Entre uma chamada e outra, Samu desvia de trote, trânsito e piripaque

Reportagem acompanha plantão do serviço de atendimento nas zonas oeste e sul de São Paulo

Iara Biderman
São Paulo

A base Jardim Sarah do Samu, Serviço Atendimento Móvel Urgência, fica no alto de uma pequena ladeira, no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo. 

Na manhã de 20 de abril, uma sexta, a reportagem chegou ali para acompanhar um dia de trabalho do serviço de atendimento avançado, que tem equipamentos, remédios, médico e enfermeira, para atender casos como parada cardiorrespiratória, acidente vascular cerebral, amputação. 

Às 9h30, a única movimentação é da equipe de atendimento básico, chamada para cobrir a unidade Lapa, onde havia poucos funcionários. 

Laelcio Santos, 56, é o médico de plantão. Chegara ao Jardim Sarah às 19h de quinta, para um período de 24 horas. “São horas de marasmo e minutos de muita adrenalina.”

Equipe do Samu presta atendimento a mulher que passou mal na Água Branca, zona oeste de São Paulo - Lalo de Almeida/Folhapress

A espera por um chamado se dá na sala-cozinha da base. No cômodo, rodeado por dormitórios e vestiários, o foco é o móvel baixo entre o fogão e a mesa, onde fica o rádio. 

Ouvidos pouco acostumados mal entendem o que é transmitido: informações da central e respostas das 65 bases do Samu na capital. Mas os funcionários ligam o alerta assim que ouvem o número da base, 1039. “A gente pode estar dormindo, mas é só falarem nosso número que pulamos da cama”, conta a enfermeira Luciane Cavagioni, 50. 

Ela e Laelcio trabalham juntos no Samu há 15 anos. Formada em educação física, Luciane resolveu cursar enfermagem já com a intenção de trabalhar em emergência. Por dez anos, atendeu na rodovia Régis Bittencourt.

“Hoje, se penso em estrada tenho um surto”, diz a enfermeira, que já esteve no Haiti para ajudar vítimas do terremoto de 2010 e hoje divide os plantões entre o Samu e o atendimento nos Bombeiros. 

Laelcio também gosta de emergências. Formado pela Escola Paulista de Medicina e com residência em cirurgia geral, entrou no serviço público de saúde municipal por concurso e atende em ambulâncias há mais de 20 anos. Na semana, ainda atende em seu consultório particular como cirurgião plástico. 

Durante a noite, o médico, a enfermeira e a motorista Inês Vieira Rodriguez, 55, receberam quatro chamados.

No final da manhã de sexta, chega mais um alerta. É grave e distante: atropelamento por trem na estação Socorro da CPTM. A vítima, um homem de 32 anos, caiu nos trilhos e teve o pé amputado.

A chamada foi passada à base do Jardim Sarah às 12h03. Socorro, na zona sul, não é a área oficial da unidade (centro-oeste). Provavelmente foram chamados por não haver serviço de atendimento avançado mais perto disponível no momento, explica Laelcio. 

A equipe chega às 12h23 ao local, onde já estão veículos dos bombeiros e uma ambulância de atendimento básico. Em 35 minutos, saem da estação com a vítima imobilizada e sob cobertor térmico. 

Em 17 minutos, estão no Hospital das Clínicas, já avisado da necessidade de uma microcirurgia de urgência. 

Equipes da base Jardim Sarah do Samu e do Corpo de Bombeiros atendem homem atropelado por trem na estação Socorro - Lalo de Almeida/Folhapress

De volta à base, a equipe aproveita para comer e espera a próxima chamada. 

“A gente lida com carências. Temos hoje umas cem ambulâncias rodando, mas, se fossem 200, teria demanda. O problema é que também há mau uso do serviço pela população”, diz Laelcio. 

Segundo o médico, das 10 mil a 12 mil ligações diárias ao 192 (número do Samu), quase 3.000 são descartáveis, como trotes. E há vários casos em que, por desconhecimento ou mesmo má-fé, o serviço avançado é acionado desnecessariamente. 

“No fim do ano, tem família que chama a ambulância para levar idoso ao hospital, interna e vai viajar. Já vi um caso de pais tentando internar uma criança com paralisia cerebral para viajarem no Carnaval”, afirma o médico. 

Quase no final do plantão, a equipe foi chamada para atender um suposto choque anafilático causado por medicamento. Chegou em 17 minutos ao local, um prédio na Água Branca (zona oeste). 

A paciente, de 32 anos, passou mal com um remédio para gastrite. Não seria o caso de chamar o serviço avançado, que atendeu e levou a paciente ao pronto-socorro da Lapa.

Casos assim são comuns, mas não justificam todas as dificuldades no atendimento, segundo o Sindsesp (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo). 

Lourdes Estevão, secretária da área de saúde do sindicato, diz que algumas bases do Samu foram fechadas ou colocadas em locais inadequados, prejudicando o serviço. 

“A única forma de melhorar o Samu é aumentar o número de ambulâncias e de funcionários”, afirma Lourdes.

Marcelo Itiro Takano, coordenador do Comurge (Coordenadoria do Sistema Municipal de Atenção às Urgências e Emergências), afirma que o número de ambulâncias habilitadas pelo Ministério da Saúde não diminuiu e que só estão fechadas, temporariamente, bases em processo de reforma. 

O Samu dispõe hoje de 122 ambulâncias, 65 bases e 1.309 funcionários. Segundo Takano, o objetivo é aumentar o quadro funcional, e já está em andamento um concurso para a contratação de novos médicos.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.