Descrição de chapéu 2º Seminário Economia da Arte

Cidades respondem por 52% de toda a despesa pública com a cultura

Municípios gastaram R$ 4,8 bi em atividades classificadas como culturais no ano passado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Mais da metade do gasto dos governos em cultura vem das cidades. Em 2018, a despesa dos municípios classificadas na “função cultura” foi de R$ 4,83 bilhões, 51,8% do total. Os estados fizeram 26,8% dos dispêndios, e o governo federal, 21,4%, mostra levantamento da Folha com base nos dados de despesas empenhadas do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público (Siconfi), do Tesouro Nacional.

Essa conta não inclui os gastos indiretos —impostos que os governos deixam de arrecadar se o dinheiro for investido em cultura. 

No caso do governo federal, estima-se que a renúncia fiscal, via Lei Rouanet, tenha sido de R$ 1,27 bilhão em 2018. Mesmo somado tal dinheiro ao gasto federal, a despesa feita por cidades ainda é superior (não há dados consolidados de renúncia fiscal municipal e estadual).

As cidades gastam em quê?

 

A despesa declarada em cultura é “opaca”, diz o antropólogo Frederico Barbosa, pesquisador do Ipea (instituto federal de pesquisas econômicas e sociais), especialista no tema e autor de levantamentos do gasto federal em cultura. Afinal, trata-se de 5.570 municípios, mas a dificuldade não está só na explicação dos orçamentos municipais.

Barbosa diz que o “mix de financiamento da cultura é mais complicado do que aparece nos números oficiais”.

Por exemplo, um financiamento via Lei Rouanet por vezes provoca a ação de estados e cidades, que entram com recursos adicionais, o que por sua vez atrai recursos privados locais. “É complexo e faz pouco que começamos a estudar o assunto.”

Uma tabela das cidades que mais gastam e destinam as maiores parcelas de sua despesa à cultura sugere que grandes festas populares, turismo cultural e patrimônio histórico rico influenciam o gasto na “função cultura”.

É o caso de Parintins (AM) e seu festival de boi-bumbá, de Caruaru (PE) e suas festas juninas, de Olinda (PE), com seu carnaval e patrimônio, ou de cidades históricas mineiras.

No entanto, uma pesquisa do IBGE indica que o assunto é mais complexo mesmo.

“Perfil dos Estados e dos Municípios”, do IBGE, é uma espécie de censo de características regionais. O mais recente tem dados de 2014 e mostra que, naquele ano, 54,6% das cidades tinham política para cultura e que 61% desenvolveram alguma ação ou programa em turismo cultural, mais frequente nas cidades menores. Mais de 80% dos municípios fizeram também alguma despesa ligada a “festas, manifestações tradicionais e populares”.

Mas quase um entre quatro municípios também promoveram atividades audiovisuais (festivais, cineclubes), e 6% apoiaram a produção de filmes (em um ano, 1.369 obras, ante 480 filmes apoiados pelos estados).

Metade do gasto municipal em cultura vem de 171 cidades, segundo dados calculados com base no Siconfi.

A pesquisa do IBGE mostra também que 54% dos municípios tinham atividades de apoio à cultura popular e 45% deles mantinham programas de capacitação e formação de profissionais na área.

Nos estados, “festas, eventos, apresentações musicais, peças, publicações e seminários, simpósios, encontros, congressos e palestras” constituem os maiores itens de gastos estaduais, segundo o IBGE.Ainda que a ênfase do gasto das cidades fosse em festas populares, haveria pontos de contato com a difusão de artes e espetáculos. Há profissionais e instituições do setor envolvidos, uma base comum de produtores culturais. 

 “Cultura é educação permanente, formação. É diversidade, democratização de acesso às artes e preservação das manifestações culturais, no sentido antropológico do termo. Essa é a nossa ênfase”, diz Danilo  Miranda, diretor do Sesc (Serviço Social do Comércio) de São Paulo. Portanto, “festas populares ou empreendimentos artísticos comerciais e formação e educação” estão relacionados, diz.

No conjunto dos Sescs estaduais, o orçamento dedicado à cultura foi de R$ 1,45 bilhão em 2018. No Sesc paulista, o orçamento foi de R$ 957 milhões, dos quais R$ 866 milhões foram de fato gastos. 

Os Sescs têm peso tão grande quanto um ministério da Cultura. O dinheiro vem de uma espécie de imposto cobrado das empresas do ramo, como os demais do sistema S, dinheiro esse que não passa pelo orçamento do governo federal. Fica com as confederações patronais, que o gastam em formação, educação, cultura, assistência social e na manutenção de entidades de representação. 

Miranda explica que os subsídios do Sesc a espetáculos de música, teatro e artes acabam por criar um público, favorecendo a formação e a manutenção de um corpo de profissionais. Além disso, o apoio permite o investimento em equipamentos (salas de espetáculos e de exposições)  e em um sistema de gestores da cultura, o que cria uma base também para o empreendimento comercial ou o turismo cultural. De modo similar, tal pode acontecer com a promoção de festas e o apoio municipal à cultura popular.

Ruína anunciada ainda não chegou a orçamentos

Os cortes de gastos no governo federal e as campanhas contra as leis de financiamento à cultura ainda não foram bastantes para provocar a ruína dos orçamentos do setor. 

O gasto federal direto em 2018 caiu em relação a 2013, mas é superior ao registrado em anos anteriores a 2010 —não há dados para 2019, que devem ser piores. O orçamento do Sesc para 2020 deve ser semelhante ao de 2019.

“As instituições seguram parte importante do gasto, há leis, reação social, embora não seja possível ter um quadro completo, detalhado. Por exemplo, há indícios de que grandes empresas tradicionais no setor, estatais em particular, estão cortando”, diz Frederico Barbosa, pesquisador do Ipea.

Haveria alternativa privado ao dinheiro público e às verbas advindas da renúncia fiscal? 

“Não vejo o setor privado ocupando esse lugar. Pelo que ouço, quem depende de financiamento de grandes empresas, como estatais, está fazendo despedidas, por assim dizer”, diz Barbosa.

Danilo Santos Miranda, diretor do Sesc de São Paulo, um dos maiores orçamentos nacionais de cultura, diz que é difícil ver alternativa ao dinheiro público e aos subsídios, como os do Sesc. “Se houver corte no ‘sistema S’ [como pretende o governo federal], a reação deve ser forte”, diz.

“Trabalhamos com formação, educação, diversidade. Temos, por exemplo, um programa de teatro que leva grupos daqui para outros estados e vice-versa. É uma ação pública, digamos. Há pouco interesse mercadológico nisso”, diz.

Para Barbosa, do Ipea, o debate está equivocado por ideias de que cultura é “luxo”, “coisa de esquerda”, “desperdício”. 

“Mesmo de um ponto de vista restrito, apenas econômico, é um equívoco. Os incentivos fiscais para a cultura podem e devem ser pensados como se faz com qualquer atividade econômica: qual é o retorno, o efeito multiplicador? Não se pode pensar no assunto de modo apenas contábil, estático”, afirma Barbosa. 

O pesquisador critica mesmo a ideia de que todo corte de gastos seja necessário. “Acredito que, nesta situação de crise, investimento público é necessário para reativar a economia, um endividamento extra. A cultura tem de estar também nesse pacote para fazer com que a economia volte a girar”, diz.

Aportes privados minguaram nas últimas décadas

Os recursos privados que os patrocinadores colocam na cultura, por meio da Lei Rouanet, minguaram a quase nada ao longo do último quarto de século. 

Os dispositivos da lei acabaram por elevar o gasto em cultura, mas quase todo o investimento vem agora da renúncia fiscal (dos impostos que o governo deixa de arrecadar por causa do gasto privado em cultura), não do aporte direto do setor privado, “dinheiro vivo”.

Os números estão nos dados compilados pelos pesquisadores Frederico Barbosa e Paula Ziviani, do Ipea.

A despesa que pode ser atribuída aos incentivos fiscais (soma do valor dos impostos não arrecadados com gasto privado direto devido à Lei Rouanet) era de menos de 8% do gasto direto do governo federal em cultura em 1995. Ficou entre 50% e 60% do total entre 1997 e 2007. Em 2018, baixou a 38%, caindo também em termos absolutos.

Esses números, porém, não explicitam o fato de que o dinheiro “direto” colocado pelo setor privado em cultura, por meio da Lei Rouanet, encolheu. A conta quase toda ficou para a renúncia fiscal.Entre 1995 e 1997, o setor privado bancava dois terços do gasto em cultura via Lei Rouanet em “dinheiro vivo”. Desde 2008, banca menos de 10% (e menos de 3% desde 2016). 

Em termos absolutos, eram, por exemplo, R$ 479 milhões em “dinheiro vivo” em 1998. No ano passado, o aporte privado caiu a apenas R$ 23 milhões.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.