Descrição de chapéu Folhajus

Empresário preso 10 anos atrás tenta provar que suspeita contra ele foi 'fake news das instituições públicas'

Paulo Cavalcanti foi alvo de operação, sob suspeita de sonegar R$ 1 bi; investigações foram trancadas pelo STJ

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São Paulo

Há quase dez anos, a Polícia Federal e a Receita fizeram uma megaoperação em 17 estados e no Distrito Federal sob a justificativa de que haviam encontrado um esquema de sonegação fiscal superior a R$ 1 bilhão. O marco da ação foi o confisco de uma ilha na baía de Todos os Santos, perto de Salvador.

Intitulada Alquimia, a operação de agosto de 2011 ocorreu em meio a um inquérito iniciado em 2002, que já havia rendido 22 mil páginas.

O principal alvo era o empresário Paulo Sérgio Cavalcanti, do grupo Sasil, que atuava na distribuição de produtos químicos. Ele foi preso por cinco dias ao voltar de férias da Espanha e virou suspeito de liderar um suposto esquema que envolvia empresas de fachada.

Desde então, o Ministério Público Federal nunca apresentou denúncia sobre o caso e, em 2017, a sexta turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) trancou as investigações sobre as suspeitas de lavagem de dinheiro, associação criminosa ou crimes contra o sistema financeiro.

Considerou que, apesar da complexidade do caso, não havia até aquele momento “elementos capazes de subsidiar uma denúncia”. Antes, o próprio STJ já havia trancado as apurações a respeito de suspeitas de sonegação.

Mesmo livre desses inquéritos na área penal e reiteradamente negando ter cometido qualquer irregularidade, Cavalcanti, hoje com 62 anos, ainda enfrenta as consequências da Operação Alquimia.

O empresário e seu filho têm sido cobrados pela União por dívidas das empresas que foram investigadas sob suspeita de serem laranjas, mas que o inquérito não conseguiu provar que pertenciam a ele ou tinham conexões com um suposto grupo criminoso ligado a ele —e, por isso, o trancamento.

Algumas dessas empresas compraram ou venderam ao grupo Sasil, mas Cavalcanti afirma que os serviços efetivamente foram prestados.

Por isso, continua em uma série de batalhas judiciais para não sofrer por execuções de dívidas dessas companhias.

O empresário calcula que tem sido cobrado por dívidas tributárias de mais de R$ 90 milhões, que impedem até o seu filho de 34 anos de abrir um CNPJ para ter uma empresa.

Ao mesmo tempo que passa por essa disputa na Justiça, Cavalcanti tenta reerguer o seu nome ao público.

Entrou com uma ação em que pede indenização por danos morais de 2.000 salários mínimos da União (R$ 2,2 milhões), por ter seu grupo empresarial quebrado e a sua vida e a da sua família expostas, além de ressarcimento material para as empresas no valor de R$ 300 milhões.

Após ter sido preso na Alquimia, formou-se em direito, montou um escritório de advocacia, criou uma fundação em seu nome e se autointitula como "ativista da função social das empresas". Baiano, virou vice-presidente da Associação Comercial do estado.

Divide o seu tempo entre as suas novas atividades e ações para promover a sua defesa. Um dia, tentou conseguir o cartão de crédito de um banco digital, mas seu nome nunca foi aprovado —diz ter certeza que devido ao compliance da instituição ter procurado o seu nome na internet.

Pensou: "Como eu posso me justificar ao povo brasileiro, ou ao menos ao baiano?".

Decidiu bancar um documentário, que está no YouTube e foi transmitido pela afiliada do SBT na Bahia. Chama-se "A Alquimia da Verdade", em referência à operação. Nele, diz que a operação foi um "pesadelo" e um "tsunami", que arrastou toda a família e o que havia construído em vida.

"Eu fiz o documentário por minha conta para as pessoas me ouvirem falar. Para as pessoas ouvirem a Operação Alquimia me expondo. A mim, a minha mãe, a minha mulher, aos meus filhos", disse, em entrevista à Folha.

"E para dizer: olha, eu estou aqui, eu estou na Associação Comercial da Bahia, eu me formei, eu vou lutar, não vou desistir. Não sou bandido."

Os familiares participam do documentário, além de funcionários da Sasil à época, seus advogados e um juiz federal.

O vídeo também tem como objetivo desmontar narrativas usadas pela polícia. Por exemplo, um saco de ouro encontrado na casa da mãe dele e exibido à imprensa na época, diz, era da “Ourobraz, aquele que tinha nota fiscal e tudo, porque ela era aposentada como professora”.

Também explica a existência da ilha. “A ilha foi comprada em 1987, tem os documentos, tem no imposto de renda, está declarada. Eu sou fiscalizado normal, todos os anos, regularmente”, afirmou, no vídeo.

Cavalcanti passou a dizer que é vítima de “fake news produzida pelas instituições públicas, que carregam na sua essência a presunção da verdade e a fé pública”. “Quando isso acontece, a quem o cidadão vai recorrer?”, questiona à reportagem.

Ele frisa que é favorável a instituições públicas fortes e com credibilidade, mas acha que existe uma “criminalização e demonização do empresário”, e que foi isso o que levou à ação contra ele.

Além de advogar, sobretudo em causas empresariais e em consultorias, tenta criar um movimento chamado “Via Cidadã”, plataforma que reunirá associações e entidades da sociedade civil.

A ideia é apoiar voluntariamente projetos de lei e outras propostas que sejam usados em benefício da gestão pública, a partir de estudos de boas práticas nacionais e internacionais, principalmente nas áreas da saúde e da educação.

Enquanto isso, sua equipe de defesa aciona a Justiça contra cada uma das execuções de dívida.

“O que houve foi que autorizaram o redirecionamento do débito de empresas que a Procuradoria presumiu que eram fictícias para o grupo Sasil”, diz o advogado Gabriel Nascimento.

“O grupo é grande e teve relação comercial com algumas dessas empresas, mas ao longo de toda a investigação não foram levantadas provas suficientes de que havia qualquer ligação com elas”, acrescenta.

No STJ, eles tentam fazer com que o entendimento que trancou os inquéritos penais sobre suspeitas tributárias também seja válido para as execuções que pesam sobre a Sasil e a família Cavalcanti. Os ministros ainda não avaliaram a questão.

Segundo Cavalcanti, hoje a Sasil não passa de uma empresa aberta em um escritório virtual. “Não pediu falência, mas quebrou”, diz. No auge, tinha 200 profissionais em regime CLT e outros 116 representantes comerciais, que recebiam em função de volume de vendas.

A situação atual ele descreve como “a hipossuficiência do cidadão brasileiro numa luta judicial contra o Estado”. “É covardia”, conclui.

Procurada, a Receita Federal informou por meio de nota que "não pode comentar casos ou decisões que envolvem contribuintes específicos". A Polícia Federal não se manifestou.

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