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Eleição em Uganda marca conflito de gerações entre cantor pop e ditador

País foi às urnas para decidir se concede poder a popstar ou mantém líder há 35 anos no cargo

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BAURU (SP)

De um lado, um ditador há 35 anos no poder e que almeja o sexto mandato consecutivo. De outro, um famoso cantor que personifica os anseios de uma geração que nunca viveu sob outra liderança política.

A disputa presidencial em Uganda opõe o atual titular do cargo, Yoweri Museveni, 76, e o desafiante Bobi Wine, 38. Ambos representam projetos políticos distintos e disputaram, nesta quinta (14), os votos de quase 18 milhões de eleitores no país onde cerca de 75% da população tem menos de 30 anos.

Para Museveni, somente seu governo pode garantir estabilidade e progresso, enquanto Wine seria um novato qualquer apoiado por governos estrangeiros e homossexuais —o ditador já deu várias declarações homofóbicas e, em Uganda, ainda é crime ser LGBT.

Bobi Wine —nome artístico de Robert Kyagulanyi Ssentamu—, por sua vez, considera o adversário um ditador que não consegue solucionar o desemprego, a corrupção e o aumento das dívidas públicas.

Cartazes das campanhas presidenciais de Bobi Wine (à esq.) e de Yoweri Museveni (à dir.) em Campala, capital de Uganda - Sumy Sadurni - 4.jan.21/AFP

As filas formadas nos locais de votação eram crescentes em Campala, capital de Uganda e um dos redutos da oposição ao governo de Museveni. Mas a presença de policiais, soldados e outros agentes de forças de segurança do país deixou claro que o clima para o pleito não era de "festa da democracia".

A campanha eleitoral foi particularmente violenta e marcada por dezenas de mortes, prisões e repressões a comícios de opositores do governo sob o pretexto de descumprimento das regras de isolamento para impedir o avanço do coronavírus.

Só em novembro, ao menos 54 pessoas foram mortas pela polícia durante manifestações em protesto contra uma das várias ocasiões em que Wine foi detido pelas autoridades.

O opositor teve seus eventos de campanha proibidos sob o argumento de que poderiam ser pontos de contaminação por Covid-19, enquanto Museveni gozou de ampla visibilidade na mídia.

"Se você tentar perturbar a paz, terá de culpar a si mesmo. As forças de segurança, seguindo a lei, estão prontas para lidar com qualquer encrenqueiro", disse Museveni, vestido com uma jaqueta militar camuflada, em um programa de TV nesta semana.

Quando o carro de Wine chegou à sua seção eleitoral, cercado por seguranças em uniformes pretos, coletes à prova de balas e capacetes, seus apoiadores dançaram e aplaudiram, mas depois foram expulsos pela polícia. "Eu continuo encorajando os ugandenses a votarem", afirmou Wine, nesta quinta, depois de depositar sua cédula em um dos pontos de votação em Magere, ao norte de Campala.

"Fizemos todos os esforços para observar e monitorar esta eleição e saberemos a resposta."

As urnas foram fechadas oficialmente às 16h no horário local (10h em Brasília), mas os eleitores que estavam nas filas receberam permissão para votar depois do prazo. Em ao menos dois pontos da capital havia grupos de até cem pessoas aguardando para votar após o limite inicial.

Mesmo após o fim da votação, centenas de apoiadores de Wine na capital voltaram às suas seções para atender ao apelo do opositor de "proteger o voto", observando a contagem, que é feita de maneira pública. A expectativa é a de que o resultado seja divulgado até o próximo sábado.

A cada cédula contabilizada a favor de Wine, a multidão cantava e aplaudia. Quando o voto era para o ditador, imperava o silêncio. Nas redes sociais, também é o silêncio que predomina desde que o governo de Museveni ordenou a proibição de plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp e, depois, um bloqueio mais amplo a empresas de telecomunicações que gerou um "apagão" na internet do país.

Os atos, segundo o próprio Museveni, foram uma resposta ao bloqueio feito pelo Facebook, na segunda-feira (11), de uma rede de contas ligadas ao Ministério da Informação de Uganda. Segundo a plataforma, os perfis eram falsos e tentavam manipular o debate público e influenciar as intenções de voto.

Museveni até se desculpou pelas inconveniências causadas pelo bloqueio, mas disse que não teve escolha depois que a empresa de Mark Zuckerberg suspendeu várias contas que apoiavam seu partido, o Movimento de Resistência Nacional (NRM, na sigla em inglês).

"Se você quer escolher um lado contra o NRM, então esse grupo [Facebook] não deveria operar em Uganda", disse o ditador. "Não podemos tolerar esta arrogância de alguém que venha decidir por nós quem é bom e quem é mau."

A ação autoritária não ajuda a aumentar a popularidade do longevo líder ugandense entre os mais jovens. "Estou cansado de Museveni porque ele não tem ideias novas", disse Joseph Kinobe, 40, que tinha 5 quando o atual líder chegou ao poder, à agência de notícias Reuters.

“Durante anos, os líderes deste país disseram que iriam 'garantir meu futuro', mas não garantiram", disse Joseph Nsuduga, 30, sobre o slogan da campanha de Museveni. "Agora quero mudança para meus filhos."

Há também quem apoie o ditador, e, segundo analistas, ele é o favorito. "Museveni é meu candidato", disse a empresária Ceria Makumbi, 52, logo depois de depositar sua cédula na urna. "Porque deu estabilidade ao país e promoveu educação primária, universidades gratuitas, construiu hospitais e estradas."

Os apoiadores do ditador ecoam seu discurso, segundo o qual uma eventual vitória de Wine seria algo como trocar o certo pelo duvidoso. "Não queremos apostar nossas fichas neste jovem", disse Muhamad Barugahare, 31, ao afirmar que votaria em Museveni porque ele é o único que pode garantir a paz.

Segundo um porta-voz da campanha do líder ugandense, "o presidente tem certeza de que vencerá, mas aceitará os resultados das eleições, já que elas foram livres e justas".

Em seu perfil no Twitter, Wine acusou de antemão a parcialidade da Comissão Eleitoral, órgão que certifica o pleito. "Uma trama está montada, a internet está completamente bloqueada, e a mídia, censurada. No entanto, a população de Uganda está firme, e nada a impedirá de acabar com este regime opressor."

Com AFP e Reuters

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