Descrição de chapéu
Marília de Camargo Cesar

Uniforme olímpico escancara o preconceito dos descolados

Como é fácil pagar de libertário e vestir para a plateia os reluzentes uniformes da inclusão

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Marília de Camargo Cesar

cristã, jornalista e autora de "O Grito de Eva" e "Feridos em nome de Deus"

O estilista mineiro Ronaldo Fraga associou a feiura dos uniformes da seleção brasileira para as Olimpíadas de Paris à influência crescente no país da cultura evangélica. Antes de desempacotar o que existe de preconceito nessa fala, vamos conhecer o caso.

Em matéria publicada na coluna de Mônica Bergamo, nesta Folha, ele questionou se quem desenhou as roupas teria sido o estilista da ex-ministra Damares Alves, ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), uma evangélica linha dura que já foi pastora da Igreja do Evangelho Quadrangular e da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte.

Além disso, Fraga conectou a ascensão evangélica à derrocada da alegria e do tesão. "A gente vê o país se tornando uma nação evangélica, cada vez mais careta, mais retrógrada nos costumes. Uma insistência e um investimento na tristeza, um tentar abafar a alegria e a libidinagem, que é a marca do brasileiro e deveria ser a marca da moda brasileira."

Um grupo de pessoas em um barco segurando bandeiras do Brasil e uma bandeira roxa com a palavra 'BRASIL'. As pessoas estão vestidas com jaquetas escuras e algumas estão sorrindo e acenando. Ao fundo, há uma multidão assistindo.
Atletas do Brasil durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas - Aleksandra Szmigiel/Reuters

Ronaldo Fraga é um homem moderno e descolado e sua fala tem muito peso no universo da moda. Um dos estilistas brasileiros mais respeitados mundialmente, ele é conhecido por defender a diversidade cultural, de gênero, e a biodiversidade brasileira, traduzindo com maestria todos esses elementos para suas criações e desenhos.

Seu trabalho se destaca por promover as tradições regionais, inclusive as religiosas, e sua luta em defesa da sustentabilidade de um Brasil multifacetado, colorido e cheio de paixão.

Para o estilista, entretanto, ao que parece, a defesa da diversidade exclui o respeito ao povo evangélico.

Fraga poderia ter criticado, como fizeram outros estilistas ouvidos para a matéria, a falta de refinamento, as estampas estereotipadas, os bordados comuns. Poderia ter destacado a falta de ousadia e de contemporaneidade do design. Mas não foi isso que ele fez.

Em vez de falar sobre estética, preferiu atacar uma "tribo" diferente da sua, que promove um outro "branded content". Um povo que não vai ao Insta para defender aquelas que, segundo ele, são as marcas do brasileiro –a alegria associada à libidinagem. Mas que está mais interessado em divulgar uma mensagem oposta à do hedonismo.

Ao associar o mau gosto dos uniformes à "caretice" e à "tristeza" dessa religião, contudo, ele nos presta um enorme favor: Fraga dá voz aos preconceitos escondidos no fundo do coração das pessoas que empunham a bandeira de um mundo sem preconceitos. O preconceito e a exclusão dos descolados que lutam por uma sociedade mais diversa e inclusiva.

Por esta razão, essa polêmica produziu em mim um sentimento de gratidão. Por revelar como é tão fácil pagar de libertário e vestir para a plateia os reluzentes uniformes da inclusão.

E como é difícil vencer o mais duro dos combates –a batalha contra a natureza humana e contra a hipocrisia dos descolados que dizem lutar por um mundo de aceitação e de boa vontade.

Além disso, aparentemente, Fraga nunca leu os Cantares de Salomão (ou Cântico dos Cânticos), o livro de poemas eróticos da Bíblia. Aqui vai uma degustação:

"Como são deliciosos os seus carinhos, minha noiva, minha querida! O seu amor é melhor do que o vinho; o perfume dos seus unguentos é mais gostoso do que qualquer especiaria. Seus lábios têm gosto de mel; leite e mel estão debaixo da sua língua. O cheiro das suas roupas é como o perfume dos montes do Líbano." (Cânticos 4:9-11)

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