Tribunal Penal Internacional emite mandado de prisão contra Vladimir Putin

TPI, baseado em Haia, acusa presidente da Rússia de ser responsável por crimes de guerra no conflito da Ucrânia

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O Tribunal Penal Internacional (TPI), baseado em Haia, emitiu nesta sexta-feira (17) um mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, acusando-o de ser o responsável por crimes de guerra cometidos na Guerra da Ucrânia.

Em comunicado, o TPI argumenta que Putin é o provável responsável pela deportação ilegal de crianças de áreas ocupadas pela Rússia na Ucrâniaporções no leste do país. A alta corte diz que o russo falhou em exercer controle adequado de seus subordinados civis e militares.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante evento em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante evento em Moscou - Mikhail Metzel - 16.mar.23/Sputnik via AFP

Além de Putin, o TPI também expediu um mandado de prisão para Maria Lvova-Belova, a comissária russa para os direitos das crianças. No caso dela, o tribunal sinaliza no comunicado público que a russa pode ter participado diretamente dos atos de deportação.

Os mandados correm em sigilo para proteger a privacidade das vítimas. Ainda que um desdobramento importante da guerra no Leste Europeu, porém, a ação do TPI tem pouca efetividade prática imediata.

Países como EUA, China, Rússia e mesmo a Ucrânia não são signatárias do Estatuto de Roma, fundador do TPI, ainda que a nação de Volodimir Zelenski tenha aceitado que o tribunal atue em seu território para realizar investigações. Já o Brasil é um dos signatários desde 2000.

"Podemos dizer que a ação tem efeito indeterminado", afirma Renan Teles, doutorando em direito internacional na USP. "A relevância está em dizer que existem condutas que não são admitidas, a ponto de que ninguém está imune a um processo de responsabilização. O TPI está determinando a prisão de um chefe de Estado em exercício, de um país de peso, membro nato do Conselho de Segurança da ONU."

Os países-membros do estatuto têm a obrigação de cooperar com qualquer ordem do tribunal do ponto de vista jurídico —o que inclui, portanto, uma ordem de prisão. Mas as nações para as quais Putin costuma viajar, em grande parte as da antiga órbita soviética, como a ditadura da Belarus, também não são membros do Estatuto de Roma.

A notícia dos mandados de prisão foi recebida como esperado nos países protagonistas da guerra. Por parte da Ucrânia, Zelenski disse que o número de crianças deportadas supera 16 mil. "Seria impossível fazer uma operação criminosa como essa sem a palavra do homem no comando desse Estado terrorista", disse, em referência acintosa a Putin.

O procurador-geral Andri Kostin disse que a decisão é histórica para seu país e para o sistema jurídico internacional. Já o chanceler Dmitro Kuleba afirmou que "as rodas da Justiça estão girando".

Do lado de Moscou, a porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova, afirmou que a decisão é insignificante. "Inclusive do ponto de vista jurídico, já que a Rússia não é parte do Estatuto de Roma e do TPI e não tem obrigação nenhuma com eles."

Pouco após essa declaração, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, falou em linha semelhante. Ele disse que as questões abordadas pelo TPI são "ultrajantes e inaceitáveis", mas, de todo modo, sem efeito.

Maria Lvova-Belova, por sua vez, alega que os argumentos do TPI apenas validam seu trabalho de proteção de crianças de seu país. Ela afirmou ainda que adotou uma criança ucraniana na cidade de Mariupol, parte do território da Ucrânia, mas reduzida a ruínas antes de ser ocupada por tropas de Putin.

O Estatuto de Roma e as Convenções de Genebra catalogam atos que, durante conflitos como o atual, configuram crimes de guerra. Deportar ou transferir de maneira forçada a população do território ocupado para outro lugar, como o TPI diz que a Rússia fez, é um deles.

Teles, da USP, explica que a acusação formalizada contra Putin é um dos pormenores do chamado crime de genocídio nas cortes internacionais. Segundo o TPI, ele se configura pela intenção de destruir, em partes ou integralmente, um grupo nacional, étnico, religioso ou racial; e isso pode ser feito de cinco formas diferentes —uma delas é transferir crianças de um grupo a outro de forma forçada.

O tribunal, porém, não acusa Putin de genocídio, o chamado "crime dos crimes internacionais" entre estudiosos da área, ainda que Kiev peça mais firmeza nesse sentido. "Provar que há intenção de destruir um grupo nacional, étnico, racial ou religioso é algo muito difícil", afirma o pesquisador.

Com poucas informações tornadas públicas pelo TPI, ainda estão nebulosos os próximos passos da investigação. A julgar pelos procedimentos padrões, a próxima etapa envolve um pré-julgamento, no qual os juízes decidem se há provas suficientes para levar o caso a tribunal após ouvir acusação e defesa.

Como demonstraram porta-vozes das instituições russas, porém, o país de Vladimir Putin não deve se manifestar judicialmente sobre o caso, o que deixa dúvidas sobre o desenrolar da investigação.

Criado em 2002, o Tribunal de Haia, como também é conhecido o TPI, condenou cinco pessoas, todas africanas, por crimes de guerra e contra a humanidade. Ao menos 38 mandados de prisão já foram expedidos pela corte —mas muitos dos alvos estão foragidos.

Putin é o terceiro líder em exercício a ter um mandado de prisão expedido pelo tribunal. Antes dele, o mesmo aconteceu com o hoje ex-ditador do Sudão Omar al-Bashir em 2009 —ele está foragido— e com o líbio Muammar Gaddafi em junho de 2011—o processo foi encerrado meses depois, quando ele morreu.

O TPI abriu uma investigação sobre situação na Ucrânia em março de 2022, poucos dias após o país ser invadido pela Rússia. O escopo do caso vai além da atual guerra e analisa possíveis crimes cometidos no país desde 2013.

Célere, a abertura da investigação surpreendeu especialistas da área. O movimento foi, afinal, um raro episódio de mobilização internacional —43 países pediram que a instituição organizasse uma missão para coletar evidências de crimes cometidos no conflito.

O britânico Karim Khan, procurador-geral do TPI, afirmou horas após o anúncio desta sexta que seu escritório colheu centenas de casos de crianças levadas por Moscou de orfanatos na Ucrânia. Ele disse que os mandados de prisão são apenas o "primeiro passo concreto". "Muitas dessas crianças, como observamos, já foram dadas para adoção na Rússia."

Os EUA, não signatários do Estatuto de Roma, disseram apoiar a responsabilização dos perpetradores de crimes de guerra, e o presidente Joe Biden afirmou que a decisão do TPI está bem embasada. Há poucas semanas, a vice-presidente Kamala Harris disse que, em investigação independente, Washington concluiu que a Rússia cometeu crimes contra a humanidade.

Os mandados de prisão foram anunciados poucas horas após Pequim e Moscou confirmarem que o líder da China, Xi Jinping, irá à Rússia na próxima semana para um encontro com Putin.

O TPI costuma receber de 500 a 900 requisições de investigações por ano, das quais mais de 90% são descartadas. E esta não é a primeira vez que Moscou está no centro do tribunal. Em 2016, o TPI abriu uma investigação sobre possíveis crimes de guerra e contra a humanidade cometidos na Geórgia de julho a outubro de 2008.

Naquele ano, o Exército russo interveio após tropas da Geórgia iniciarem uma operação militar na Ossétia do Sul, território separatista pró-Rússia. O TPI investigava possíveis crimes atribuídos a todas as partes no conflito. Três mandados de prisão foram emitidos —dois deles contra russos que atuavam no governo da Ossétia do Sul.

Mas, em dezembro, diante da crescente demanda do tribunal com a Guerra da Ucrânia, Karim Khan anunciou o fim das investigações sobre a tríade Geórgia-Rússia-Ossétia do Sul. Foi a primeira vez que um processo foi encerrado durante seu andamento nas duas décadas de história do Tribunal de Haia.


TPI já expediu ao menos 38 mandados de prisão; veja alguns

21 foram cumpridos, e seis foram retirados com a morte dos suspeitos

Sob custódia do tribunal

  • Abd-Al-Rahman (ano prisão: 2020; país de origem: Sudão)
  • Al-Hassan Ag Abdoul Aziz (2018; Mali)
  • Ahmad Al Faqi Al Mahdi* (2015; Mali)
  • Maxime Jeoffroy Gawaka (2022; República Centro-Africana)
  • Germain Katanga* (2007; República Democrática do Congo)
  • Thomas Lubanga Dylio* (2006; República Democrática do Congo)

Foragidos

  • Omar al-Bashir (ano expedição: 2009; país de origem: Sudão)
  • Saif Al-Islam Gaddafi (2011; Líbia)
  • Ahmad Harun (2007; Sudão)
  • Abdel Raheem Muhammad Hussein (2012; Sudão)

* Além de presos, foram condenados pelo TPI


Com Reuters

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