Descrição de chapéu América Latina

Após tensão e com 9 horas de atraso, Arévalo é empossado presidente da Guatemala

Disputas políticas provocam medo de ruptura democrática desde agosto, quando centro-esquerdista foi eleito

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Campinas e São Paulo

O sociólogo e ex-diplomata Bernardo Arévalo, 65, de centro-esquerda, enfim tomou posse como presidente da Guatemala na madrugada desta segunda-feira (15), após várias horas de tensão e temores de ruptura democrática. Ele deu início ao mandato cinco meses depois de ser eleito.

Arévalo e sua vice derrotaram, em agosto passado, a ex-primeira-dama Sandra Torres, que era considerada favorita. Desde então, o país na América Central viveu submerso em incertezas políticas que colocaram a cerimônia de posse marcada para este domingo (14) em xeque.

O novo presidente da Guatemala, Bernardo Arevalo, segura a mão de sua esposa, Lucrecia Peinado, durante sua cerimônia de posse no Centro Cultural Miguel Angel Asturias, na Cidade da Guatemala
O novo presidente da Guatemala, Bernardo Arevalo, segura a mão de sua esposa, Lucrecia Peinado, durante sua cerimônia de posse no Centro Cultural Miguel Angel Asturias, na Cidade da Guatemala - 15.jan.2024 - AFP

O agora presidente foi empossado somente durante a madrugada, cerca de nove horas depois do horário previsto —a cerimônia devia começar às 16h no horário local. O atraso se deu em razão de disputas políticas no Congresso guatemalteco e gerou tensão envolvendo participantes e convidados, entre os quais os presidentes Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia), além do rei da Espanha, Felipe 6º, e do chefe da diplomacia da União Europeia, o espanhol Josep Borrell.

O Brasil foi representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e pelo diplomata Benoni Belli, escolhido pelo governo Lula (PT) para representar o país na OEA (Organização dos Estados Americanos), que enviou uma pequena delegação à posse também em mensagem de apoio ao rito democrático.

O impasse se deu em decorrência de uma decisão judicial que determinou que os legisladores do Semilla, o partido de Arévalo, assumissem seus cargos como independentes, não sob o signo da legenda, suspensa pela Justiça em agosto do ano passado.

Apesar de serem minoria parlamentar, os deputados do Semilla conseguiram, após debates acalorados e pressão internacional, angariar o apoio de outras legendas para reverter a decisão contra eles. Além de recuperar a bancada, a legenda conquistou a presidência do novo Congresso.

A incerteza em torno da posse de Arévalo fez com que representantes dos Estados Unidos, da União Europeia, da OEA e presidentes latino-americanos presentes na Guatemala instassem o Congresso a cumprir a vontade expressa pelos guatemaltecos nas urnas.

A espera foi tão longa que alguns dos convidados, como o rei Felipe 6º da Espanha, deixaram a Guatemala sem ver Arévalo com a faixa presidencial.

Após o imbróglio, Arévalo fez seu primeiro discurso como presidente. Nele, prometeu não promover agendas políticas "por meio da violência". Também disse que não permitirá corrupção. A Guatemala ocupa o 30º lugar entre 180 países no ranking de corrupção da Transparência Internacional e tem 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, um dos índices mais altos da América Latina.

A situação leva um número cada vez maior de guatemaltecos a deixarem o país, e o destino de muitos são os EUA. Desde 2020, eles foram a segunda nacionalidade que mais tentaram cruzar a fronteira do país com o México, correspondendo a 12% dos migrantes ali encontrados pela Patrulha da Fronteira americana. Somente no último ano fiscal (de outubro de 2022 a setembro de 2023), foram mais de 213 mil cidadãos da Guatemala detidos.

"A crise política da qual estamos saindo nos oferece a oportunidade única de construir uma institucionalidade democrática robusta e saudável sobre os escombros desse muro de corrupção que estamos começando a derrubar, tijolo por tijolo", disse Arévalo na cerimônia.

Apoiador de Bernardo Arévalo entra em confronto com a polícia durante uma manifestação em frente ao Congresso
Apoiador de Bernardo Arévalo entra em confronto com a polícia durante uma manifestação em frente ao Congresso - Martin Bernetti/AFP

A tensão política, contudo, permanece mesmo após a posse. Arévalo disse que pedirá nos próximos dias a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras, que liderou a ofensiva judicial contra ele e é alvo de sanções de Washington por "corrupção" e por "minar a democracia". Nos últimos meses, o órgão que ela comanda tentou retirar a imunidade do presidente eleito, dissolver seu partido e anular o pleito, argumentando que houve "anomalias eleitorais".

Vítima de perseguição jurídica que tentou cassar sua eleição nos últimos meses, Arévalo tampouco terá missão fácil à frente da Presidência da Guatemala. Isso porque, apesar de sua vitória representativa, com 58% dos votos, seu partido conseguiu apenas 23 das 160 cadeiras do Legislativo unicameral.

A legenda conservadora Vamos, do agora ex-presidente direitista Alejandro Giammattei, e a UNE (Unidade Nacional de Esperança), da ex-primeira-dama Sandra Torres, podem assim barganhar juntas vitórias e atrapalhar os planos do governo. Arévalo fica à frente do país até 2028, quando um novo pleito deve ser realizado.

Arévalo substitui Giammattei, acusado de manter vínculos com a "elite corrupta" —em seu governo, dezenas de promotores, juízes e jornalistas que denunciaram atos de corrupção foram exilados.

Com bandeiras, músicas e danças, milhares de apoiadores do novo líder celebraram a posse na praça da Constituição, em frente ao Palácio Nacional. Após a cerimônia, Arévalo foi a um comício com centenas de indígenas para agradecer pelo apoio. "Vamos trabalhar para acabar com a história de marginalização e exclusão", disse.

Mais eventos oficiais se seguiram na manhã da segunda, como uma missa na Catedral Metropolitana e uma cerimônia em que o Exército guatemalteco jurou obediência ao presidente empossado. O ministro da Defesa, Henry David Sáenz Ramos, descreveu a ocasião como um "momento especial em que o Exército, as forças de segurança e o povo da Guatemala celebram a democracia" e disse esperar que ele se repetisse diariamente no país segundo relato da imprensa local.

Ainda nesta segunda, o presidente dos EUA, Joe Biden, felicitou Arévalo e descreveu sua posse como "um testemunho do nosso compromisso partilhado com a democracia e a vontade do povo".

"Espero continuar a forte parceria entre as nossas nações à medida que avançamos nos direitos humanos, fortalecemos a segurança civil, combatemos a corrupção, abordamos as causas profundas da migração e expandimos as oportunidades econômicas para a população do nosso hemisfério e de todo o mundo", acrescentou o americano em comunicado da Casa Branca.


O imbróglio pós-eleições na Guatemala

25.jun.23 Arévalo surpreende e vai ao 2º junto com Sandra Torres

2.jul.23 Suprema Corte pede anulação dos resultados do 1º turno por suspeitas de irregularidade, mas TSE confirma que haverá 2º turno

12.jul.23 Tribunal ordena suspensão do Semilla, partido de Arévalo; Supremo reverte a decisão mas depois recua

20.ago.23 Surpresa no 1º turno, Arévalo é eleito presidente

25.ago.23 Líder eleito diz ser alvo de plano de assassinato

14.set.23 Arévalo interrompe transição após procuradores abrirem caixas de votação

16.nov.23 Ministério Público afirma que vai pedir a retirada da imunidade do presidente eleito

14.jan.24 Arévalo tenta tomar posse, mas cerimônia é atrasada em meio a manifestações

15.jan.24 Presidente eleito toma posse com nove horas de atraso

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.