Descrição de chapéu BBC News Brasil Guerra da Ucrânia

Por que, numa guerra moderna, com mísseis e drones, a Rússia ainda usa código Morse?

Mensagens estão sendo enviadas por equipes de bombardeio da Rússia diretamente para centros de controle

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Tony Ingesson
The Conversation* | BBC News Brasil

Guerras modernas dispõem, atualmente, de diversas opções de equipamentos com tecnologia de ponta, de IA a drones e mísseis hipersônicos. Mas o código Morse, com mais de um século de história, segue provando seu valor.

Os fluxos de toques que seriam instantaneamente reconhecíveis para um ferroviário há mais de 150 anos estão sendo usados pelos militares russos na Guerra da Ucrânia.

Soldado russo dispara arma de fogo à noite
Embora hoje existam meios digitais de comunicação mais eficientes, nada é capaz de rivalizar com a combinação insuperável de simplicidade e eficiência do código Morse - Getty Images via BBC

Ainda hoje muitas pessoas seriam capazes de identificar o som característico do código Morse, em particular, o padrão amplamente conhecido de três curtos, três longos, três curtos (... - - - ...), que forma o alerta de emergência SOS.

E mensagens de código Morse estão sendo enviadas por equipes de bombardeio russas diretamente para para seus centros de controle, ou de navios da Frota do Báltico para a base em solo firme.

As bandas de ondas curtas usadas pelos entusiastas de rádio amador são igualmente preenchidas com os bipes conhecidos pelos entusiastas como dits (.) e dahs (-), ou como pontos e traços pelo público em geral. Até mesmo os espiões ainda sintonizam as bandas de ondas curtas para ouvir estações clandestinas que transmitem em código Morse.

Inventado nos anos 1800

Mas por que uma tecnologia criada na primeira metade do século 19 segue em uso? Primeiro, o código Morse foi imaginado não por um engenheiro ou mágico tecnológico, mas por um homem que vivia de pintar retratos.

Samuel Morse foi quem projetou o que hoje chamamos de uma teleimpressora, ou um dispositivo que recebe e imprime texto em papel.

Morse contou com a ajuda de Alfred Vail, um maquinista, com mais conhecimento mecânico do que ele, para cuidar dos detalhes. E foi Vail quem criou os pontos e traços para representar o código e apresentou a ideia de usar som para transmitir informação.

Inicialmente, a ideia era de que o som servisse apenas para testar uma conexão. M as rapidamente Morse e Vail perceberam que o conceito de impressão era impraticável. Adicionando som, no entanto, eles estavam diante de um conceito mais brilhante e útil do que podiam imaginar.

Uma característica marcante do código Morse é que, na forma sonora, ele compõe um ritmo, e divide um terreno comum com a música. Observou-se que pessoas com talento musical são capazes de aprender o código Morse mais rapidamente.

Ao estimular o sentido inato de ritmo humano, o código Morse também ativa nosso senso de reconhecimento de padrões. Essa é uma habilidade existente em nossos cérebros e que tem grande potencial para decifrar mensagens, mesmo as incompletas.

Um operador de código Morse experiente pode preencher os espaços em branco causados por interferência, sinal ruim, ruído ou mau funcionamento do equipamento.

Em um sentido neurológico, o Morse habita um nicho muito peculiar, comparado a "ler com os ouvidos", mas em que transmitir e receber as mensagens se assemelha mais ao ato de falar do que escrever.

O outro aspecto importante do código Morse é sua simplicidade tecnológica. Qualquer pessoa com habilidades básicas pode construir seu próprio transmissor usando componentes padrão.

O sinal gerado por um transmissor Morse é igualmente minimalista: utiliza uma largura de banda extremamente estreita, de apenas 100-150 hertz (as comunicações de voz padrão usam 2.500-3.000 hertz). Isso também significa que os receptores podem usar filtros muito estreitos e, assim, remover grande parte do ruído gerado por várias formas de interferência.

Por ser tão eficaz, o Morse precisa de um mínimo de energia para percorrer distâncias significativas. Entusiastas do rádio amador demonstraram, em 1956, que apenas 78 miliwatts podem ser suficientes para transmitir mensagens de Massachusetts nos EUA para a Dinamarca. Isso é menos de um décimo do que uma única lâmpada LED usa. Uma cafeteira padrão consome mais de mil vezes mais energia.

Essa combinação de simplicidade tecnológica e eficiência foi bastante útil durante a Segunda Guerra Mundial, quando membros da resistência e os comandos Aliados usaram seus transceptores Morse portáteis para manter contato com Londres de dentro do território ocupado pela Alemanha.

Era bastante arriscado, já que os alemães estavam constantemente ouvindo as ondas de rádio. E o código Morse, embora ininteligível para o ouvido não treinado, não oferece segurança por si só.

Hoje, mesmo aqueles sem treinamento podem usar software para decifrar o conteúdo de uma mensagem de código Morse. No entanto, qualquer mensagem pode ser protegida ao ser criptografada antes do envio, conforme proposto por Vail em 1845.

Uma das formas mais seguras de criptografia, o bloco único, não requer nada além de caneta e papel. Em essência, um bloco único é uma sequência aleatória de caracteres, que tem de ser pelo menos tão longa quanto a mensagem que será criptografada.

Soldado russo dispara arma de fogo à noite
Uma característica importante do código Morse é que qualquer pessoa com habilidades básicas pode construir seu próprio transmissor - Getty Images via BBC

O remetente usa seu bloco para criptografar, enquanto o destinatário usa uma cópia do mesmo bloco para decodificar a mensagem (devem existir apenas duas cópias, e ambas devem ser destruídas imediatamente após o uso). Desde que um bloco nunca seja reutilizado, ele permanece, em tese, inquebrável, mesmo com a mais moderna tecnologia (embora seja difícil de se produzir sequências verdadeiramente aleatórias de caracteres).

Embora haja meios de comunicação digital mais eficientes atualmente, nada é capaz de rivalizar com a combinação insuperável de simplicidade e eficiência que permitiu que o código Morse sobrevivesse por mais de 150 anos.

* Tony Ingesson é professor-assistente de Ciências Políticas da Universidade de Lund, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.


Este texto foi publicado originalmente aqui.

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