Descrição de chapéu Venezuela

Cresce número de idosos da Venezuela no Brasil: 'Quero paz nos anos que me restam'

Maiores de 60 anos buscam acesso a serviços de saúde e a benefícios sociais; grupo representa 9% do fluxo que cruza a fronteira para fugir da crise no país vizinho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

pacaraima e boa vista (RR)

Cada vez mais idosos da Venezuela emigram para o Brasil. De 1,9% dos imigrantes e refugiados que chegaram ao país em 2017, os venezuelanos com mais de 60 anos passaram a 9,1% do fluxo que cruzou a fronteira com o Brasil nos primeiros seis meses deste ano.

Sob o sol de Pacaraima (RR), cidade na fronteira com a Venezuela, eles se protegem como podem, com bonés, gorros e suas pastas plásticas de documentos, à espera de atendimento. Muitos estão sem um acompanhante e irão se encontrar com os filhos e netos, que migraram para o Brasil em anos anteriores. Outros vêm sem ninguém à espera.

Imigrantes venezuelanos aguardam fila para entrar no PTRIG (Posto de Interiorização e Triagem) perto de abrigo em Pacaraima (RR), na fronteira do Brasil com a Venezuela
Imigrantes venezuelanos aguardam fila para entrar no PTRIG (Posto de Interiorização e Triagem) perto de abrigo em Pacaraima (RR), na fronteira do Brasil com a Venezuela - Shanti Sai Moreno Brooks/Folhapress

É o caso de Mercedes Caripe, 65, que havia chegado fazia uma semana e dormia no abrigo da Operação Acolhida, ao lado da fronteira. Esperava concluir sua documentação e buscar nova vida no Brasil.

Em Ciudad Bolívar, na Venezuela, deixou filhos, dois netos e dois bisnetos. "Ainda que meu país seja muito rico, a verdade é que não chegamos ao nível de uma vida sustentável", diz ela. "Não posso dizer: 'Olha, meus sapatos estão estragados, então vou comprar um novo par porque minha pensão permite isso'. Acontece que minha pensão só me permite comprar metade de um frango."

Ela recebia 130 bolívares (cerca de R$ 20), que se somavam a outra ajuda do Estado de cerca de US$ 45 (R$ 250).

Mercedes Caripe, 65, no posto da fronteira em Pacaraima (RR)
Mercedes Caripe, 65, no posto da fronteira em Pacaraima (RR) - Shanti Sai Moreno Brooks/Folhapress

Para muitos, o objetivo é poder acessar programas sociais. Idosos migrantes que residem no Brasil podem receber o BPC (Benefício de Prestação Continuada), desde que tenham residência fixa, estejam inscritos no CadÚnico e possuam renda familiar per capita igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo.

Na fila que se forma do lado de fora de uma pequena agência bancária, a poucos metros da fronteira, escuta-se somente o espanhol. São homens e mulheres venezuelanas, a maior parte idosa, que ali abriram suas contas, e muitos vão para receber o BPC.

ONGs humanitárias internacionais têm recebido denúncias de possíveis fraudes. São casos de idosos que chegam sozinhos, sem malas nem pertences, que tentam retirar o dinheiro da assistência e voltar à Venezuela.

Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social disse que o controle do BPC envolve revisões periódicas, com cruzamentos de dados e auditorias, e que o Ministério Público e a Polícia Federal investigam irregularidades, que podem levar ao cancelamento do cadastro.

A saúde é outro fator determinante na hora de emigrar.

Sentada na cama a ela designada em um dormitório compartilhado com outras dezenas de famílias em um abrigo de Pacaraima, María Victoria Torres, 78, acompanha a filha, Yubetzy Carolina —que tem doença de Chagas na fase aguda e busca tratamento no Brasil— e a neta, Isabelita, 3, que dormia.

Natural de Caicara del Orinoco, no coração da Venezuela, a família está abrigada na Casa de Acolhida São José, que recebe mulheres e crianças migrantes sob o comando da irmã Ana Maria da Silva.

Ali estavam 113 crianças e 65 mulheres dividindo os cômodos improvisados. A ideia é que fiquem no máximo três meses na casa. "Mas cada caso é um caso", diz a irmã Maria, acostumada com situações que demandam flexibilidade.

María Victoria Torres, 78, ao lado da filha doente e da neta, Isabelita, 3, na Casa de Acolhida São José, em Pacaraima (RR); a família é natural de Caicara del Orinoco, na Venezuela
María Victoria Torres, 78, ao lado da filha, Yubetzy Carolina, e da neta, Isabelita, 3, na Casa de Acolhida São José, em Pacaraima (RR) - Shanti Sai Moreno Brooks/Folhapress

Alternando momentos de lucidez e de confusão, María Victoria diz estar feliz no Brasil, ainda que a família não tenha ideia de qual será seu futuro. A irmã Maria tenta transferir as três para a capital Boa Vista, na tentativa de Yubetzy Carolina receber assistência médica.

"Gosto muito da comida daqui, os sucos são saborosos, assim como as frutas, a maçã, a laranja... Quero agora poder voltar a comprar minhas coisinhas, como um xampu, um sabonete. Com a bênção de Deus, quero viver os anos que me restam em paz."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.