Presidente da Guiné-Bissau diz que país está sob controle após tentativa de golpe

Tiroteios foram ouvidos no entorno do palácio do governo na tarde desta terça

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São Paulo

Após intensos tiroteios no entorno do palácio do governo da Guiné-Bissau levantarem o alerta para uma tentativa de golpe de Estado nesta terça-feira (1º), o presidente Umaro Sissoco Embaló afirmou, em telefonema à agência de notícias AFP, que a situação do país está sob controle.

Em pronunciamento mais tarde, o mandatário disse que o episódio foi mais do que uma tentativa de golpe. "Foi uma tentativa de assassinar o presidente, o primeiro-ministro e todo o gabinete. [O ataque] Foi bem preparado e organizado e pode ser relacionado a pessoas envolvidas no tráfico de drogas."

Embaló, no entanto, não deu detalhes sobre essa hipótese.

Soldados armados transitam na principal avenida da capital da Guiné-Bissau após tiroteios intensos no entorno do palácio presidencial
Soldados armados transitam na principal avenida da capital da Guiné-Bissau após tiroteios intensos no entorno do palácio presidencial - Reuters

O presidente detalhou que as forças de segurança impediram o "ataque contra a democracia" e que muitos morreram, sem especificar quantos. Segundo ele, as vítimas seriam todos agentes e não houve fatalidades entre os ministros. Também disse que prisões começaram a ser feitas.

Embaló, que contou com forte apoio dos militares em uma crise anterior, sugeriu ainda que o Exército não estava envolvido na investida. "Posso garantir que nenhum campo se juntou a essa tentativa de golpe. Foi isolado. Está ligada a pessoas que lutamos contra." Mais cedo, em um perfil não verificado no Twitter com o nome do mandatário, foi feita uma publicação na mesma linha. "Eu estou bem, Alhamdoulillah [graças a Deus]. A situação está sob o controle do governo", dizia o texto.

Houve quem questionasse a veracidade da publicação, uma vez que Roch Kaboré também havia divulgado que a situação em Burkina Fasso, que passou por um golpe, estava sob controle, para horas depois a tomada de poder se confirmar. Já no Facebook, postagem no perfil oficial do presidente dizia que a "calma retornou a Bissau", com fotos sem data de Embaló —também conhecido como Bolsonaro da África— sentado em uma cadeira, conversando como militares uniformizados.

Antes de Embaló se pronunciar, tanto a União Africana como o bloco regional Cédéao (Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental) condenaram a investida, classificada como tentativa de golpe de Estado. A Cédéao, considerando os militares responsáveis pela integridade física do presidente e dos membros do governo, pediu para que eles voltassem aos quartéis e mantivessem "postura republicana".

O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, também instou o fim imediato dos conflitos e o "pleno respeito às instituições democráticas do país".

A tarde desta terça foi de confusão na capital Bissau. A sede do governo, onde supostamente ocorria uma reunião extraordinária de gabinete com Embaló e o primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam, foi cercada por homens armados. Ainda não se sabe, porém, a causa do tiroteio. Nos arredores do palácio e no restante da capital, não longe do aeroporto, militares mantinham os civis a distância.

Um jornalista da AFP relatou que um homem armado, apontando seu fuzil, mandou ele ir embora. Muitos moradores abandonaram suas casas, deixando mercados vazios, e os bancos também fecharam a porta.

O presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, durante entrevista à Folha em hotel em Brasília
O presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, durante entrevista à Folha em hotel em Brasília - Pedro Ladeira - 25.ago.21/Folhapress

O alerta de um possível golpe já havia sido dado em agosto do ano passado, pelo comandante das Forças Armadas, o general Biague Na Ntam, enquanto Embaló estava no Brasil. À época, ele disse que vários de seus membros estavam preparando uma insurgência. Em 14 de outubro, Ntam afirmou que alguns oficiais tentaram subornar as tropas "para subverter a ordem constitucional".

O pesquisador de geologia da USP Orlando Silva, guineense que mora há 38 anos no Brasil, ressalta que Embaló "não é exatamente um democrata", mas condenou "qualquer movimento de um levante militar para resolver questões políticas".

Ele lembra que o atual mandatário atropelou a mais alta instância do Judiciário do país ao não aguardar a decisão sobre o questionamento do pleito presidencial —a corte depois ratificou sua eleição. Segundo Silva, há ainda atos inconstitucionais, como a assinatura de um acordo de exploração conjunta de petróleo com o Senegal que, segundo a Carta, deveria ser submetido ao Parlamento.

"Eu, como cidadão, acho que há motivos para depor Embaló de forma política, legal", diz. O contrato com o Senegal, inclusive, foi anulado pelo Parlamento, desencadeando a discussão sobre a possibilidade de processo para destituir o mandatário. "Nossos políticos não estão fazendo seu papel, porque tinham que ter uma posição mais presente em cobrar do presidente os desmandos à Constituição que ele tem feito."

Silva relata haver denúncias de raptos e espancamentos de opositores políticos, mas ressalta que o país tem uma longa história de golpes e que é preciso respeitar a Constituição para evitar que situações como essa se repitam.

O episódio desta quarta vem na esteira de uma série de golpes de Estado na África, com quatro concluídos no ano passado —em Chade, Mali, Guiné e Sudão— e um neste ano, em Burkina Fasso.

"É cada vez mais difícil argumentar contra a ideia de um contágio golpista", disse à agência de notícias Reuters Eric Humphrey-Smith, analista de risco na consultoria Verisk Maplecroft. "Quando somado aos golpes realizados com sucesso no último ano, não há dúvida de que líderes da África ocidental estão nervosamente desconfiados."

Só na Guiné-Bissau, ex-colônia portuguesa de cerca de 2 milhões de habitantes, já foram nove golpes militares ou tentativas desde a independência, em 1974 —o mais recente deles em 2012. Soma-se a esse histórico a corrupção endêmica no país, considerado um importante centro de tráfico de cocaína entre a América Latina e a Europa.

As Forças Armadas guineenses têm papel de destaque em nível sociopolítico —Embaló, por exemplo, é ex-general do Exército. Ele está no poder desde o início de 2020, mas o resultado da eleição que o alçou a chefe de Estado é considerado impugnado pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde), movimento político dominante desde a independência.

Com AFP e Reuters

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