Descrição de chapéu
Financial Times

Inteligência Artificial deveria pagar a artistas humanos por treinamento

Pintores e cantores precisam de proteção jurídica contra a revolução na criatividade algorítmica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

John Gapper

Colunista de negócios do FT Weekend. No jornal desde 1987, foi comentarista-chefe de negócios e editor de opinião e análise do jornal. Já trabalhou em Londres, Nova York e Tóquio, e cobriu bancos, mídia e tecnologia e emprego

Um apartamento acima de uma loja de frango frito em Notting Hill, em Londres, é um lugar estranho para ser o centro do que foi chamado de "uma das questões legais mais importantes" do século 21. É a sede da Stability AI, grupo de inteligência artificial que está incomodando artistas de todo o mundo.

A Stability AI é administrada por Emad Mostaque, um cientista da computação e ex-funcionário de fundos de hedge. A firma opera o software de geração de imagens Stable Diffusion, descrito em um processo nos Estados Unidos como "uma ferramenta de colagem do século 21 que remixa obras protegidas por direitos autorais de milhões de dólares". Digite "Elon Musk em uma pintura de Van Gogh" e ele produzirá uma divertida imitação.

As três mulheres artistas por trás do processo nos Estados Unidos têm apoio. A Getty Images, agência de fotografias com 135 milhões de imagens protegidas por direitos autorais em seu banco de dados, iniciou na semana passada outra ação legal contra a Stability AI nos tribunais do Reino Unido. As imagens da Getty, juntamente com milhões de outras, são usadas para treinar o Stable Diffusion para que ele possa realizar seus truques.

Reprodução do trabalho de Jason M. Allen, o "Théâtre d'Opéra Spatial", que venceu consurso no Colorado, Estados Unidos - NYT

A revolução generativa da IA (inteligência artificial) estourou rapidamente: o Stable Diffusion foi lançado em agosto e já promete "capacitar bilhões de pessoas a criar arte impressionante em segundos". A Microsoft fez um investimento multibilionário na OpenAI, que no ano passado revelou o gerador de imagem a partir de texto Dall-E e dirige o ChatGPT.

A arte visual não é a única disciplina em que os agentes de IA ameaçam causar comoção. A indústria da música está tremendo com a perspectiva de milhões de músicas (e bilhões de dólares em propriedade intelectual) serem examinadas pela IA para produzir novas faixas. O grupo de entretenimento chinês Tencent Music lançou mais de mil faixas com vozes sintéticas.

Em teoria, a arte algorítmica não consegue escapar dos direitos autorais e outras leis de propriedade intelectual, assim como os humanos: se uma ferramenta de IA produz uma música ou uma imagem que não transforme as obras nas quais ela se baseia o suficiente para ser original, os artistas que foram explorados podem processar. Usar uma caixa preta para disfarçar o que foi apelidado de "lavagem de música" não é uma estratégia legal convincente.

Um agente de IA que aprende a partir de um banco de dados também não é totalmente diferente do que os humanos sempre fizeram. Eles ouvem músicas de bandas rivais e estudam outros artistas para aprender com suas técnicas. Embora os tribunais estejam cheios de disputas sobre se os compositores copiaram ilegalmente, ninguém lhes diz para tapar os ouvidos ou adverte os pintores para fecharem os olhos nas exposições.

Mas a escala faz toda a diferença, como a indústria fonográfica sabe muito bem. Era bastante seguro na era pré-digital, quando a música era vendida em vinil e CDs e às vezes copiada em fitas pelos fãs. Quando o Napster permitiu o download em massa e a distribuição de faixas digitais, a indústria enfrentou grandes problemas antes de ser resgatada pelo Spotify e pelo streaming licenciado.

As ferramentas de IA não apenas processam bancos de dados, como também fabricam imagens sob encomenda: por que parar em Van Gogh quando se pode obter um Musk feito por Monet, Gauguin ou Warhol apenas digitando comandos? Não é arte de alto nível, mas Estelle Derclaye, professora de direito de propriedade intelectual na Universidade de Nottingham, no Reino Unido, observa que "se a IA começar a substituir a criatividade humana, teremos um problema".

Os humanos preservam muitas vantagens: uma versão sintética de Harry Styles com outro nome não seria nem um pouco tão popular quanto o artista, mesmo que o proprietário da ferramenta de IA escapasse impune. Mas há outros usos –música de fundo em videogames, por exemplo– para os quais uma banda sintética que toca parecido com o BTS pode ser boa o suficiente.

Tentar interromper a arte da IA seria impossível, além de indesejável. Mas é preciso definir a estrutura jurídica para evitar que a criatividade humana seja prejudicada financeiramente. A questão levantada por Getty é se empresas como a Stability AI devem ser capazes de treinar suas ferramentas de IA com grandes quantidades de material protegido por direitos autorais sem pedir permissão ou pagar taxas de licença.

Isso é legal para pesquisa em muitos países, e o governo do Reino Unido propôs ampliá-lo para uso comercial. Houve apelos semelhantes nos EUA para que modelos de IA tenham o direito de um "aprendizado justo" com tais dados, porque seria impossível rastrear todos os detentores de licenças de gigabytes de material extraído da web, buscar autorização e recompensá-los.

Isso me parece muito blasé, parecido com os argumentos da época do download ilegal de que o cavalo digital havia disparado e todos tinham de se acostumar com isso. A Stability AI foi avaliada em US$ 1 bilhão e o investimento da Microsoft na OpenAI mostra que há dinheiro disponível; o que falta é um mecanismo para distribuir mais entre os criadores.

Os indivíduos precisam de mais proteções: uma coisa é treinar o software de IA em uma massa de material, mas e se alguém o alimentar com as obras de um único artista vivo e depois pedir um novo desenho no estilo dele? Um ilustrador de Los Angeles foi submetido recentemente a tal "sintonia fina" de IA por um usuário do Stable Diffusion; não está claro se um tribunal chamaria isso de uso justo, mas eu não chamaria.

"Por favor, saibam que levamos esses assuntos a sério", prometeu a Stability AI na semana passada. Sua declaração foi redigida por um ser humano ou por uma ferramenta de IA? Hoje em dia, é muito difícil saber.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.