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Thereza Collor

A intolerância como armadilha para o Brasil

Manipuladores amplificam sentimentos negativos

Thereza Collor, durante ato solene em memória às vítimas do Holocausto, em SP
Thereza Collor, durante ato solene em memória às vítimas do Holocausto, em SP - Greg Salibian - 28.jan.18/Folhapress

O que mais se lamenta hoje no Brasil é a corrupção e a impunidade. Diante de tanto descalabro, o que há de mais justificável é a indignação popular. Os Poderes precisam se transformar.

As eleições, inclusive, estão chegando como grande oportunidade de mudança. Mas o que mais se tem manifestado no país não é a indignação —sentimento que mobiliza as pessoas por mudanças—, mas sim a intolerância.

É um ânimo que paralisa, cega, violenta, leva à barbárie. Então é chegado o momento de dar um passo adiante. Porque a intolerância tem vicejado sem muita resistência, sem consciência crítica. Há um silêncio quase reverente, como se ela não ameaçasse a própria democracia.

Os manipuladores catalisam e amplificam os sentimentos negativos dos cidadãos, transformam-nos em conceitos, ideias, narrativas. Transformam a intolerância em ódio, para favorecer obscuros planos de poder. Não se fala quase de políticas educativas, de campanhas de esclarecimento, de maior clareza na fiscalização e punição aos crimes motivados pela intolerância.

A intolerância nasce perto da raiva, assim como o medo. São emoções primitivas, do nosso sistema límbico, existem desde que o mundo é mundo, mas são sentimentos passageiros, domáveis. No entanto, quando a intolerância é transformada em conceito —inteligentemente manipulado—, ela vira ódio.

Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e Nobel da Paz em 1986, definiu que a intolerância está localizada exatamente no início do ódio, é sua semente. Com o ódio não se transige. Simplesmente se desmascara, se denuncia, se pune, se exclui da sociedade humana. A única saída contra o ódio é impedir que ele germine, enfatiza Wiesel.

A intolerância é uma força mais sutil que o ódio; mas, se não a detivermos, será tarde demais.

Não é apenas a comunidade judaica, com a qual convivo, que está preocupada. Sou nordestina e tenho estado informada do aumento da intolerância contra a minha gente. Os alvos dessa narrativa do ódio são diferentes, mas convergem: são os judeus, os árabes, os nordestinos, os imigrantes, os pobres, os evangélicos, os umbandistas, os muçulmanos, as mulheres, as pessoas especiais, os transexuais.

Os alvos da narrativa do ódio são, simplesmente, quase todos nós, abordados separadamente, mas a maioria da nossa população. E estamos nos destruindo.

Dados do Ministério dos Direitos Humanos revelaram que o Brasil registrou uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas. Apenas na capital paulista, um crime de ódio é registrado a cada 12 horas, segundo publicou esta Folha no ano passado. Foram alvos os negros, gays, imigrantes, umbandistas, as mulheres.

Cabe a toda a sociedade, mas também aos governos, aos legislativos, à Justiça, à imprensa, às campanhas eleitorais, a todas as instituições, combaterem a intolerância com mais garra. Não será com ignorância, com privação de liberdades que se combaterá o ódio ou a própria manipulação. Sabemos que, quanto mais se exercer a liberdade, mais se respeitará a liberdade do outro.

Thereza Collor

Historiadora e pré-candidata a deputada federal (PSDB-SP); viúva de Pedro Collor, morto em 1994 e pivô da denúncia de esquema de corrupção no governo do irmão, Fernando Collor

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