Pernambuco vende cavalo para trabalhar em SP, onde descobriu universo gastronômico

Cláudio Leal deixou a zona da mata, ainda garoto, para chegar à supervisão de gastronomia da rede Ráscal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O mugido do gado soou lânguido numa manhã distante na zona da mata pernambucana. O mandacaru ainda não tinha florado, sinal de que a seca iria persistir por mais tempo. Num pequeno sítio nos arredores da cidade de Surubim, a família Barbosa Leal colhia um bocadinho de macaxeira, batata, feijão. Vez ou outra, manga e goiaba da vizinhança eram bem-vindas para ajudar a saciar a fome de nove irmãos, mais mãe e pai.

Às vésperas de completar 18 anos, Cláudio, um dos filhos, vendeu seu cavalo que nem teve tempo de dar nome. Com o dinheiro, pagou a passagem, montou uma trouxa de roupas e encarou três dias num ônibus lotado, rumo a São Paulo. Ali, todos compartilhavam de um mesmo desejo: dias melhores na maior e mais rica cidade do Brasil.

Claudio Leal, supervisor de gastronomia dos restaurantes Ráscal
Claudio Leal, supervisor de gastronomia dos restaurantes Ráscal - Adriano Vizoni/Folhapress

Quando chegou por aqui, nada entendeu. Juntou-se a outros dois irmãos de mais idade que já moravam em Valo Velho, bairro nos extremos da zona sul de São Paulo. Ali, impactou-se diante de tamanha pobreza.

Depois de esperar por um mês o título de reservista, conseguiu emprego no antigo Viena, no shopping Iguatemi, por indicação dos irmãos que lá trabalhavam.

Era 19 de dezembro de 1993 quando começou a lavar pratos e descascar batatas. Logo, passou a fazer ravioli. No primeiro momento em que se deparou com o queijo gorgonzola, já no Ráscal, teve ânsia de
vômito. Que diacho era aquilo?

A irmã gêmea, Cláudia, veio trabalhar também na rede, enquanto os dois irmãos que abriram as portas se aposentaram e voltaram para suas casas nordestinas.

Entre idas e vindas, sempre visitou a família. Nos primeiros três anos, de ônibus. A partir daí, de avião. Com o tempo, aprendeu a selecionar alimentos, tomou gosto por outros que desconhecia. Na cozinha, ajudou a dar forma às receitas da chef Nadia Pizzo.

Botava reparo em cada ingrediente do bufê. Homem da roça, explicava aos novatos a origem de ingredientes como o tomilho.

"O estranhamento a gente aprende a domar. A distância da família, não", diz ele, casado com uma ex-garçonete do Ráscal, com quem tem um filho de 21 anos.

Cláudio Barbosa Leal, 50, nunca deixou de mandar dinheiro para os pais —hoje, só para a mãe, dona Severina, 70, viúva, que mora no sítio reformado com o dinheiro dos filhos. No terreno ao lado, ele comprou o seu próprio espaço, onde mantém 80 cabeças de gado e um cavalo manga-larga. Desta vez, o bicho ganhou nome: Paquera Roxa.

Nesses 30 anos de Ráscal, conta que São Paulo lhe deu mais do que esperava. "Não imaginava que chegaria a tanto", conta, um tico emocionado, o supervisor de gastronomia de dez unidades da rede em São Paulo. Por mês, passam por ali cerca de 190 mil comensais, quase três vezes a população de sua Surubim natal, com 64 mil habitantes.

Ráscal
Conjunto Nacional - al. Santos, 2.152, Cerqueira César, região oeste, tel. (11) 91021-3139, @rascalrestaurante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.