Segregada e com acesso fácil a armas, Chicago vê criminalidade disparar

ISABEL FLECK
ENVIADA ESPECIAL A CHICAGO

Emmanuel Fleming, 34, estava atrasado para o culto das 11h de domingo na Igreja Batista da Amizade, no bairro de Austin, em Chicago, no último dia 13. Assim que alcançou a escadaria em frente à igreja, foi alvejado por dois homens em um carro prata, que conseguiram fugir.

Fleming ainda conseguiu gritar para que os três filhos que o acompanhavam, todos com menos de dez anos, procurassem abrigo na igreja.

O amigo Michael Swift, 46, também foi atingido. Os dois morreram ao chegar ao hospital, somando-se a outros seis assassinados só naquele fim de semana em Chicago.

A cidade havia registrado 464 homicídios neste ano até a última segunda (28). Até o meio de junho, o número era maior do que a soma dos assassinatos em Nova York e Los Angeles, cujas populações são de 8,5 milhões e 4 milhões, contra 2,7 milhões de Chicago.

Até julho, os números de 2017 superavam os de 2016, quando houve o "boom" da violência na cidade. Naquele ano, houve um aumento de 57,5% no número de homicídios, sendo 90% deles causados por armas de fogo.

Desde a campanha, o presidente Donald Trump condena o que chama de "carnificina" em Chicago, também como uma forma de atingir seu prefeito, o democrata Rahm Emanuel, primeiro chefe de gabinete do ex-presidente Barack Obama.

Em junho, Trump ordenou o envio de 20 agentes federais para integrarem uma força-tarefa com as polícias de Chicago e do Estado de Illinois. O foco é solucionar casos de homicídio e combater o tráfico de armas.

O Estado permite a venda de armas —e o porte, desde que não seja visível—, mas o comércio ilegal é muito mais representativo. Em 2016, a polícia de Chicago recolheu 6.644 armas.

O fácil acesso a armas de fogo é um dos fatores que explicam o alto índice de assassinatos. Um estudo do Laboratório do Crime da Universidade de Chicago mostrou que os homicídios com arma de fogo aumentaram 61% em 2016, contra 31% dos outros tipos de assassinatos.

No caso de Fleming, a polícia investiga a possível relação da sua morte com um episódio, em 2016, em que ele acabou ferido a bala em uma disputa por uma vaga de estacionamento.

No entanto, para especialistas, a disponibilidade de armas de fogo é só a ponta do iceberg, que tem como base a profunda segregação racial e econômica em Chicago.

Segundo dados da polícia, 79% das vítimas de homicídio na cidade em 2016 eram negras. Nos bairros com maiores índices de violência, nas regiões sul e oeste, mais de 85% da população é negra.

"Se houvesse menos armas nas ruas, menos pessoas seriam feridas, mas as variáveis que geram essa violência —o racismo e a pobreza— ainda levariam muitos para o crime", diz William Sampson, professor da Universidade DePaul, de Chicago.

Segundo o especialista, poucos negros que se formam no ensino médio em Chicago têm as capacidades exigidas para o ensino superior ou o mercado de trabalho. "Além disso, os poucos empregos disponíveis estão fisicamente longe de jovens pobres e negros", diz.

Crédito: Daniel Pinto/Folhapress Kenny Doss, 22, é líder do projeto Bridging The Gap, para afastar crianças e jovens da criminalidade
Kenny Doss, 22, é líder do projeto Bridging The Gap, para afastar crianças e jovens da criminalidade

Kenny Doss, 22, que nasceu e cresceu em Englewood, um dos bairros mais violentos de Chicago, se dedica a tentar quebrar o ciclo de violência que aproxima jovens negros das gangues.

Numa quadra de esportes do bairro, ele toca o projeto "Bridging the Gap" (conectar lados separados, em inglês), promovendo o basquete entre crianças e adolescentes.

"Usamos o basquete para ganhar a confiança deles, para que eles tenham um ambiente seguro para crescer. Para estar aqui dentro, as crianças não podem brigar, não podem estar ligadas a gangues, têm que respeitar o outro", diz Doss.

O pastor Reginald Bachus, da igreja batista onde ocorreram os assassinatos, diz que a comunidade deve demorar para superar o trauma. "Este é um bairro barra pesada e estamos sempre atentos ao redor. Só nunca achei que aconteceria aqui", diz.

Para ele, o mais importante é não alimentar o ódio entre os que ficaram. "Não podemos desistir da humanidade. Essa é a mensagem que tento passar para eles."

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress
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