Primeiros testes aumentam mistério sobre tragédia ecológica na Rússia

Produtos tóxicos encontrados em amostras de água não são conclusivos, diz Greenpeace

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São Paulo

O mistério acerca da causa da morte de uma enorme quantidade de animais marinhos em Kamtchatka, paraíso ecológico no extremo oriente da Rússia, aumentou nesta quinta (8).

Segundo o Serviço Federal para Supervisão de Recursos Naturais, os primeiros exames na água do mar ao longo da costa da região não encontraram poluentes químicos. Mais tarde, contudo, o Ministério dos Recursos Naturais divulgou dados não conclusivos sobre a presença de produtos tóxicos acima da concentração normal.

Membro do Comitê Investigativo Russo fotografa praia onde houve mortandade de vida marinha em Kamtchatka
Membro do Comitê Investigativo Russo em praia onde houve mortandade de vida marinha em Kamtchatka, península no extremo oriente da Rússia - Comitê Investigativo Russo - 7.out.2020/via Reuters

A chefe do órgão, Svetlana Radionova, disse em reunião com surfistas afetados com queimaduras na pele e nos olhos que foram coletadas amostras na região do aterro de Kozelski, até aqui o maior suspeito de ser a origem de uma contaminação por produtos tóxicos.

Ele fica ao lado de um rio que desagua na baía de Avatcha, onde fica a capital regional de Petropavlovski-Kamtchatski. Toda a costa do oceano Pacífico naquele ponto foi afetada, segundo expedições do governo russo e dos grupos ambientalistas Greenpeace e WWF.

Radionova afirmou que também foram coletadas amostras de solo na região. O aterro de Kozelski recebia pesticidas desde 1979 e foi fechado em 2008. Dois anos depois, recebeu uma cobertura de contenção que uma inspeção identificou estar danificada.

Além dessa análise, a Universidade Federal do Extremo Oriente, de Vladivostok, divulgou testes feitos na água do rio que fica ao lado do aterro. "As águas estão cristalinas, com ótimos indicadores biológicos", disse Kirill Vinnikov, chefe do laboratório, à agência Tass.

A mesma universidade descartou a presença de componentes de combustível de foguete na baía, algo que havia sido especulado por ativistas locais devido à grande quantidade de instalações militares secretas na região, inclusive um campo de prova de projéteis.

Mais tarde, no horário de Moscou (9 horas a menos do que em Kamchatka), o Ministério dos Recursos Naturais divulgou um outro laudo. Segundo ele, amostras de água continham concentração de fenol 2,9 vezes acima do normal, de fosfato, 10 vezes e de ferro, 6,7 vezes.

Os dois primeiros elementos podem ser bastante tóxicos. Mas Vladimir Chuprov, diretor de projetos do grupo ambientalista Greenpeace no país, afirma que os resultados não são conclusivos.

"Para uma série de elementos, por exemplo, para metais pesados, as análises ainda estão em andamento. Faltam resultados extremamente importantes: exames laboratoriais de tecidos e órgãos de animais mortos. Além disso, os materiais coletados não foram testados para pesticidas", disse, em nota.

Para evitar insinuações de acobertamento, algo ligado à história do país desde a explosão do reator da usina nuclear de Tchernóbil (então na Ucrânia soviética, em 1986), o governador de Kamtchatka convidou especialistas do WWF para examinar todos os dados disponíveis.

O grupo e o Greenpeace estão conduzindo suas próprias análises. A remota Kamtchtka é um dos tesouros naturais da Rússia e fica a oito horas e meia de voo de Moscou. Isso dificulta o transporte de amostra a laboratórios fora da península.

As revelações iniciais fizeram voltar a hipótese de a crise, que matou, segundo o governo, 95% da fauna marinha que vive no fundo do mar da costa, ter sido provocada por um aumento anormal de algas.

Em muitos casos, elas podem privar a água de oxigênio e liberar substâncias tóxicas que causam os efeitos relatados pelos surfistas afetados: queimaduras, náuseas e vômito.

O jornal The Moscow Times ouviu Iulia Poliak, especialistas em biologia marinha da Academia Russa de Ciências em São Petersburgo, e ela foi taxativa em apontar essa possibilidade como a causa.

Para Poliak, as imagens de satélite mostrando a amplitude da mancha amarelada no fim de semana indicam um fenômeno mais amplo do que um vazamento químico, que tenderia a ser mais localizado.

Já a especulação de que a origem da contaminação foi algum movimento sísmico que teria liberado compostos venenosos parece ter perdido força, apesar de Radionova ter dito que isso ainda estava em estudo.

Os exames divulgados se referem a materiais colhidos principalmente no sábado, quando a queixa dos surfistas ganhou a internet. Um deles, Anton Morozov, enviou um vídeo denunciando o problema ao popular blogueiro russo Iuri Dud, que tem 4,5 milhões de seguidores no Instagram.

Morozov é uma lenda local. Ele fundou o acampamento para surfistas Onda de Neve, na praia de Khalaktir, a 35 km da capital. Num santuário ecológico conhecido por suas dezenas de vulcões ativos e ursos em abundância, ele introduziu o surfe na década passada.

O governo russo abriu uma investigação criminal sobre as causas da contaminação.​

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