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Por que os games são o novo campo de batalha das big techs

Tamanho atual do público de games chama a atenção das empresas

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Richard Waters Leo Lewis
Financial Times

A audaciosa jogada de US$ 75 bilhões da Microsoft pela editora de games Activision Blizzard detonou uma bomba na indústria de jogos eletrônicos. Além do tamanho do negócio proposto, a perspectiva de uma gigante da tecnologia avaliada em mais de US$ 2 trilhões (quase R$ 11 trilhões) conquistar a liderança da indústria de games provocou intensas especulações sobre se isso vai provocar um realinhamento geral do setor.

Segundo alguns, o acordo, anunciado na terça-feira (18), aumentará muito as forças que já remodelaram a indústria nos últimos anos, incluindo o streaming de jogos, levando à criação de impérios cada vez maiores.

O enorme tamanho atual do público de games, que já supera outras formas do entretenimento de massa, favorece as empresas que têm capacidade para formar e gerenciar negócios gigantes online para distribuir seus custos, segundo Bing Gordon, antigo executivo de videogames e capitalista de risco.

Ilustração de logo da Microsoft em smartphone localizado em frente a logo da Activision Blizzard - Dado Ruvic - 18.jan.2022/Reuters

"A nova massa crítica é maior que nunca", disse ele. Comparando as pressões crescentes na indústria de jogos com as guerras de streaming de vídeo que estão remodelando os negócios de TV e cinema, ele acrescentou: "Alguém vai criar um serviço de games com centenas de milhões de assinantes".

Enquanto isso, Satya Nadella, executivo-chefe da Microsoft, classificou a aquisição planejada como um passo em direção ao metaverso –nome dado aos mundos virtuais que, segundo algumas das maiores empresas de tecnologia, serão a próxima grande realização da internet. Os videogames passaram a ser vistos como um caminho para esses mundos online mais imersivos.

As maiores empresas tecnológicas têm incentivos poderosos para dar o próximo passo e desenvolver operações completas de jogos, disse o consultor de mídia Michael Wolf. "Cada uma dessas empresas sabe que os jogos serão uma área de crescimento, e isso se vincula de maneira mais ampla a suas ambições no metaverso."

Com os mundos virtuais dos jogos se expandindo para se tornarem locais onde os jogadores podem fazer compras ou assistir a filmes, "tudo o que você faz no mundo real você poderá fazer dentro dos games", acrescentou Wolf.

Se ele estiver certo, os jogos deverão ser um campo de batalha importante para as empresas de tecnologia que desejarem manter um papel central na vida digital de bilhões de usuários.

Ceticismo da indústria

O espasmo que perpassou o mercado de ações depois do anúncio do negócio sugeriu que muitos investidores viram que algo importante estava acontecendo. Os preços das ações de outras grandes editoras de jogos subiram com a especulação de que elas buscariam negócios para crescer, ou se alinhariam mais com poderosos distribuidores de jogos, da mesma forma que a Activision está fazendo com a Microsoft. A Sony caiu 13% com as preocupações de que poderia ser superada.

Mas o choque do mercado logo amainou. As ações da Sony recuperaram parte do terreno perdido em 24 horas, e o salto em outras ações de games foi modesto comparado às quedas de preço que a maioria havia experimentado à medida que a pandemia parecia diminuir.

A suposição imediata do mercado de que o acordo desencadearia uma onda de consolidação é uma reação simplista, segundo um executivo de uma das maiores editoras de games. "Sabe o que torna a vida interessante?", acrescentou essa pessoa. "Não costuma funcionar assim."

Outros observadores da indústria sugerem que a aquisição representa apenas uma intensificação da batalha que já está sendo travada entre o Xbox da Microsoft e o PlayStation da Sony, e não o prenúncio de uma reviravolta maior pela frente. Seu principal impacto pode muito bem ser "um reinício das guerras de consoles, em vez de uma mudança das guerras de consoles para uma guerra mais geral em várias plataformas", disse Pelham Smithers, antigo analista do setor.

No entanto, mesmo que o ceticismo dos analistas se mostre correto e não seja a arma inicial para uma ampla reformulação da indústria, a proposta da Microsoft ainda destacou as apostas crescentes em um ramo cuja receita anual de US$ 180 bilhões (R$ 975 bilhões) em 2021 já é o dobro da da indústria cinematográfica.

Jogos da Activision como Call of Duty, World of Warcraft e Candy Crush hoje atraem centenas de milhões de jogadores. Os mais populares estão sendo distribuídos em diversas plataformas, tornando-os disponíveis em consoles, PCs ou smartphones. E seus criadores encontraram novas maneiras de tirar dinheiro desse público em expansão, inclusive por meio de publicidade, compras no game e assinaturas.

"Quinze anos atrás, você tinha uns 200 milhões de jogadores no mundo, e hoje são cerca de 2,7 bilhões", disse Neil Campling, analista de tecnologia da Mirabaud Securities. "Tornou-se a principal forma de mídia."
Call of Duty, franquia de grande sucesso da Activision, saltou dos consoles de games e PCs para o mercado de celular, que cresceu para ser tão grande em faturamento quanto os negócios de consoles e PCs combinados. As compras feitas por jogadores dentro dos jogos já representam a maior parte das receitas de transações in-games da Sony, segundo Damian Thong, analista sênior da Macquarie em Tóquio.

Bobby Kotick, presidente-executivo da Activision, disse ao explicar o acordo com a Microsoft que essa proliferação de plataformas e novas formas de distribuição tornou difícil até mesmo para grandes empresas como a dele acompanhar os requisitos tecnológicos do mercado de games hoje.

Algumas das maiores empresas de tecnologia já têm participações significativas no mundo dos jogos, mesmo que não tenham se esforçado muito para produzir jogos por conta própria. Isso inclui as lojas de aplicativos móveis da Apple e do Google, que são a principal vitrine para o maior segmento do mercado de jogos. O Twitch da Amazon e o YouTube do Google atraem um público enorme para assistir videogames. E por meio de seus headsets [dispositivo de visão e audição] Oculus o Facebook detém a maior parte do mercado incipiente de realidade virtual.

A Meta Platforms --nome adotado pelo Facebook para refletir seu novo foco no metaverso-- foi uma das empresas abordadas pela Activision para ver se queria explorar uma aquisição, conforme uma pessoa familiarizada com a conversa.

Kathryn Rudie Harrigan, professora da Universidade Columbia, descreveu a ação da Microsoft na Activision como um ataque preventivo para tirar a liderança da Meta na criação das primeiras versões do metaverso. "O Facebook roubou o trovão deles" com seu avanço para a realidade virtual, disse ela, então comprar a Activision daria à Microsoft a chance de pelo menos dar um passo à frente do Facebook.

Reguladores e rivais

As maiores empresas de tecnologia também têm os bolsos mais fundos para fazer as grandes apostas que hoje acontecem na indústria de games. Mesmo para uma grande empresa como a Sony, comprar a Activision teria sido um esforço, respondendo por mais da metade de seu valor de mercado, de US$ 145 bilhões (R$ 786 bilhões).

Por outro lado, o preço de compra representou apenas 3% do valor da Microsoft e menos que seu último fluxo de caixa operacional anual. Isso fez do enorme acordo pouco mais que uma aquisição "protegida" --embora considerável-- para reforçar um negócio que a maioria dos investidores da Microsoft nem sequer considerava essencial para o futuro da empresa.

Espera-se que o acordo seja submetido a intenso escrutínio por reguladores, o que poderá levar 18 meses --e, com o Google e o Facebook recebendo reclamações antitruste do governo dos Estados Unidos, outras aquisições das big techs poderão agora ser politicamente impossíveis. Além disso, as primeiras tentativas do Google e da Amazon de criar seus próprios estúdios de jogos falharam, situando-as muito atrás da Microsoft, que já havia construído um negócio de estúdio de jogos considerável nas duas décadas desde que lançou seu console Xbox.

A Microsoft enfrenta forte oposição de rivais maiores na indústria de jogos. A Tencent, empresa chinesa que lidera o setor, com receitas em 2020 de US$ 30,6 bilhões (R$ 166 bilhões), é amplamente considerada um modelo para o futuro dos games em outras partes do mundo, combinando jogos para celular e apps de mensagens para alcançar um vasto público na China. E a Sony, embora brevemente prejudicada pelas notícias do negócio da Activision, também investiu em jogos para dispositivos móveis e trabalha em um serviço de assinatura, procurando estender seu alcance a novos mercados.

Enquanto as maiores empresas de games hoje disputam posições, o impacto mais imediato do negócio da Microsoft será sentido no mercado de consoles. Depois de perder em termos de vendas e usuários para o PlayStation da Sony nas duas últimas gerações de consoles de jogos, a compra da Activision pode aumentar seu acesso a games exclusivos que ajudem a aumentar as vendas de consoles.

Problemas recentes de produção que prejudicaram o PlayStation podem ter dado à Microsoft um incentivo extra para se apoderar da Activision, enquanto tenta ultrapassar sua rival de longa data, na opinião de Smithers.

Nesse caso, reforçaria a natureza oportunista da aquisição. As dificuldades da Activision para superar amplas denúncias de assédio sexual no local de trabalho prejudicaram o preço de suas ações e levaram a pedidos de mudança de liderança no ano passado, abrindo caminho para a oferta da Microsoft.

Embora a rivalidade dos consoles forneça um forte incentivo para a aquisição, é em mercados mais novos e em crescimento que o impacto do acordo poderá ser sentido mais intensamente. Aumentar o conteúdo exclusivo poderá impulsionar o serviço de assinatura da Microsoft, Game Pass, que já tem 25 milhões de clientes. E, segundo Nadella, o acordo colocaria a Microsoft em uma posição mais forte para entregar jogos para celulares em países emergentes, abrindo grandes novos mercados.

Por enquanto, pelo menos, a Microsoft tentou acabar com as especulações de que a busca por novos serviços e públicos a levará a manter a exclusividade de mais jogos da Activision --nesse processo, barrando-os para plataformas rivais. Phil Spencer, diretor de seu negócio de games, tuitou esta semana que havia assegurado pessoalmente aos executivos da Sony o "desejo da Microsoft de manter Call of Duty no PlayStation".

Dado o escrutínio dos órgãos reguladores, tais garantias fazem sentido. "A Activision e a Microsoft não querem criar entre os reguladores a ideia de que vão [formar] uma loja fechada", disse um grande e antigo acionista da Sony.

Com o negócio de assinaturas ainda representando uma pequena parte das receitas da indústria de jogos, transformar Call of Duty em um exclusivo para alimentar o serviço Game Pass da Microsoft não faria sentido econômico, dizem analistas financeiros. A Microsoft teria que conquistar 5 milhões de assinantes para compensar as vendas que perderia se tirasse Call of Duty do PlayStation, estima David Gibson, analista sênior da MST Financial.

Considerações como essas tornam provável que a Microsoft não faça muito para agitar o setor em curto prazo. Mas, à medida que atinge um novo grande público global, a estrutura em longo prazo da indústria de games parece estar em jogo.

*Colaboraram James Fontanella-Khan, em Nova York, Anna Gross, em Londres, e Patrick McGee, em San Francisco

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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