ONG combate leis que favorecem estupro e mutilações de mulheres no mundo

Equality Now faz ações para endurecer regras contra abusos sexuais e casamentos infantis

Danielle Brant
Nova York

Até agosto de 2017, a Jordânia permitia que um estuprador que casasse com a vítima escapasse impunemente. A possibilidade estava prevista num artigo do código penal, escrito em 1911, na época do Império Otomano.

No Líbano, situação semelhante: o responsável por estupro ou sequestro não seria processado se casasse com a vítima. A revogação aconteceu também em agosto de 2017.

Equipe da Equality Now na Marcha das Mulheres em Los Angeles, em 2017
Equipe da Equality Now na Marcha das Mulheres em Los Angeles, em 2017 - Divulgação

A invalidação das leis, conhecidas informalmente como “case com seu estuprador”, teve em comum a atuação nas sombras de uma organização, a Equality Now (“Igualdade Agora”), criada em 1992 com o objetivo de mudar regras que contivessem algum tipo de discriminação de gênero.

Até hoje, 11 leis foram alteradas graças à ajuda da organização, que atua em mais de 30 países por meio de parcerias com entidades locais.

Os temas são espinhosos. “Trabalhamos com violência sexual contra mulheres, tráfico e exploração sexual, casamento com crianças e práticas que machucam as mulheres, como a mutilação genital”, conta Barbara Jimenez-Santiago, coordenadora para as Américas da Equality Now.

Em Uganda, a entidade se aliou à Joy for Children (“Alegria para as crianças”) para combater a prática do casamento infantil —estimativas da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) indicam que 12 milhões de meninas se casam todos os anos.

Atualmente, ambas somaram forças em uma petição no Congresso ugandense por uma legislação mais incisiva no combate ao problema.

À luz dos 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, Jimenez-Santiago vê avanços na igualdade de gênero no mundo e, em especial, na América Latina e no Caribe.

Na Bolívia, por exemplo, desde 2014 a organização atua em parceria com o Centro Una Brisa De Esperanza. Como nos outros casos, a história por trás é pesada, mas os resultados, alentadores.

A organização foi fundada por Brisa de Angulo. Aos 16 anos, começou a ser torturada e estuprada por um parente. Quando encontrou coragem para falar sobre os abusos, foi intimidada e enfrentou descrença de autoridades e de pessoas próximas.

Brisa tentou suicídio duas vezes antes de decidir ajudar outras meninas. Em 2004, tirou o centro do papel. Agora, junto com a Equality Now, tenta remover a provisão legal que impõe penas menos duras para responsáveis por estupros de menores com idades de 14 a 18 anos.

“Elas estão fazendo um trabalho tão bom que tentam deslegitimá-lo, falam que elas ajudam as vítimas a inventarem histórias. Os direitos humanos são para defender os direitos de todos”, afirma.

Ato contra a exploração sexual da organização Una Brisa de Esperanza, parceira da Equality Now na Bolívia
Ato contra a exploração sexual da organização Una Brisa de Esperanza, parceira da Equality Now na Bolívia - Divulgação

Apesar dos avanços, a coordenadora do Equality Now enxerga uma onda conservadora mapeada em muitos países, entre eles o Brasil, que ameaça provocar retrocessos. “Estamos retrocedendo todos os dias. As leis não estão combatendo os principais problemas de desigualdade de gênero. Melhoramos na representação de mulheres na política, mas
não no sistema judiciário”, diz.

Esse retrocesso não tem identificação com espectros políticos, afirma. “É uma onda conservadora na região. Para os direitos das mulheres, não importa o governo. A falta de política e de orçamento para esse tipo de causa é comum.”

No Brasil, a Equality Now ensaiou neste ano uma parceria com o Cladem, rede de organizações e ativistas pelos direitos de mulheres.

Eles começaram a trabalhar em um caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro, mas “o processo eleitoral dificultou”.

“Estávamos falando com um parente da vítima, mas nunca conseguimos falar com a vítima. É difícil continuar sem saber se ela quer isso. Fizemos pesquisa sobre leis, para saber o que podemos ajudar a mudar. Estamos mesmo no começo”, diz Jimenez-Santiago.

Ela não acha que governo de Jair Bolsonaro (PSL) será um entrave à atuação da entidade. “Temos que desenvolver a relação com a parceira antes. Mas não podemos esperar mais quatro anos para começar a atuar”, completa.

 

Esta reportagem faz parte de uma série sobre pessoas e projetos que defendem os direitos humanos pelo mundo, nos 70 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos

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