Livro analisa papel da imprensa ante expansão das redes sociais

Para Ricardo Gandour, a falta do filtro jornalístico viabiliza as fake news

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Oscar Pilagallo

Jornalista, é autor de "História da Imprensa Paulista"

O encolhimento do jornalismo, ao mesmo tempo em que ganha espaço a mídia social controlada por políticos, representa, no limite, uma ameaça à democracia. O alerta, ainda que em forma de interrogação, emerge das páginas de "Jornalismo em Retração, Poder em Expansão", de Ricardo Gandour.

O trabalho quantifica as duas tendências simultâneas, confirmando com números a impressão que observadores já tinham havia algum tempo. O autor mede a redução, nos últimos dez anos, do número de páginas dos veículos (78% deles fizeram cortes) e da quantidade de profissionais (83% cortaram pessoal).

Anota também que 81 empresas jornalísticas brasileiras fecharam títulos entre 2011 e 2018, dos quais 31 só em São Paulo. Na outra ponta, a mídia social, que estabelece um canal direto entre políticos e eleitores, experimentou expansão extraordinária. Entre 2013 e 2016, o número médio diário de posts por governador cresceu 91% (enquanto os posts dos jornais em cada estado aumentaram apenas 6%).

O jornalista Ricardo Gandour
O jornalista Ricardo Gandour - Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Mais recentemente, o Twitter de Jair Bolsonaro se transformou quase num "Diário Não Oficial" da Presidência da República.

O livro resulta de uma dissertação de mestrado apresentada há um ano na USP (Universidade de São Paulo), em parte baseada em pesquisa realizada na Universidade Columbia, em Nova York. A distância temporal e geográfica, no entanto, não diminui a importância do que a tese acadêmica tem a dizer sobre a prática do jornalismo hoje no Brasil.

De onde vem a ameaça à democracia? Segundo Gandour, do enfraquecimento do conceito de uma agenda pública comum. "Com a proliferação das redes sociais, os grandes consensos são agora substituídos por consensos menores, ou subconsensos, em torno de grupos de afinidade ou com interesses (quase) comuns", escreve o autor.

Ele considera a hipótese, ainda que talvez alarmista, de que a fragmentação extrema possa causar uma desinstitucionalização que coloque em risco o funcionamento e o equilíbrio dos Poderes da República. A imprensa, comenta Gandour, tem suas falibilidades e mazelas naturais. Mas ele se pergunta se, sem sua mediação, não ficaríamos à mercê do populismo digital, "a antessala para um enfraquecimento da democracia".

O livro argumenta que a precarização da imprensa, associada à maior presença das redes sociais dos governantes, aumenta a intolerância e a polarização, que, por sua vez, quando atingem nível elevado, indicam que a democracia está em perigo.

A obra defende a imprensa como instituição. Nas palavras de um estudioso citado, "as instituições, embora imperfeitas, têm provado ao longo de mais de um século que são, e continuam sendo, os melhores e mais potentes canais para reportagens responsáveis".

Mas o que a imprensa tem que a mídia social não tem? A resposta pode ser resumida numa única palavra: método. Gandour vê, na transição para os meios digitais, uma inversão do critério para a publicação de um conteúdo: em vez de selecionar e publicar, como se faz tradicionalmente, o que vale agora é o publique logo e filtre depois.

O método jornalístico está ancorado justamente na filtragem profissional. É a ausência desses filtros, ou sua precariedade, que viabiliza as "fake news". Na sua forma mais elaborada, essas notícias parecem conter jornalismo. Como? "A forma aproxima o conteúdo forjado do suposto material crível. Usa-se o formato jornalístico para conferir credibilidade à fraude", afirma Gandour.

O livro não condena as mídias sociais, mas o uso que se faz delas. O autor concede que, em determinadas circunstâncias, elas podem exercer papel positivo, quando, por exemplo, dão voz a minorias que não se sentem representadas pela "agenda pública comum", em geral vista como a "agenda do establishment".

Ele menciona o caso das ditaduras que, no início da década passada, ruíram na esteira dos movimentos da chamada Primavera Árabe, catalisados por celulares nas mãos dos cidadãos. O foco de Gandour, no entanto, é o jornalismo brasileiro, analisado também a partir da literatura acadêmica americana.

Ele cita a definição de Bob Woodward, um dos dois repórteres que revelaram o caso Watergate, para quem jornalismo é "a permanente busca da melhor versão possível da verdade". Com um pé no jornalismo diário (tendo passado pelas Redações dos principais veículos do país, inclusive a Folha) e outro na academia (é professor na ESPM), Ricardo Gandour se encontra em posição privilegiada para observar o fenômeno da retração do jornalismo e suas consequências políticas.

Trabalhando com temperatura jornalística, o autor se mostra fiel à formulação de Woodward. Lançado a poucos meses das eleições municipais no Brasil e presidenciais nos Estados Unidos, o livro ajudará o eleitor desapaixonado a caminhar na selva da desordem informacional que caracteriza a ascensão da mídia controlada por políticos.

Jornalismo em Retração, Poder em Expansão

  • Preço R$ 48,20 (120 págs.) e R$ 30,60 (ebook)
  • Autor Ricardo Gandour
  • Editora Summus Editorial
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