Bloco de granito em cemitério da Suíça escondia monumento nazista

Origem de monólito havia muito esquecido no centro de cidade no país gera polêmica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Imogen Foulkes
Chur (Suíça) | BBC News Brasil

Durante décadas, um bloco monolítico de granito no meio do cemitério da cidade de Chur, na Suíça, foi ignorado por transeuntes. Ninguém parecia saber exatamente o que ele significava. Mas o monumento de pedra de 13 toneladas que supera a altura das lápides próximas agora causa polêmica e constrangimento.

bloco de granito
Bloco monolítico de granito no meio do cemitério da cidade de Chur, na Suíça - BBC

Porque a pesquisa de uma jornalista local revelou ligações do bloco com a Alemanha nazista e as estranhas relações de uma Suíça supostamente neutra com seus vizinhos durante a Segunda Guerra.

O cemitério fica no centro da cidade, localizada a cerca de 120 quilômetros de Zurique. Muitas pessoas passam pelo local todos os dias a caminho do trabalho ou para fazer compras. Hoje, o monumento de granito está abandonado e coberto de musgo. As gravuras em sua superfície são difíceis de discernir.

"À primeira vista, parece um memorial de guerra", diz a jornalista Stefanie Hablützel, uma dos habitantes que passam quase diariamente pelo monumento, apontando algumas inscrições tênues: "1914—1918: Hier ruhen deutsche Soldaten", ou "1914—1918: Aqui jazem soldados alemães", em português.

bloco de granito
Bloco monolítico de granito no meio do cemitério da cidade de Chur, na Suíça - BBC

Mas por que soldados alemães estariam enterrados ali?

É verdade que milhares de prisioneiros de guerra feridos vindos da França, do Reino Unido e da Alemanha foram internados e tratados na Suíça durante a Primeira Guerra Mundial. Alguns morreram devido a ferimentos, outros durante a pandemia de gripe espanhola em 1918.

A questão é que o monumento de Chur só foi construído em 1938. "Isso foi 20 anos depois que esses homens morreram", calcula Hablützel. "Portanto, ele não foi feito para lamentar esses soldados mortos. Ele foi construído por razões de propaganda, para o regime nazista."

O historiador suíço Martin Bucher diz que, à medida que os nazistas aumentavam seu poder na Alemanha, uma das estratégias de propaganda passou a envolver a adoração de mortos de guerra, como num culto.

homem branco de óculos lendo livro
O historiador suíço Martin Bucher - BBC

Nos anos 1930, a Comissão Alemã de Túmulos de Guerra tornou-se parte da máquina de propaganda de Hitler. A tarefa da entidade era criar sinais visíveis do nazismos nos vizinhos da Alemanha, bem como em seu próprio território. Milhares de alemães nazistas viviam na Suíça na época e, de acordo com Martin, eram bastante organizados. "Todas as organizações alemãs conhecidas deste período também existiam na Suíça. O Partido Nacional-Socialista, a Frente Trabalhista Alemã, a Juventude Hitlerista. Eles estavam todos aqui, mas apenas para os alemães, não para o povo suíço."

A Comissão de Túmulos de Guerra da Alemanha apresentou planos ambiciosos para construir um vasto mausoléu na cidade de St. Gallen. À época, o projeto foi rejeitado pelas autoridades suíças. O monumento em Chur foi, porém, aprovado. Polido e gravado em Munique utilizando a fonte Fraktur, estilo em voga na Alemanha nazista dos anos 1930, o monolito foi entregue a Chur na véspera da Segunda Guerra Mundial.

Naquele momento, os residentes deviam saber do que se tratava, insiste Martin. "Nos feriados nazistas, colocavam suásticas neste local. As pessoas teriam notado portanto que era um monumento nazista."

Hablützel afirma que há registros de que alguns cidadãos locais eram contrários ao monumento. A jornalista, que contou a história na emissora pública de rádio suíça SRG, descobriu uma carta indignada enviada a um jornal local em 1938: "Por que temos uma pedra nazista em nosso cemitério?".

Há ampla documentação sobre a existência de simpatizantes do nazismo no cantão de Graubünden, do qual Chur é a capital. Mas os partidos fascistas suíços nunca realmente decolaram. Obtiveram apenas duas cadeiras no Parlamento do país, em 1935 —e não conquistaram grandes avanços dali em diante.

Embora a Suíça ainda não tenha um memorial oficial do Holocausto, em março de 2022 foram aprovados planos para criar um espaço do tipo. Existem, porém, cerca de 50 monumentos não oficiais dedicados ao tema. Na guerra, os alemães no país seguiram ativos no Partido Nazista. E os suíços, que esperavam ficar longe do conflito, fizeram concessões a Berlim ao aceitar ouro nazista e rejeitar refugiados judeus.

Então, apenas um dia depois do fim da guerra, a Suíça neutra saiu de cima do muro. "Houve um grande expurgo", afirma Martin. "O governo tentou julgar os nazistas suíços e puni-los." Já os nazistas alemães foram expulsos. "Depois disso, muitas pessoas pensaram que tudo havia acabado e que os nazistas tinham ido embora pacificamente", diz o historiador. "Acho que eles se esqueceram deste monumento."

O esquecimento coletivo era tão profundo que, nos dias atuais, descobertas como a de Hablützel —ocorridas décadas depois do fim da guerra— são uma verdadeira revelação. "Cresci em Chur e não tinha ideia de quantas organizações nazistas estavam presentes aqui na década de 1930", conta a jornalista.

Até o parlamentar local Jon Pult foi pego de surpresa. "A Suíça não era livre dos nazistas, e eu sabia disso. Mas não sabia desse monumento. Moro a cerca de 500 metros do cemitério onde esta pedra está e passei por ela provavelmente uma centena de vezes. Nunca percebi que se tratava de um monumento nazista."

O que deve acontecer a partir de agora? Apesar de certo constrangimento diante da descoberta, pouquíssimas pessoas sugeriram demolir o monumento. Uma parcela ainda menor defende mantê-lo como se nada tivesse acontecido, de acordo com Hablützel.

Em vez disso, um consenso parece estar se formando em torno de uma proposta para reexaminar e divulgar esse período da história do país —algo semelhante ao pedido de desculpas público da Suíça por seu tratamento aos refugiados judeus durante a guerra. "[O monumento] deveria ficar em Chur. Mas seria importante dizer às pessoas por que ele está ali", diz Martin. "Talvez ele possa virar um monumento em homenagem a todas as pessoas que morreram na Segunda Guerra Mundial."

Pult, o parlamentar, afirma que a Suíça deveria "criar um memorial" a partir do monumento "para lembrar os crimes horríveis dos nazistas". Ele acrescenta que o bloco de granito e as informações escritas ali precisam servir de alerta. "Devemos criar uma cultura de conhecimento sobre esses fatos, porque sempre existe o perigo de ideologias fascistas e totalitárias irromperem, como vemos agora na Rússia."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.