equilíbrio entre a extração de matérias-primas em terras federais e sua proteção.

"Nosso maior tesouro são as terras públicas", disse Zinke em um discurso. "Não é uma questão partidária. É uma questão americana."

Mais tarde, manifestantes do Sierra Club e de outros grupos realizaram um comício na praça central da cidade contra as medidas adotadas por Zinke durante seus primeiros meses no cargo, gritando "Vergonha!" e "Mentiroso!" e carregando cartazes contra suas políticas.

Crédito: Charlie Riedel/AP Jeffrey Energy Center, que usa carvão para gerar energia nos EUA
Jeffrey Energy Center, que usa carvão para gerar energia nos EUA

Durante o segundo mandato do presidente Barack Obama, a principal antagonista da indústria do carvão foi Sally Jewell, uma ex-engenheira da indústria do petróleo nomeada secretária do Interior em 2013.

Jewell tomou medidas para mudar o relacionamento entre as empresas de carvão e o governo federal.

Ela impôs uma moratória a novos leasings de carvão federais enquanto iniciava um estudo de três anos das consequências ambientais do setor. Mais de 40% de todo o carvão extraído nos EUA vêm de terras federais, e quando queimado ele gera aproximadamente 10% de todas as emissões de gases do efeito estufa do país.

Além disso, ela pediu maior transparência na concessão de leasings de carvão e apoiou um aumento dos pagamentos de royalties feitos pelas minas que operam carvão em terras públicas.

Um problema central, segundo Jewell, era a falta de concorrência para os leasings de mineração. Outra questão quente era quanto cobrar em royalties, que geram cerca de US$ 1 bilhão por ano para o governo federal.

Sob as regras federais aprovadas em 1920, as companhias de carvão são obrigadas a pagar "não menos que" 12,5% sobre as vendas de carvão de superfície extraído em terras federais. Mas durante anos, segundo estudos, as empresas pagaram muito menos porque muitas vezes negociavam grandes descontos de royalties com autoridades federais compreensivas.

As companhias também costumam vender o carvão primeiro para uma filial corporativa por um preço muito reduzido, antes de revendê-lo ao cliente final, custando ao governo um bocado de royalties, segundo um estudo do Escritório de Auditoria do Governo.

Para eliminar o esquema, o Departamento do Interior adotou uma regra no ano passado que exige que o pagamento seja calculado sobre a transação independente, o que significa que as vendas para filiais corporativas não contam.

Crédito: Kena Betancur/AFP US Representative at large from Montana, Ryan Zinke (L) arrives at Trump Tower on December 12, 2016 in New York. / AFP PHOTO / KENA BETANCUR ORG XMIT: KB00
Ryan Zinke, que supervisiona o sistema nacional de parques nos EUA

A indústria do carvão estava decidida a eliminar a regra. Em fevereiro, a Cloud Peak e outras gigantes do setor pediram que o departamento retardasse a regra até que a ação legal da indústria fosse resolvida. Em poucos dias conseguiram o que desejavam. A agência, revertendo sua posição durante a presidência Obama, congelou a regra e disse a advogados da Cloud Peak e outros da indústria que eles tinham "levantado questões legítimas".

No final de março, depois que Zinke foi empossado, o retrocesso continuou. Zinke recusou a moratória de Jewell sobre novos leasings e cancelou novos trabalhos sobre o estudo que ela havia ordenado.

Enquanto caminhava pelo palco na reunião de governadores em Whitefish, Zinke exalava confiança. Os EUA, afirmou ele, podem e devem expandir a produção de energia em suas terras federais, e o dinheiro ganho com os leasings irá para o reparo de estradas e pontes, e em parques nacionais.

"Como secretário do Interior, estou vendo os dois lados da balança", disse Zinke. "Há uma consequência de não usarmos parte de nossa terra pública para a criação de riqueza e empregos."

Conrad Anker, um montanhista e escritor, subiu ao palco depois de Zinke. Ele disse em uma entrevista que os organizadores o haviam instruído a não mencionar a mudança climática ou seus efeitos sobre as geleiras do Parque Nacional das Geleiras. Segundo um estudo federal, as geleiras já perderam até 85% de sua massa nos últimos 50 anos.

Não havia essa restrição na praça ali perto, onde manifestantes mostravam cartazes com slogans como "Zinke vende a alma para as companhias de petróleo" e "O que Teddy faria?" –referindo-se às declarações de Zinke de que ele admirava o presidente Theodore Roosevelt, um conservacionista que ajudou a reservar milhões de hectares de terras públicas.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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