O ditador Nicolás Maduro acusou de mentiroso o recente relatório sobre a situação na Venezuela publicado pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e disse que a diplomata deu um "passo em falso". Ele também exige retratação e correção pelo que seriam erros contidos no documento.
Maduro reagiu ao relatório, que apontava o uso de esquadrões da morte e de tortura contra opositores de seu regime, em uma carta endereçada ao escritório de Bachelet nesta sexta (12). A missiva foi entregue e lida por Jorge Valero, representante permanente da Venezuela na ONU, em Genebra (veja no vídeo abaixo).
O relatório de Bachelet, divulgado em 4 de julho, apontava que as forças de segurança da Venezuela, leais ao regime de Maduro, se valem de esquadrões da morte para assassinar opositores, além de falsificarem situações que deem a entender que vítimas resistiram à prisão.
O documento foi produzido com base em 558 entrevistas com vítimas e testemunhas de violações de direitos humanos e da crise econômica do país. Maduro aponta em sua carta que 460 destas conversas foram realizadas fora da Venezuela, o que chama de falha "grave".
O ditador também argumenta que Bachelet seguiu instruções do Departamento de Estado dos EUA e de Elliott Abrams, encarregado de assuntos dos EUA com a Venezuela, ao elaborar seu relatório. Ela teria se baseado em relatos "midiáticos e políticos impostos por Washington".
O informe de Bachelet "é profundamente lesivo à dignidade do povo venezuelano", diz Maduro, que a acusa de "não ter escutado a Venezuela" e, portanto, de não reconhecer a real situação dos direitos humanos no país.
Acrescenta que o documento de Bachelet é "cheio de falsas afirmações, tergiversações e manipulações no uso de dados e fontes".
Por fim, dá a entender que os Estados Unidos são parcialmente responsáveis pela crise humanitária na Venezuela, ao acusar Washington de ter bloqueado mais de US$ 30 bilhões em ativos de petróleo do país no exterior e US$ 7 bilhões destinados a compra de alimentos e remédios.
O relatório de Bachelet foi divulgado depois de sua visita a Caracas entre 19 e 21 de junho, ocasião na qual conversou tanto com o ditador Maduro quanto com o oposicionista Guaidó, além de ter encontrado vítimas da repressão de Maduro. A diplomata defendeu a libertação de opositores detidos pelo regime. O número chega a 800, de acordo com a ONG Foro Penal.
Depois da visita, dois representantes da ONU ficaram no país, com o objetivo de monitorar a situação de direitos humanos.
Cobrindo o período de janeiro de 2018 a maio de 2019, o relatório se debruça também sobre a profunda crise econômica na Venezuela, que tem privado as pessoas de comida e acesso à saúde. Afirma que, caso a situação não melhore, "o fluxo sem precedentes de venezuelanos para fora do país vai continuar, e as condições de vida dos que ficam vão piorar".
DADOS DO RELATÓRIO DA ONU
Violência
- 14 mortes em protestos em 2018, segundo ONG, e 0 segundo o governo; 66 mortos em protestos em 2019, segundo a ONU, e 29 segundo o governo
- 15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre 2014 e 2019, a maioria em protestos, segundo a ONG Foro Penal
- De acordo com o governo, houve 5.287 mortes por "resistência à autoridade" em 2018, mas o número é de 7.523 para a ONG Observatório Venezuelano da Violência
- 15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre janeiro de 2014 e maio de 2019; 527 em 2018 e 2.091 até maio de 2019
- 7.523 mortes violentas registradas como “resistência à autoridade” em 2018 (5.287 segundo o governo); em 2019, até 19 de maio, 2.124 mortes nessa categoria (1.569 segundo o governo)
- A Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e a Polícia Nacional Bolivariana (PNB) foram responsáveis pelo uso excessivo da força em manifestações desde 2014 e as Forças de Ações Especiais (Faes) foram supostamente responsáveis por numerosas execuções extrajudiciais em operações de segurança
- Presos submetidos a torturas e tratamentos cruéis como: aplicação de choques, asfixia com sacos plásticos, simulação de afogamento, espancamentos, violência sexual, privação de água e comida, posturas forçadas e exposição a torturas extremas
- Mulheres detidas submetidas a serem arrastadas pelos cabelos, toques inapropriados, ameaça de estupro, nudez forçada e insultos sexistas
Alimentação
- US$ 7 por mês era o valor do salário mínimo em abril deste ano, que cobria 4.7% do custo da cesta básica
- 10 horas é o tempo médio diário passado em filas para obtenção de alimentos
- Mulheres obrigadas a terem relações sexuais em troca de comida
Saúde
- 1.557 mortes devido à falta de suprimentos em hospitais, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019
- 40 mortos em hospitais devido aos apagões de março deste ano
- De 60% a 100% de escassez em remédios essenciais em quatro cidades, incluindo Caracas
- 100% de escassez de contraceptivos em diversas cidades, o que aumenta os riscos de transmissão de HIV e outras doenças, além de gravidez na adolescência
- 65% de aumento no número de adolescentes grávidas desde 2015
- Retorno de doenças erradicadas, como sarampo e difteria
Liberdade de imprensa e internet
- 24 pessoas detidas ou punidas em 2018 por publicações em redes sociais
- Diminuição da velocidade de acesso à internet, devido à falta de investimentos em infraestrutura
- Fechamento forçado pelo governo de dezenas de veículos de mídia impressa, estações de rádio e TV
- Detenção e perseguição de jornalistas, alguns dos quais forçados a deixar o país
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