Brasil pode ganhar com fim dos controles cambiais na Argentina, diz chanceler

Diana Mondino, que vai a Brasília e São Paulo para 1ª encontro bilateral sob Milei, diz à Folha que Mercosul deve seguir com acordos em bloco e espera encontro de presidentes em breve

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A ministra das Relações Exteriores da Argentina, Diana Mondino, durante evento no Palácio San Martin, em Buenos Aires

A ministra das Relações Exteriores da Argentina, Diana Mondino, durante evento no Palácio San Martin, em Buenos Aires Agustin Marcarian - 19.fev.24/Reuters

Buenos Aires

Na primeira ida ao Brasil, ainda não empossada, a chanceler da Argentina, Diana Mondino, fez uma visita-relâmpago, com roupas informais, e foi recebida em um domingo no Itamaraty.

Era novembro e o presidente Javier Milei não havia iniciado seu mandato, mas enviou a chefe da diplomacia para apaziguar as relações.

Desta vez, Mondino desembarca em Brasília neste domingo (14) para uma agenda na segunda (15) na capital e em São Paulo na terça (16) e quarta (17). O encontro com seu homólogo brasileiro, Mauro Vieira, será o primeiro bilateral dos países desde o início do governo Milei.

A chanceler argentina, Diana Mondino, ao lado do presidente do país, Javier Milei
A chanceler argentina, Diana Mondino, ao lado do presidente do país, Javier Milei - Divulgação/Ministério das Relações Exteriores da Argentina

Na sede da chancelaria em Buenos Aires, Mondino, 65, falou à Folha sobre a prioridade da relação, a integração regional, as mudanças climáticas e também os atritos entre autoridades brasileiras e Elon Musk, proprietário da rede social X e com quem Milei se encontrou nos Estados Unidos nesta sexta-feira (12). O argentino ofereceu "colaboração" a Musk na questão com o Brasil.

A economista afirmou que o Brasil é o país que mais rápido pode se beneficiar do desmonte dos controles cambiais, o chamado "cepo", que a gestão Milei promete colocar em prática neste ano. Disse que não tem relação com o bolsonarismo, que o Mercosul deve seguir selando acordos em bloco e que a Argentina tem planos para a crise climática.

Qual o objetivo de sua visita ao Brasil, a primeira bilateral sob o governo Milei?
Um duplo objetivo. Teremos uma agenda política e diplomática em Brasília, no primeiro dia, onde estarei com o chanceler [Mauro Vieira] e algumas outras sobre temas mais técnicos de relações comerciais. Depois estarei em São Paulo falando com a comunidade empresarial, contando quais são as perspectivas e os projetos argentinos.

Qual mensagem será transmitida ao governo brasileiro?
Que temos de continuar trabalhando juntos. Brasil e Argentina têm trabalhado juntos, com altos e baixos, ao longo de décadas, e queremos que a relação seja a melhor possível e, acima de tudo, ter em mente que o mundo mudou e que precisamos agilizar as tomadas de decisão.

Poderia descrever essa mudança geopolítica e o que muda na relação Argentina-Brasil?
Começo pelo final. Não acredito que precisamos mudar nada, mas sim aprofundar todas as coisas que já temos. Desde a queda do muro de Berlim os países começaram a se integrar muito mais. Temos também nos últimos dois anos crises como a da Rússia com a Ucrânia, mais recentemente o caso da Faixa de Gaza, a enorme presença que a China tem na economia mundial. É preciso ter em mente que Argentina e Brasil têm interesses semelhantes e podem colaborar. Claro, sempre vamos competir em alguma coisa, mas o interesse é semelhante.

O presidente Milei tem falado em "nova doutrina de política externa". O que é essa doutrina?
Queremos ser um jogador ativo no mundo. Não queremos continuar isolados, lastimando, indo e pedindo dinheiro. Queremos ser um ator responsável por nós mesmos no mundo.

Podemos ter expectativa de algum encontro dos presidentes Lula e Milei em breve?
Esperamos que sim, em breve.

No ano passado, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi recebido com honras de presidente na posse de Milei. Qual contato este governo tem com Bolsonaro e seus aliados? Com quem o governo dialoga mais, com o bolsonarismo ou com o governo Lula?
Eu não tenho nenhuma relação atual com o bolsonarismo. De fato conheci o senhor presidente quando veio em 10 de dezembro, assim como conhecemos outras 80 pessoas. A relação oficial é com o governo atual e, quando mudar, seja qual for o próximo, continuará sendo isso.

Pensar que a política de um país muda completamente dependendo da simpatia que você tem ou não por uma pessoa é efêmero. Por definição, os presidentes duram pouco tempo, e as relações entre países são muito mais duradouras.

Qual a prioridade da relação com o Brasil hoje?
Tudo o que é comércio exterior. Devido às medidas que a Argentina havia tomado em relação aos controles cambiais durante vários anos, tornou-se muito difícil para as empresas brasileiras colocarem seus produtos na Argentina, e, por sua vez, a Argentina tem se fechado e exporta cada vez menos. O comércio entre os dois países tem diminuído. Segue sendo o principal parceiro comercial, mas, em termos relativos, é menor.

Quais são os planos?
Estamos abrindo a economia o mais rápido possível. Em muitos casos, os principais fornecedores alternativos são do Brasil, então é provável que o Brasil seja o país que mais rapidamente se beneficie dessa abertura econômica. Não depende do governo, o governo estabelece regras claras para todos, e haverá empresas brasileiras que estão mais próximas da Argentina e entendem melhor o que está acontecendo e que provavelmente se integrarão mais rapidamente ao nosso mercado do que uma empresa que esteja, por exemplo, na Europa.

A visita, então, quer passar uma mensagem ao empresariado.
Sim, a mensagem de que a Argentina está fazendo muitas reformas para melhorar rapidamente a situação econômica e social e que será um excelente parceiro comercial para comprar e vender. O controle cambial [o chamado "cepo", um emaranhado de regras que restringem importações na Argentina e que Milei promete derrubar neste ano] não é um assunto fácil, mas as restrições ao acesso a capitais, quem pode comprar em que condições e as permissões para importar estão sendo resolvidas o mais rápido possível. São todas desregulamentações que o Banco Central está fazendo, retirando camadas de regulamentação.

O tema do gás de Vaca Muerta é muito importante para ambos. Há alguma expectativa de acordo com a Bolívia para o gás passar por lá?
Vaca Muerta tem uma enorme capacidade de produção. O setor industrial do sul do Brasil tem uma enorme necessidade de gás. Na medida em que a Bolívia tem menos reservas disponíveis no momento, esperamos que a Argentina possa ser o fornecedor substituto. Precisamos desenvolver nosso gás primeiro para que possa chegar até lá. É algo que está em processo. Obviamente gera muita ansiedade, e todos gostariam que fosse amanhã, mas estamos falando de anos.

Quais os planos da Argentina para o Mercosul? A prioridade é tornar as negociações mais dinâmicas?
Todos queremos isso. Concordamos em uma forma de trabalhar de maneira mais ágil, na qual um país pode liderar uma negociação e depois compartilhar conosco, em vez de esperar que em todas as reuniões estejamos todos presentes para que todos os casos avancem.

E a proposta uruguaia de selar os acordos por fora do bloco?
A ideia do Mercosul é tentar fazê-lo como bloco. Nós preferiríamos, pelo menos por ora, que pudéssemos fazê-lo de forma conjunta, porque a capacidade de negociação que se tem indo como quatro países é totalmente diferente do que se fazendo sozinho. A situação do Uruguai é a de um país pequeno que diz "olha, eu preciso trabalhar muito mais rápido nisso, quero avançar". Eles têm uma postura, mas é preciso considerar qual é o seu tamanho relativo. Nós dizemos: se formos todos juntos, temos mais capacidade de resposta.

A integração regional é um tema importante para o governo brasileiro. Mas nas últimas semanas tivemos inúmeras desavenças, como entre Argentina e Colômbia, ou Equador e México.
A integração regional é cada vez mais importante. É fato que na América Latina temos perspectivas bastante diferentes, mas isso não impede que mantenhamos as relações com as comunidades. Você mencionou a Colômbia e, de fato, houve uma questão. Mas a melhor prova de que não há um problema de relações é que fizemos um comunicado conjunto e não há nenhuma dificuldade com nossa embaixada. Na verdade, já está indo um novo embaixador.

Eu estarei visitando a Colômbia imediatamente após o Brasil. As personalidades sempre existirão, mas o barco segue. O Itamaraty neste sentido não se move muito, e esperamos que a Argentina comece a ter um comportamento semelhante ao Itamaraty no sentido de manter uma postura ao longo do tempo.

Mas Milei fez críticas duras a Gustavo Petro e vice-versa. Isso causa um dano para a política regional?
Eu preferiria que não existissem esses comentários, mas bem, eles existem. Mas é bom que cada um diga o que pensa. Em um mundo civilizado, você tem que confiar na honestidade da pessoa do outro lado que te diz o que pensa. Se não concorda, poderá responder. E, se concorda, melhor. Mas não se pode ocultar o que se pensa.

Aliados da opositora venezuelana María Corina Machado estão na embaixada argentina em Caracas. Eles virão a Buenos Aires como asilados políticos?
Neste momento, há seis pessoas refugiadas na embaixada argentina que ainda não têm o salvo-conduto para sair da Venezuela. Quando houver isso, terão que vir para a Argentina.

Mas há alguma expectativa de liberação? Como estão as negociações?
Não há uma pressão importante sobre eles por parte da Venezuela, e entendemos que o regime tem questões políticas eleitorais agora e que está tentando proteger essa imagem.

A sra. acredita que as eleições na Venezuela serão legítimas?
Os argentinos foram claros, e muitos outros países manifestaram sua forte preocupação sobre como as eleições estão sendo organizadas. Uma eleição na qual alguns candidatos não podem participar gera preocupação. O presidente Lula também manifestou isso.

No mesmo dia em que o atrito entre Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes dominava o noticiário, a sra. disse no X que a Argentina sempre estará disponível com suas embaixadas para receber perseguidos políticos da região...
Mas como pode ser conflituoso dizer isso?

A sra. não mencionou ninguém, mas foi um pouco depois de Musk dizer que funcionários do X no Brasil eram perseguidos.
Mas nesse dia tivemos várias coisas pelas quais a Argentina se posiciona firmemente na defesa da liberdade. Temos um tema ideológico muito forte e defendemos a liberdade de expressão. Temos pessoas refugiadas na Venezuela e, nesse mesmo dia, estava sendo estudado o tema do conflito entre Equador e México.

Então não tinha a ver com Musk e Brasil?
É genérico. Na verdade, Elon Musk curtiu [essa minha publicação; risos]. O que penso sobre Elon Musk e o Brasil? Eu desconheço os antecedentes legais que possa haver. Apenas tive a versão que se vê no Twitter [antigo nome do X] e, na verdade, me pareceria terrível se fosse verdade que estão cerceando a capacidade de expressão das pessoas.

Temos eleições nos EUA em novembro. O governo da Argentina torce por Donald Trump?
O governo da Argentina nunca vai interferir nas relações, nas votações ou na política interna de outro país.

A Argentina tem planos de combate às mudanças climáticas?
Claro. Na verdade, a Argentina faz parte da solução, porque tem uma gigantesca capacidade de absorção de carbono nas terras argentinas. Poderíamos ampliar consideravelmente nossa superfície de pastagens, que têm uma enorme absorção de carbono, pois o enterram através das raízes. E é muito mais rápido e eficaz do que, por exemplo, plantar uma floresta. A Argentina tem a capacidade de ser um gigantesco pulmão de fotossíntese. Fazemos parte da solução no mundo.

O porta-voz de Milei, Manuel Adorni, me disse apenas que essa não é uma prioridade. É?
Quase toda a América Latina tem um pacto em que dizemos "não podemos reduzir nossas emissões no mesmo ritmo que se espera em outros países porque já estamos em um nível muito baixo, não podem nos pedir para reduzir o que nunca geramos". Isso é muito importante.

Não se pode considerar apenas o que emitimos, mas também o que absorvemos. O que estamos dizendo na América Latina é: ei, as mesmas regras para todos. Há um desconhecimento muito importante ao considerar que apenas a transição energética é a solução para deixar de usar hidrocarbonetos, quando também existem outras soluções rápidas, fáceis, eficazes e baratas, como a fotossíntese.


Raio-X | Diana Mondino, 65

Natural de Córdoba, é economista. Atuou em conselhos de diversas empresas e na consultoria de risco Standard & Poor's (S&P). Por quase duas décadas, lecionou na Universidade Cema, ligada ao Centro de Estudos Macroeconômicos da Argentina, think-tank fundado na década de 1970 por egressos da Universidade de Chicago. Foi eleita deputada e é chanceler do governo Milei.

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