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O que dizem emails revelados pela BBC sobre escândalo da 'entrevista do século' com princesa Diana

Em 2021, emissora teve de pedir desculpas por métodos utilizados pelo jornalista Martin Bashir para obter encontro

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Steven McIntosh
BBC News Brasil

Em 1995, a princesa Diana deu o que ficou conhecido como "a entrevista do século" à BBC. Foi a primeira vez que uma pessoa da realeza britânica falou em público abertamente sobre a intimidade da família real.

Mas o episódio também levou a BBC a pedir desculpas em 2021, na sequência de uma investigação que concluiu que o jornalista que a entrevistou, Martin Bashir, agiu de forma "enganosa" para chegar à princesa.

Entrevista da BBC com princesa Diana foi considerada grande furo, mas anos mais tarde a empresa teve de pedir desculpas pelos métodos utilizados para conseguir a exclusiva - BBC

A BBC publicou recentemente cerca de 3.000 emails vinculados à entrevista, na sequência de um pedido feito por meio da lei de liberdade de informação —por meio da qual se pode solicitar acesso a documentações registradas e mantidas por autoridades públicas.

Os emails mostram que Bashir culpou uma suposta competição profissional pela polêmica em torno da entrevista. Além disso, o jornalista pensava que a sua classe e origem influenciaram o escândalo. Esses comentários foram escritos em 2020, antes da exibição de vários documentários sobre a entrevista.

'Inveja dentro da BBC'

A investigação da BBC em 2021 chegou à conclusão de que Bashir obteve a entrevista por meio de fraude e usando documentos falsos.

A Justiça ordenou a divulgação dos últimos emails depois que o jornalista investigativo Andy Webb pediu acesso aos documentos.

Martin Bashir voltou à BBC em 2016 e pediu demissão pouco antes da divulgação da investigação que o condenou, em 2021 - Getty Images

Webb alega que os gestores da BBC tentaram, em 2020, encobrir as ações de Bashir de 1995. A BBC respondeu que quaisquer insinuações de que agiu de má-fé eram "simplesmente erradas".

Num email datado de 20 de julho de 2020, Bashir disse ao seu superior na BBC, Robert Seatter, que documentos falsos não tiveram qualquer relação com a obtenção da entrevista, e que ela não teria causado tanta controvérsia se um jornalista de uma família tradicional da imprensa britânica, como um dos Dimblebys, estivesse envolvido nela.

Vários dos Dimblebys foram jornalistas de meios de comunicação renomados do Reino Unido, como a própria BBC ou o jornal The Sunday Telegraph.

Bashir escreveu o seguinte: "Lamento saber que esta suposta história de 'fraude' ressurgiu. Ela não teve nada a ver com a entrevista [com Diana], mas permitiu que profissionais invejosos, especialmente dentro da empresa [a BBC], associassem-na a supostas irregularidades".

"Naquele momento, era também evidente que havia uma certa irritação com o fato de que um imigrante de segunda geração, de raízes não brancas, oriundo da classe trabalhadora, teve a ousadia de entrar num palácio real e fazer uma entrevista. Teria sido tão mais simples se uma das famílias dinásticas (como Dimbleby e companhia) tivessem feito o mesmo!", completou.

Princesa Diana, seus filhos Harry e William e seu marido na época, o então príncipe Charles; entrevista de Diana revelou abertamente vários detalhes sobre a vida da família real britânica - Getty Images

Bashir também disse a Seatter que a equipe do então príncipe de Gales —hoje rei Charles 3º— agradeceu a ele por não dar entrevistas sobre o programa Panorama, da BBC, no qual a conversa foi transmitida.

A respeito disso, Bashir escreveu: "Desde que voltei ao Reino Unido, em 2015, e à BBC, em 2016, funcionários veteranos do gabinete do príncipe de Gales expressaram (para a minha surpresa) gratidão por eu ter recusado todos os pedidos para discutir a entrevista. Como tenho certeza de que você entende, as palavras da falecida princesa foram utilizadas para atacar membros vivos da família real, especialmente o príncipe de Gales, o que nunca foi minha intenção."

Bashir pediu demissão do cargo de editor de religião da BBC pouco antes da publicação do relatório condenatório do inquérito, que também criticou a empresa pela forma como lidou com as acusações sobre as suas táticas.

'Acobertamento'

Webb diz que os emails da BBC mostram que a empresa estava retendo evidências importantes sobre a investigação interna relativa à entrevista.

Num dos emails, datado de 19 de outubro de 2019, um advogado disse ao antigo editor do Panorama que a BBC "não estava divulgando todos os documentos internos sobre a investigação" naquele momento.

Depois que os emails foram publicados, Webb disse: "A BBC admite claramente que os documentos estavam sendo retidos. Na minha opinião, isso é um acobertamento". "E é óbvio, mesmo à primeira vista, que este material é altamente relevante, embora a BBC tenha garantido ao juiz que era completamente irrelevante."

Webb disse que os emails são tão claros que seria preciso haver outra contestação judicial.

"Ao longo desse processo, levamos muito a sério a nossa responsabilidade de cumprir as instruções do tribunal", afirmou a BBC. "Suprimimos trechos, sempre que necessário, de acordo com a Lei de Acesso à Informação. Não há nada que justifique acusações de que a BBC agiu de má-fé em 2020, e sustentamos que esta inferência é simplesmente incorreta", acrescentou a empresa.

"Como já foi dito muitas vezes, longe de tentar ocultar ou encobrir os assuntos, a BBC encarregou o lorde Dyson de realizar uma investigação independente e forneceu toda a documentação relevante em sua posse", continuou a BBC.

"Outras pessoas envolvidas nesses acontecimentos também forneceram ao lorde Dyson materiais escritos, como detalham no relatório. Isso foi publicado em 2021, e as conclusões foram aceitas na íntegra pela BBC."

Em 2021, Webb pediu emails internos da BBC sobre Bashir trocados durante um período de dois meses em 2020.

A BBC apresentou várias mensagens, mas mais tarde revelou-se que os emails totalizavam 3.288. A empresa disse que eles continham informações "irrelevantes" ou "legalmente privilegiadas".

'Graves preocupações'

No entanto, em dezembro, o juiz Brian Kennedy ordenou à BBC que divulgasse os emails, dizendo que a empresa tinha sido "inconsistente, errônea e pouco fiel" na forma como respondeu ao pedido inicial.

Kennedy acrescentou que a resposta da BBC "causou graves preocupações".

Fachada do edifício BBC Broadcasting House, em Londres - Getty Images

Num comunicado na época, a BBC admitiu seus erros, acrescentando que também pediu desculpas a Webb e ao tribunal.

De acordo com um pedido separado de acesso a informação, a BBC gastou £ 126.525 (R$ 794 mil), sem incluir impostos sobre o valor, para contestar a ordem de divulgação dos emails.

Webb disse acreditar que sua publicação era de interesse público e mostraria evidências de que líderes da BBC tentaram "elaborar uma estratégia para encobrir completamente o que podemos chamar de escândalo Bashir".

Era "absurdo" que a BBC tivesse gasto tanto tempo e dinheiro tentando impedir a divulgação deles, disse ele.

"E as pessoas que aprovaram os pagamentos dos advogados precisam responder sobre isso."

O irmão da princesa Diana, o conde Charles Spencer, que apoiou a investigação de Webb, disse que a integridade das pessoas dentro da emissora estava em jogo.

"As pessoas da BBC responsáveis por isso esconderam-se atrás de advogados caros, num momento em que a BBC, esta grande instituição nacional e internacional, está fazendo cortes. Isso é obsceno", disse ele à BBC Radio 4 em dezembro de 2023.

'Criando uma história'

Spencer também disse que entrou em contato com a administração da BBC em 2020 e foi informado de que não poderia falar com Bashir porque ele estava muito doente.

"Minha suspeita é que eles estavam bolando um esquema para que ele não estivesse disponível durante um período de interesse acerca da entrevista de Diana", disse Spencer.

Charles Spencer, irmão da princesa Diana, criticou a imprensa britânica pela cobertura da vida dela - Getty Images

A saída de Bashir da BBC ocorreu depois de questionamentos sobre como ele conseguiu a entrevista com Diana, que foi vista por mais de 20 milhões de pessoas e foi considerada um grande furo da BBC na época.

O documentário de Webb examinando os métodos de Bashir foi exibido em outubro de 2020. No dia seguinte, descobriu-se que Bashir estava doente, em decorrência de complicações de Covid-19.

Um mês depois, o ex-juiz John Dyson foi nomeado para liderar uma investigação independente sobre a entrevista e como ela foi obtida.

A investigação foi publicada em maio de 2021 e atestou que Bashir usou métodos fraudulentos para garantir a entrevista e depois mentiu sobre isso para os gestores da BBC.

Dyson descobriu que Bashir enganou o irmão de Diana ao mostrar extratos bancários falsificados para ele, insinuando que a princesa estava sendo vigiada por pessoas contratadas.

A investigação aponta que Bashir mentiu quando disse aos funcionários da BBC que não havia mostrado os documentos falsos a ninguém.

O relatório diz que Bashir "mentiu e manteve a mentira até perceber que já não era sustentável". "Esse foi um comportamento altamente repreensível que lança dúvidas consideráveis sobre a sua credibilidade em geral."

Bashir já havia se desculpado por falsificar os documentos, mas disse que continuava "imensamente orgulhoso" da entrevista.

"Os extratos bancários não tiveram qualquer influência na decisão pessoal da princesa Diana de dar a entrevista", afirmou.

O serviço de notícias da BBC tem independência editorial ao fazer reportagens sobre a BBC como uma empresa.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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