Educar motorista é mais importante que mudar leis de trânsito, dizem debatedores

Bolsonaro propôs mudanças como fim da obrigatoriedade de cadeirinha e aumento de limite para suspensão da carteira

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São Paulo

​​​Para reduzir as 120 mortes diárias causadas por acidentes de trânsito no Brasil, mais vale educar os motoristas do que mudar o código de trânsito, como propôs o presidente Jair Bolsonaro no início do mês.

Esse foi o consenso de um debate realizado hoje (26) sobre o projeto de lei apresentado pelo presidente. Entre outras coisas, o texto sugere aumentar o número de pontos necessários para suspender a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de 20 para 40, dobrar o prazo para renovação do documento e extinguir a obrigatoriedade das cadeirinhas para crianças pequenas e do exame toxicológico para motoristas de caminhões e ônibus.

Everton Lopes Batista, jornalista da Folha; Norival de Almeida, presidente do Sindicam; Jose Eugênio Leal, professor do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio; José Aurélio Ramalho, diretor-presidente do Observatorio Nacional de Segurança Viária
Everton Lopes Batista, jornalista da Folha; Norival de Almeida, presidente do Sindicam; Jose Eugênio Leal, professor do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio; José Aurélio Ramalho, diretor-presidente do Observatorio Nacional de Segurança Viária - Reinaldo Canato/Folhapress

A discussão fez parte do Fórum Segurança no Trânsito, Mobilidade e Inovação, organizado pela Folha com patrocínio da CCR e apoio da Plural.

Para José Aurelio Ramalho, diretor-presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, há uma hipocrisia em motoristas que reclamam da chamada indústria da multa e rejeitam a fiscalização do trânsito.

“Todo mundo gosta de câmeras [de segurança] no condomínio, no shopping, mas não gosta na rua. Isso prova nossa hipocrisia”, disse. “Cometemos infrações diariamente, mas ninguém quer ser penalizado.”

Os acidentes no trânsito custaram R$ 3 bilhões ao SUS nos últimos dez anos. Ramalho defende que a questão é mais cultural do que política: “Não preciso de um centavo do dinheiro público, nem de políticos [para mudar]. Depende de cada um de vocês, de mim.”  

A aparência resistente dos carros também seria responsável por distorcer a percepção de risco dos motoristas, que aceleram além da conta e, muitas vezes, transportam crianças sem a proteção necessária. “As pessoas não têm noção do perigo”, afirmou.

Apesar disso, a entidade que Ramalho preside está articulando na Câmara, atualmente, um texto alternativo ao proposto por Bolsonaro. O presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (SindicamSP), Norival de Almeida, concordou com a importância da educação no trânsito, mas não acredita na eficácia das soluções legais.

“O governo sempre nos atrapalha. Ele não tem competência para fazer isso”, disse. No caso específico dos caminhoneiros, categoria que Almeida representa, o pior problema não seria a fiscalização, mas a carga excessiva de trabalho enfrentada por esses profissionais —que, muitas vezes, dependem de drogas para se manterem acordados. Ele responsabilizou tanto os contratantes, que pagam pouco, como os próprios motoristas por essa falta de noção. “Radar para mim é o de menos.”

Citando pontos específicos do projeto de Bolsonaro, Almeida criticou a forma como o exame toxicológico é feito hoje, ainda que acredite que ele deva existir. Cobrado apenas de motoristas de ônibus e caminhão —mas não de taxistas ou motoboys, por exemplo—, o teste é facilmente falsificado usando a urina, saliva ou pelos de colegas sóbrios, ou burlado por meio de propina, disse ele.

Pagar fiscais para fazer vista grossa, aliás, seria também a razão pela qual aumentar a tolerância de pontos na CNH teria pouco efeito prático, segundo ele. “Pode dar mil pontos na multa que não vai resolver o problema”, disse o sindicalista.

Para o professor de engenharia da PUC-Rio José Eugênio Leal, o texto proposto pelo presidente tem pontos bons, como fomentar a discussão sobre a cadeirinha infantil, que não existia na lei, e aumentar o período de renovação da carteira de cinco para dez anos, que ele considera mais realista. No entanto, ele criticou a dispensa do exame toxicológico e o aumento da pontuação permitida na CNH.

“Não acho ruim apelar um pouco para a consciência das pessoas. Agora, simplesmente aceitar que a repetição [das infrações] não tenha punição, eu acho ruim”, pontuou Leal. “Mais do que a questão da pontuação, precisa ter justiça na penalidade.” O professor também acredita que o texto falhou em delimitar regulações para motocicletas, que ele considera uma das maiores pragas em termos de acidente de trânsito no país.

Ele não está sozinho nessa ideia. José Aurelio Ramalho criticou o que vê como deficiência na legislação atual, que não exige que os motociclistas façam exames de direção na rua —eles podem ser aprovados na autoescola sem mostrar ao professor, na prática, que sabem dirigir uma moto.

A precariedade da instrução de motoristas de carro também seria um ponto a ser repensado na lei, para Ramalho. “A questão da habilitação, hoje, é meramente cartorial. Você finge que faz e ele [o examinador] finge que te examina”, afirmou. “É hora de refletir. Quando vamos sair do discurso e levar educação de trânsito para as escolas?”

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