Descrição de chapéu The New York Times

Começa busca de navio naufragado na Antártida há um século

Pesquisadores procuram navio Endurance, do explorador Ernest Shackleton, esmagado no gelo em 1915

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Henry Fountain
The New York Times

Um século depois de o navio Endurance, de Ernest Shackleton, afundar nas águas da Antártida, levando a uma das mais grandiosas histórias de sobrevivência na história das explorações, uma equipe de aventureiros, técnicos e cientistas modernos está zarpando em busca da embarcação.

Um navio quebra-gelo sul-africano levando 46 tripulantes e uma equipe expedicionária de 64 membros tinha partida marcada da Cidade do Cabo neste sábado (5), rumo ao Mar de Weddell. Chegando lá, a equipe espera localizar os destroços e explorá-los com dois drones submarinos.

Navio tombado no gelo em foto em preto e branco
O navio 'Endurance' preso no gelo, durante expedição ao polo Sul realizada em 1914, chefiada pelo explorador Ernest Shackleton - Frank Hurley/Reprodução

Não será fácil chegar ao local. Esmagado por blocos de gelo em 1915, o Endurance, de 44 metros de comprimento, encontra-se em águas de 3.000 metros de profundidade. E não é uma água qualquer: no mar de Weddell, uma corrente em turbilhão sustenta uma massa de gelo marinho espessa e perigosa que pode ser intransponível até para quebra-gelos modernos.

O próprio Shackleton, cujo plano de ser o primeiro a atravessar a Antártida foi frustrado pela perda de seu navio, descreveu o local onde o navio afundou como "a pior parte do pior mar do mundo". "É o navio naufragado mais inatingível que existe", disse o arqueólogo marinho Mensun Bound, diretor de exploração da expedição, Endurance22. "Por isso esta é a maior caça a um navio naufragado de todos os tempos."

O naufrágio do Endurance foi também um dos mais famosos da história, possivelmente comparável ao do Titanic. É uma relíquia da idade heroica da exploração da Antártida, quando aventureiros empreenderam expedições complexas e de alto risco ao continente e ao polo Sul, atraindo interesse popular enorme.

Alguns deles, como Roald Amundsen, alcançaram seus objetivos. Outros, como Robert Falcon Scott, morreram tentando. Shackleton não alcançou sua meta, mas quando retornou ao Reino Unido tendo salvado sua tripulação inteira após uma viagem épica em barco aberto por mares traiçoeiros, foi recebido como herói. Ele é admirado e idolatrado até hoje em livros, filmes e até cursos de escolas de administração, nas quais sua expedição é vista como um estudo de caso de liderança eficaz.

O explorador irlandês Ernest Shackleton, que liderou três expedições à Antártida no início do século 20 - Divulgação

Financiada ao custo de mais de US$ 10 milhões por um doador anônimo, a expedição terá menos de duas semanas para localizar o navio naufragado depois que o quebra-gelo chegar ao Mar de Weddell. Se o Endurance for encontrado, os drones farão fotos e vídeos, além de varreduras a laser precisas dos destroços. Mas o local não será tocado, pois foi declarado monumento histórico sob os termos do Tratado Antártico, acordo internacional firmado em 1959 para preservar o continente para finalidades pacíficas.

A expectativa é a de que o navio naufragado esteja em relativamente boa condição, devido à água gelada e porque os mares antárticos não contêm organismos que consomem madeira.

Graças ao trabalho do capitão e navegador do Endurance, Frank Worsley, que com ferramentas de navegação básicas foi capaz de determinar a localização da embarcação quando ela afundou, a expedição diz acreditar que os destroços se encontram numa área de 11 km por 22 km no oeste do Mar de Weddell.

"Sabemos mais ou menos bem onde temos que ir", disse o líder do Endurance22, John Shears, para quem esta será sua 25ª expedição à Antártida. E até agora nesta temporada (é o verão antártico), imagens de satélite mostram que os blocos de gelo à deriva não têm sido muito ruins. "Estamos muito otimistas quanto às chances de chegarmos até o local do naufrágio com o navio", disse Shears.

Mas uma mudança nos ventos ou uma queda repentina de temperatura pode mudar as condições de uma hora para outra, como Shackleton descobriu da maneira mais difícil. Se o gelo impedir o quebra-gelo de chegar ao local do naufrágio, a expedição tem um plano B ousado.

Dois helicópteros serão usados para despachar equipamentos e técnicos a um bloco de gelo flutuante, onde eles perfurarão um buraco de um metro de largura pelo qual lançarão os submersíveis.

Lasse Rabenstein, o cientista chefe da expedição, e outros especialistas em gelo marinho a bordo terão que escolher um bloco de gelo que seja capaz de suportar a equipe e os equipamentos. Mas há outro problema, disse Rabenstein. Como levará alguns dias para montar acampamento sobre o campo de gelo, ele e os outros terão que escolher um bloco flutuante "que dois dias mais tarde nos leve para acima do local do naufrágio", explicou ele. "E essa é uma questão altamente delicada."

Uma expedição anterior lançada três anos atrás fracassou quando um submersível que usava tecnologia mais antiga foi perdido antes de os técnicos conseguirem determinar se havia localizado os destroços.

Os submersíveis novos serão ligados à superfície por um cabo de fibra ótica que pode transmitir imagens e dados em tempo real. Construído na Noruega com tábuas maciças, movido a vapor e a vela, o Endurance foi projetado para resistir às pressões extremas das manobras no meio do gelo flutuante.

Shackleton partiu no final de 1914 com uma equipe de 27 homens, tendo como destino a baía de Vahsel, no lado leste do Mar de Weddell. O plano previa que ele e um grupinho pequeno atravessassem a vasta placa de gelo antártico até o Polo Sul, como Amundsen fora o primeiro a fazer em 1911, mas que continuassem em frente até o Mar de Ross, do outro lado do continente.

Eles nunca chegaram ao ponto de partida. No início de 1915, quando estavam a 160 km da baía, o Endurance ficou preso entre os blocos de gelo flutuantes de Weddell. Shackleton e seus homens passaram meses vendo o navio ser esmagado pelo gelo que foi se acumulando em volta.

Acabaram deixando o navio e montando acampamento sobre um bloco de gelo. Tiraram do Endurance todos os alimentos, outras provisões e quase todo o resto, incluindo três barcos salva-vidas abertos, antes de o navio afundar, em novembro. O resto da história foi épico. Em abril do ano seguinte, quando os blocos de gelo começaram a se fragmentar, os 28 homens partiram nos barcos salva-vidas e chegaram à ilha do Elefante, pouco mais que um afloramento rochoso ao norte da Península Antártica.

A partir dali, Shackleton, Worsley e quatro outros enfrentaram o tempo gelado e os mares revoltos, velejando em um dos barcos de sete metros até a ilha habitada mais próxima, Georgia do Sul, a 1.300 km de distância. Foi uma façanha de navegação extraordinária e foi seguida imediatamente por uma façanha extraordinária de montanhismo: Shackleton e dois outros fizeram a primeira travessia dos picos e geleiras da ilha para chegar a uma estação de baleeiros no lado oposto. A partir dali ele organizou expedições que resgataram os outros homens com vida em questão de meses.

"Muitas pessoas já conhecem a história", disse Donald Lamont, presidente da Fundação do Patrimônio Cultural Marítimo das Ilhas Falkland, que organizou a expedição. "Mas também há muita gente globalmente que a desconhece por completo." Por isso, a equipe da Endurance22 inclui especialistas em mídia digital que vão registrar a busca de streaming online. E se os destroços do Endurance forem encontrados, as imagens e os dados colhidos no local podem virar a base de exposições em museus.

"Será o ponto de partida para as histórias humanas das pessoas que foram para lá", disse Lamont. Ex-governador das Malvinas, ele não estará no navio. "Estou muito feliz em ficar sentado no conforto e quentinho do Reino Unido e dizer ‘adeus e boa sorte’." Mesmo que os destroços não forem encontrados, a expedição deve ajudar cientistas a ter uma visão melhor do gelo do Mar de Weddell e como está mudando à medida que o planeta se aquece em função das emissões de gases estufa.

Tradução de Clara Allain

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