Descrição de chapéu Xi Jinping

Avanço autoritário de Xi Jinping traz risco à China, diz pesquisador

Para Carl Minzner, autor de livro sobre concentração de poder, perpetuação dificulta reformas

Pratos de fundo vermelho com os líderes Mao Tse-tung, Zhou Enlai, Deng Xiapoing e Xi Jinping são exibidos em estande de souvenires na praça da Paz Celestial, em Pequim
Pratos de fundo vermelho com os líderes Mao Tse-tung, Zhou Enlai, Deng Xiapoing e Xi Jinping são exibidos em estande de souvenires na praça da Paz Celestial, em Pequim - Jason Lee - 1.mar.2018/Reuters
Patrícia Campos Mello
São Paulo

Com o avanço autocrático na China sob Xi Jinping, após a recente decisão de abolir o limite de mandato para o dirigente do regime, o país pode voltar às turbulências políticas da era Mao Tse-tung (1949-76), o que pode inviabilizar reformas cruciais.

Para Carl Minzner, que publicou neste mês o livro "End of an Era: How China's Authoritarian Revival is Undermining Its Rise" (Fim de uma era: como a volta do autoritarismo da China está minando sua ascensão), maior concentração de poder não irá facilitar a tomada de decisões.

 

Folha - Como Xi Jinping convenceu o partido a mudar a Constituição para permitir sua permanência sem limite?

Carl Minzner - Foi gradual. Em 2017, no Congresso do Partido Comunista, não foi anunciado sucessor para Xi e o pensamento dele foi incluído na Constituição do partido, como ocorria com Mao. Essas medidas já sinalizavam que ele acumulara muito poder. Abolir os limites de mandato é uma nota de rodapé para o que vinha acontecendo.

Quando ele assumiu, em 2012, muitos achavam que o poder estava fragmentado e seria difícil ele deixar sua marca. Mas aí Xi lançou uma campanha [anticorrupção] que abalou a burocracia. Quase todo mundo do alto escalão do Partido Comunista chinês tem alguma sujeira. Esses expurgos têm sido usados para expulsar pessoas que desafiavam Xi e limitar a influência de seus antecessores, Hu Jintao e Jiang Zemin.

Há culto à personalidade?

Quando falamos em culto à personalidade, pensamos em Mao, que tinha muita legitimidade popular, pois liderou a China durante a Guerra Civil. Mas no auge do período de Mao, o culto chegou a extremos e sobreveio a instabilidade que as pessoas associam à Revolução Cultural (1966-76).

Quando Deng Xiaoping assumiu, em 1978, adotou-se uma série de normas contra o culto à personalidade, como evitar glorificar o líder na TV. Desde 2012, porém há muito mais atenção individual a ele. Há longos programas na TV sobre suas opiniões e estudantes de arte são convocados para pintar seu retrato. Nada, contudo, comparável a Mao.

Esse poder pode estimulá-lo a medidas militaristas em relação a Taiwan, Hong Kong ou mar do Sul da China?

É possível. Mas minha principal preocupação é com o efeito interno. Essa concentração leva a decisões que refletem caprichos do líder, em contraste com a era pós reformas, em que havia liderança coletiva e era necessário satisfazer interesses divergentes.

O sr. afirma que o autoritarismo está solapando a ascensão da China. De que maneira?

A China reformista está ancorada em três pilares: alto crescimento econômico, relativa abertura ideológica ao mundo e estabilidade política.

A estabilidade política provém das normas implementadas nos anos 70 e 80, quando líderes marcados pelos expurgos sob Mao buscaram um sistema mais estável. Ainda seria um Estado autoritário de partido único, mas com liderança coletiva e normas.

Se essas normas começam a ser corroídas, haverá a emergência da turbulência e instabilidade pré-1978. Se começam a ser derrubadas, desfaz-se o arcabouço no qual se amparam o crescimento econômico e a relativa abertura ao mundo exterior. Estou muito preocupado com o retrocesso que pode haver na China.

O sr. está pessimista...

Vejo tendências muito negativas. Embora a Presidência não seja o cargo mais importante ocupado por —Xi ser secretário-geral do partido e presidente da comissão militar tem mais peso há indício claro de que ele pretende ficar no poder muito além de 2023, quando deveria se aposentar.

Há percepção de que o fato de o presidente dos EUA, Donald Trump, não se interessar pela defesa de valores democráticos abriu caminho para Xi.

Não acho que o que está ocorrendo na China resulte dos acontecimentos nos EUA, e sim da política doméstica chinesa. Nos EUA, temos erosão de instituições políticas por um movimento populista que vem de baixo para cima. Na China, a erosão de instituições políticas vem de cima. Há similaridade, não causalidade. Ambos preocupam.

A ojeriza de Trump ao multilateralismo permite à China ocupar espaço em comércio, ambiente, governança?

A retirada americana permite que outras nações capitalizem esse vácuo, e acredito ser isso que a China está fazendo. Mas a China sempre terá um papel maior no mundo, porque é muito grande e importante. Mesmo assim, na medida em que os EUA se afastam dessas instituições globais criadas após a Segunda Guerra (1939-45), surge oportunidade para a China tentar remodelá-las para atender a seus interesses.

Xi é mais ambicioso com o lugar da China no mundo do que seus antecessores?

Deng tinha a filosofia de "esperar pacientemente pela sua vez". Xi e outros líderes do partido acreditam que a vez da China chegou após a crise financeira de 2008 no Ocidente, a desordem na União Europeia e a turbulência política nas democracias ocidentais.

O fato de Xi poder ser perpetuar facilita as reformas?

Há esperança de que ele as continue implementando, mas tenho dúvidas. Quanto mais cresce seu poder, mais difícil se torna implementar reformas impopulares. Ele é o único a decidir as mudanças, é difícil culpar outra pessoa, isso o inibe de correr riscos.

Tal autoritarismo é reversível?

É difícil imaginar forças políticas no aparato do partido interessadas ou capazes de deter Xi. Conforme avança a concentração de poder, porém, começamos a ter alguma reação, há quem veja o risco.

 

RAIO-X

Nome Carl Minzner 

Educação Relações Internacionais na Universidade Stanford; Administração Pública na Universidade Columbia (NY) e Escola de Direito de Columbia Carreira Professor e pesquisador de legislação chinesa na Fordham University (NY)

Livro "End of an Era: How China's Authoritarian Revival is Undermining its Rise" (Oxford University Press, 2018)

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