Descrição de chapéu Melanoma

Pedagoga descobriu melanoma a partir de uma pinta na coxa

Grávida da segunda filha, Azália foi operada, mas o melanoma evoluiu para metástase em múltiplos órgãos

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Daniela Pintão Etel Frota
São Paulo

Em dezembro de 2011, aos 30 anos, a pedagoga Azália Melo Leal acompanhava sua segunda gravidez. Em uma consulta de rotina, mostrou ao obstetra uma pinta na coxa direita, que nos últimos tempos começara a coçar e eventualmente sangrava. Menos de um mês depois, numa rápida sequência de consultas a especialistas, era submetida à retirada da lesão. O exame da peça cirúrgica confirmou: era um melanoma.

“Nunca tinha ouvido falar”, conta Azália. “Nunca gostei de tomar sol, ficava muito vermelha. Preferia fazer bronzeamento artificial, fiz muito.” Esse procedimento, proibido no país desde 2009, é comprovadamente um fator que predispõe ao desenvolvimento da doença.

Seu pai tivera, no passado, um carcinoma basocelular, um tipo de câncer de pele de fácil tratamento, que raramente cria metástase. Antes dele, o avô. Ambos tiveram recuperação rápida e sem complicações.

Azália Melo Leal está há três anos sem sintomas - Lucas Seixas/Folhapress

Essa história familiar favorável —e o fato de o basocelular ser mais conhecido pela população em geral e normalmente associado a uma doença quase inofensiva— fez com que a gravidade do diagnóstico não se impusesse imediatamente. ​

Até que Azália consultou sites na internet e leu que o melanoma significava morte em até cinco anos. “Aí, sim, fiquei desesperada.” O marido, Marco Leal, 47, gerente de controladoria de uma multinacional, confirma. “Não tínhamos a menor ideia do que era. E é muito impressionante que ainda hoje, nove anos depois, essa desinformação sobre um tipo de câncer tão agressivo permaneça.”

“A herança genética é um dos fatores mais impactantes para o desenvolvimento do melanoma. Se existe um caso na família, é importante fazer avaliações periódicas. Mas o histórico de carcinoma basocelular também é fator de risco, vale a pena manter todos os membros dessa família sob uma vigilância maior”, diz o dermatologista e cirurgião oncológico Elimar Gomes, do Grupo Brasileiro de Melanoma.

A remoção do primeiro tumor foi seguida de pesquisa da cadeia ganglionar mais próxima, seguindo o protocolo médico. Foi detectado um linfonodo comprometido na região da virilha. O parto foi antecipado. Luna nasceu em 8 de fevereiro de 2012. A placenta foi examinada e estava livre de metástase.

“Pacientes com melanoma e gravidez devem ter a placenta e o bebê examinados na hora do parto, pois existe a possibilidade de metástase na criança”, diz Milton Barros, coordenador clínico do Centro de Referência em Tumores de Pele do hospital A. C. Camargo, em São Paulo.

Logo após a recuperação da cesárea, Azália foi submetida ao esvaziamento ganglionar da região inguinal direita; havia tecido tumoral em grande parte dos linfonodos.

“Não pude amamentar minha filha. Comecei imediatamente, em Campinas, o tratamento com interferon.”

A droga, usada há décadas para tratar melanoma, faz parte de um grupo de substâncias produzidas pelo organismo para mediar a resposta imunológica. Sua presença em grande quantidade potencializa a resposta imune, inibindo a proliferação de células cancerígenas. Era uma das terapias utilizadas no país àquela altura, embora já existissem outras mais eficientes.

O tratamento durou oito meses, com alguns efeitos colaterais e aparente bom resultado clínico. Não havia mais tumor detectável, e Azália passou a fazer acompanhamento médico semestral com exames de sangue, PET scan e ressonância magnética do crânio. Permaneceu sem sinais da doença por mais de dois anos.

No retorno ao médico em fevereiro de 2015, “a casa caiu”, resume o marido. Havia dois nódulos, um em cada pulmão, que biopsias revelaram ser metástases do tumor operado em 2012.

A princípio, houve indicação de ressecção cirúrgica dos tumores. A família saiu em busca de novas opiniões, num périplo que os conduziu ao hospital A.C. Camargo, centro de referência no tratamento oncológico.

Ali Azália iniciou tratamento com ipilimumabe, droga do grupo de medicamentos chamados imunoterápicos, que acionam o sistema imunológico de forma seletiva, para que o próprio organismo combata o tumor.

Aprovados para uso no Brasil ao longo da última década, os imunoterápicos, ao lado das terapias-alvo, revolucionaram o tratamento e o prognóstico de vários tipos de tumores, notadamente o melanoma e o câncer de pulmão.

O tratamento não teve o efeito esperado e a doença avançou. Em julho de 2015, apareceram múltiplas metástases em órgãos como vesícula, fígado, pulmão e cérebro. O tumor cerebral pôde ser tratado com radiocirurgia, técnica sem cortes que utiliza feixes de radiação em dose única direcionados de forma precisa ao tumor.

Havia indicação para tratamento com outro imunoterápico, o nivolumabe, que ainda não tinha sido aprovado no Brasil para uso terapêutico. O hospital realizava um estudo clínico com a droga, ao qual Azália foi incorporada, iniciando o tratamento em setembro de 2015.

Quatro dias após a primeira infusão, ela teve um AVC isquêmico. A equipe médica que a acompanhou afastou a possibilidade de alguma correlação entre os tratamentos e o acidente vascular. As infusões continuaram, a cada 21 dias. As reavaliações passaram a ser trimestrais.

Em maio de 2016 o nivolumabe foi aprovado pela Anvisa. Em julho Azália saiu do estudo e o tratamento continuou nas mesmas bases, pelo plano de saúde.

A última dose do tratamento foi em fevereiro de 2017. As metástases desapareceram. Os controles agora acontecem a cada quatro meses. No cérebro, persiste uma lesão residual de cerca de 3 mm, interpretada como tecido cicatricial do tumor operado em 2015. Do AVC ficou uma discreta alteração motora fina do lado direito.

Azália e a família moram atualmente em Poços de Caldas (MG). As filhas Zara, 10, e Luna, 8, sabem da sua doença e dão mostras de alguma ansiedade quando ela viaja para os retornos ao hospital. O casal não provoca o assunto com as meninas, mas se mantém atento para responder às perguntas, à medida que surgem. “Mas elas sabem, são muito ligadas à mãe”, diz Marco. “Estamos felizes, já são três anos.”

“A Azália não tem mais nada nos exames. Tratamos por um período ainda e tomamos a decisão de parar. Precisamos de mais tempo de observação, mas ela está virtualmente curada”, declara o oncologista Milton Barros. “A imunoterapia tem essa capacidade, um potencial curativo. Uma vez tendo dado certo, pode dar certo para sempre.”

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