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Sem-teto de NY viram professoras de escola de inglês criada por brasileiros

Curso online para estrangeiros contratou 25 moradoras de rua que praticam conversação com alunos

Duas mulheres posam para a foto. À esquerda está uma vestida com um moletom e um boné roxo de aba preta com a palavra Harlem, que levanta a mão para a outra, que usa um turbante azul amarrado para frente e dá um beijo.
Participantes do projeto Soulphia, em que moradoras de rua de Nova York dão aulas de inglês pela internet - Divulgação
Danielle Brant
Nova York

Cada aula de inglês que as professoras do Soulphia dão é a aula da vida delas. A afirmação é do paulista Tiago Noel de Souza, 31, fundador da empresa que, há quase um ano, propôs um novo recomeço para mulheres sem-teto de Nova York.

Ao lado do potiguar Felipe Marinho, 40, Tiago decidiu criar uma escola para ensinar inglês. Só que, em vez de professoras tradicionais, os quadros de funcionários foram preenchidos pela parcela da população nova-iorquina que mais chama a atenção dos turistas: as moradoras de rua.

A cidade mais cosmopolita dos Estados Unidos tinha, em maio, quase 62 mil sem-teto no sistema de abrigos municipal. Estima-se ainda que 4.000 pessoas durmam todas as noites nas ruas nova-iorquinas.

Essa realidade chocou o empresário paulista em novembro de 2016, quando se mudou para Nova York com a mulher. Mesmo trabalhando em uma empresa do setor de saúde, Tiago começou a amadurecer a ideia de montar um negócio que ajudasse esse público.

Ao falar com Felipe, a quem conheceu enquanto fazia uma ação social, surgiram as bases para o Soulphia. O negócio seria uma escola de ensino de inglês online com professores nativos americanos —no caso, as moradoras de rua.

"Elas são americanas, receberam educação americana, têm um inglês perfeito. São mais abertas do que professores tradicionais, porque estão lutando pela sobrevivência. Elas têm a energia necessária para fazer um negócio desses funcionar", afirma Tiago.

Cada uma das tutoras tem um passado de dificuldades. Natalie Diaz, 25, é a quarta filha das cinco de uma mãe solteira do Harlem. É cadeirante desde o berço. Há quase um ano, desentendimentos em casa a levaram a um abrigo.

"Eu estou grata por estar onde estou agora. Somos personagens em um grande livro. As experiências pelas quais passei me fizeram valorizar a simplicidade", conta.

A raiz do Soulphia também está em Kymalekah Devine, 50. Miss Kym, como é conhecida, tem uma filha de 31 anos, e um filho de 30 e quatro netos. Antes de ser sem-teto, morou no Japão e na Coreia do Sul com o ex-marido militar.

Nenhuma delas gosta de detalhar o que as levou à condição de sem-teto. "Quando você chega a um abrigo, a maioria não sabe por que está lá ou como chegou lá. Você chega por escolhas que você fez, ou por escolhas que outros fizeram por você", conta.

A decisão de empregar somente mulheres seguiu alguns critérios, afirma Tiago. Arrumar trabalho é mais difícil para elas, que não conseguem competir por vagas braçais, como na construção.

Tomada essa decisão, foram ao abrigo do Bronx procurar as mulheres. Lá, excluíram 25% das moradoras por dependência química e outros problemas. Outras 25% ficaram de fora por não serem americanas.

A lista final tinha cem mulheres. No piloto, entre outubro e dezembro de 2017, cinco tutoras foram selecionadas. Depois, outras 20 se juntaram à equipe. Quatro já conseguiram deixar os abrigos.

O Soulphia já deu mais de 2.000 aulas. São 300 alunos de cinco países (Brasil, EUA, China, Argentina e Colômbia). Eles pagam de R$ 39,90 a R$ 59,90 por cada aula de 45 minutos de duração.

A publicitária brasileira Catarina Hansen, 40, é uma das clientes. Antes, ela fazia aulas num curso. "Mas era supertravada e achava que o professor tratava a gente com um ar superior", diz. "Elas têm uma simplicidade que me deixa emocionada."

No começo, porém, a recepção dos alunos foi diferente, diz Tiago. "A gente percebeu que tinha muito preconceito."

A solução foi procurar respaldo de instituições de renome. A metodologia de ensino foi criada pela Universidade Columbia. O Soulphia tem também um coordenador do County College of Morris, universidade especializada em excelência no inglês.

Em agosto os alunos também terão acesso a material de uma instituição ligada à Fundação Bill e Melinda Gates.

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