Crimes de exploração sexual infantil migram de rodovias federais para estaduais

Mapeamento da Polícia Rodoviária e da ONG Childhood mostra pontos de risco nas estradas

Dante Ferrasoli
São Paulo

O número de pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais brasileiras subiu 21% nos últimos quatro anos. No biênio 2013-2014 foram identificados 1.969 destes locais, contra 2.487 entre 2017 e 2018. 

Os dados são do projeto Mapear, que é fruto de uma parceria entre a Polícia Rodoviária Federal e a ONG Childhood Brasil. O mapeamento é realizado a cada dois anos, e os números atuais foram auferidos em 2017.

O aumento não significa necessariamente que hoje haja mais pontos vulneráveis que há quatro anos. A metodologia de pesquisa do projeto neste meio-tempo (não houve mapeamento no biênio 2015-2016) é que se tornou mais abrangente e completa.

"A polícia trabalha agora baseada num aplicativo onde o agente insere as informações de um ponto encontrado na rodovia”, diz Eva Dengler, Gerente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil.

No aplicativo em questão, os agentes respondem a perguntas como “Há prostituição de adultos no local?” e "Existem muitas crianças e adolescentes circulando na área?". 

Baseado nas respostas, o sistema classifica o ponto como "de baixo risco", "de médio risco", "de alto risco" e "crítico".

Antes, os policiais anotavam o que observavam num papel e lançavam os resultados numa plataforma online, o que demandava mais tempo e trabalho e, portanto, era mais propenso à omissão. Além disso, a classificação do ponto era subjetiva, uma opinião do policial.

Por outro lado, mesmo com a nova metodologia, o número de pontos considerados críticos caiu. Se na medição de 2013-2014 eles eram 566, agora são 489 (redução de 14%).

O mapeamento e as ações policiais subsequentes —entre 2017 e 2018 foram quatro operações de abrangência nacional— podem ajudar a explicar a diminuição, mas isso não significa que o problema em si esteja minguando.

"O que acontece é que o crime tem migrado para áreas fora da circunscrição da Polícia Rodoviária Federal", diz Igor de Carvalho, presidente da comissão de direitos humanos da PRF. 

Numa espécie de interiorização, os criminosos vão para as rodovias estaduais, onde a PRF não pode atuar.

Como a fiscalização desses pontos cabe às polícias de cada estado, a Childhood Brasil sabe que terá um árduo trabalho de mapeamento pela frente, já que é preciso lidar com 27 burocracias diferentes.

"Nossa ideia é iniciar um diálogo emergencial com os estados que têm mais pontos críticos”, diz Eva Dengler.

Uma das diferenças que mais chamam a atenção entre os dois últimos mapeamentos é o crescimento no percentual de crianças do sexo masculino resgatadas.

Em 2013-2014, esse grupo constituía 9% do total. Hoje, está em 36% —aumento de 27 pontos percentuais.
De acordo com Carvalho, a exploração de meninos sempre ocorreu, mas antes era “ignorada” pelos agentes, que não os consideravam suscetíveis à exploração.

"Os policiais receberam uma capacitação entre 2013 e 2017, e a partir daí passaram a ver que os meninos também podiam ser vítimas", afirma.

Eva concorda com a avaliação, e é enfática ao afirmar que rodovia não é lugar para crianças —independentemente de seu sexo— sozinhas.

"Se tem criança em estrada e ela não está acompanhada de pais ou familiares, tem algo errado. Não tinha que ter nenhuma”, diz.

Denúncias de violência sexual ao Disque 100 crescem 29% em um ano 

As denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes ao Disque 100 (serviço que recebe delações de violações dos direitos humanos) cresceram 29% entre 2016 e 2017, após anos de queda. 

Apesar disso, Erica Queiroz, ouvidora nacional de direitos humanos, diz que convencer as pessoas a denunciar esse crime ainda é muito difícil.

"As pessoas têm medo de se meter em questões familiares”, diz, lembrando que a imensa maioria desses casos ocorre dentro de casa.

Proporcionalmente, nenhum estado brasileiro acionou tanto o Disque 100 para denunciar esse crime em 2017 quanto o Distrito Federal.

No ano, a população que tinha entre 0 e 17 anos no distrito era de 740.095, e houve 349 denúncias, ou 47,16 por cem mil habitantes. A média nacional fica em 36,12.

Erica diz ser complicado avaliar o porquê de a região ter ficado no topo. “Talvez aqui [no DF] haja uma divulgação maior do serviço, mas não dá para fazer uma afirmação segura”, afirma.

Uma característica que os atendentes do Disque 100 percebem, conta Erica, é que as denúncias —de diversos crimes, não só da violência sexual— têm um aumento importante em fins de semana, feriados e dias em que há transmissão de jogos de futebol.

"Isso chama a atenção porque parece estar relacionado ao consumo de álcool ou de drogas", diz.

Mas Gustavo Rocha, ministro dos Direitos Humanos, ressalta que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é uma questão de classe social ou localização geográfica.

"É comum associar esse problema à pobreza, mas essa é uma análise equivocada", diz.

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