Descrição de chapéu tiktok tecnologia

Nos EUA, CEO do TikTok foi convocado a explicar relação com governo chinês

Companhia confirmou que funcionários tiveram acesso indevido a dados de jornalistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O CEO do TikTok, Shou Zi Chew, vai prestar depoimento ao Congresso dos EUA no dia 23 de março para esclarecer se o aplicativo coloca em risco a segurança de cidadãos norte-americanos.

A audiência foi convocada pela Comissão de Energia e Comércio do Congresso Americano para tratar também da relação da rede social com o Partido Comunista Chinês (PCC) e do impacto sobre crianças, logo após os republicanos assumirem maioria na Câmara neste ano.

Desde outubro, a controladora do TikTok, ByteDance, é alvo de denúncias de espionar jornalistas norte-americanos. Em dezembro, confirmou à revista Forbes que funcionários acessaram dados de plataforma para espionar jornalistas do Financial Times e do BuzzFeed News.

Logo do TikTok aparece cercado por bandeiras da China.
O TikTok foi a primeira rede social chinesa a ganhar projeção nos Estados Unidos. Hoje, tem mais de 80 milhões de usuários norte-americanos, indicam estimativas - Florence Lo/Reuters

O TikTok, desde então, tem enfatizado sua política de transparência e foi, por exemplo, a primeira rede social a mostrar partes de seu código fonte a um grupo de jornalistas dos EUA, em fevereiro.

À Folha, a representação brasileira da ByteDance diz que vai compartilhar seus planos na audiência e espera uma abordagem mais deliberativa por parte dos parlamentares.

"Agradecemos a oportunidade de podermos, diante da Comissão de Energia e Comércio da Câmara dos Estados Unidos, oferecer esclarecimentos a respeito do TikTok, da Bytedance, e do compromisso que estamos adotando para abordar as preocupações dos parlamentares americanos com a segurança nacional", afirma.

A rede social está na mira da administração norte-americana desde o governo do republicano Donald Trump, que tentou pressionar, em 2020, a venda da operação local da empresa a uma companhia nacional. Estiveram no jogo Microsoft e Oracle, mas a ByteDance decidiu resistir na Justiça.

O democrata Joe Biden travou as negociações depois de assumir em 2021. Atualmente, a empresa negocia um acordo para manter o tratamento de dados do aplicativo nos Estados Unidos em território norte-americano.

"Há uma série de medidas técnicas, de arquitetura de redes e design do fluxo de dados, que pode trazer mais conforto aos EUA", diz Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa.

A comissão parlamentar alega que já ouviu representantes de outras gigantes da tecnologia como Twitter, Facebook e Google —"as big techs são cada vez mais uma força destrutiva na sociedade norte-americana", afirmaram em nota.

Entenda o que está por trás do julgamento.

Como surgiram as acusações contra o TikTok de risco a segurança de dados?
A revista Forbes denunciou, em outubro, planos da ByteDance para monitorar a localização de cidadãos norte-americanos que supostamente representassem perigo à empresa. O responsável pelo projeto seria o executivo de auditoria interna e controle de riscos Song Ye.

O foco do projeto seria nos funcionários da empresa, mas documentos aos quais a Forbes teve acesso indicaram que ao menos duas pessoas de fora da big tech foram espionadas.

Na ocasião, a empresa não especificou se visava vigiar membros do governo, funcionários estatais ou outros atores da sociedade civil, mas, em dezembro, confirmou que os alvos da arapongagem eram jornalistas do Financial Times e do Buzzfeed News.

Segundo a empresa, o motivo teria sido a apuração de um possível caso de vazamento de informações à imprensa. Os quatro funcionários que acessaram dados indevidamente foram demitidos.

O uso de metadados com objetivos econômicos é comum, mas as finalidades devem ser apresentadas ao titular de dados de forma clara, de acordo com Rafael Zanatta, da Data Privacy Brasil. "A utilização para fins de monitoramento sistemática de uma pessoa para fins de produção de relatórios individualizados é uma violação de direitos fundamentais".

Quais dados foram consultados pela equipe do TikTok?
O TikTok não armazena dados de geolocalização. Para inferir a localidade aproximada do alvo de espionagem a empresa teria cruzado endereço de IP (espécie de rastro deixado na internet) com outras informações pessoais.

No Brasil, os dados de geolocalização não são considerados sensíveis e podem ser tratados com fins específicos. Alguns estados norte-americanos, como a Califórnia, porém, consideram crime o vazamento de informações georreferenciadas.

Após as denúncias da Forbes, parlamentares dos EUA indicaram preocupação com a segurança dos dados de usuários e com o acesso de funcionários chineses da empresa a informações sobre norte-americanos.

Como reagiu o Congresso norte-americano?
No fim de 2022, o Senado aprovou um projeto de lei para vetar o uso de TikTok em todos os dispositivos cedidos pelo governo dos EUA. O presidente Joe Biden sancionou a legislação em 30 de dezembro de 2022.

Três legisladores republicanos ainda propuseram proibir o funcionamento da rede social de vídeos curtos em território norte-americano.

O depoimento do CEO Shou Zi Chew foi determinado pela Comissão de Energia e Comércio do Congresso Americano, logo após os republicanos assumirem maioria na Câmara neste ano. A comissão, entretanto, é dividida igualmente entre os dois principais partidos da maior economia do mundo —são 26 democratas e 26 republicanos.

Segundo o professor de direito internacional José Augusto Fontoura, da USP, a política de barrar os negócios chineses é um dos poucos consensos entre os dois partidos dos Estados Unidos.

O TikTok representa um risco à hegemonia econômica dos EUA nas aplicações de internet. "Há pesquisas que mostram que, enquanto Instagram cresceu 40% de sua base entre 2018 e 2021, o TikTok cresceu mais de 600%", diz Zanatta, do DataPrivacy Brasil.

Como o TikTok tem respondido?
Uma pessoa familiarizada com o escritório do TikTok nos EUA diz que representantes da rede social têm reforçado o diálogo com parlamentares para apresentar propostas para reforçar a proteção de dados. Uma delas seria manter todo o tratamento de dados de norte-americanos no aplicativo sob jurisdição dos Estados Unidos.

A gigante chinesa ByteDance também tem investido em ações para ressaltar sua transparência. No início de fevereiro, a empresa convidou jornalistas dos Estados Unidos para visitar seu centro de transparência. Lá, mostrou aos repórteres o código fonte do aplicativo —foi a primeira vez que uma big tech tomou essa iniciativa.

De acordo com o jornalista especializado na cobertura de redes sociais Casey Newton, podcaster do New York Times, os trechos reforçavam noções antigas sobre essas plataformas —elas são desenhadas para reter a audiência o maior tempo possível. "Não foi possível ver muito além disso".

Conforme Newton, o grande problema continua a ser o armazenamento de dados de norte-americanos por uma empresa à mercê da ditadura chinesa.

De acordo com o diretor da Data Privacy Brasil Rafael Zanatta, obrigações de transparência e accountability são o elemento central de projetos de lei que buscam regular plataformas como TikTok.

Pressão sobre TikTok começou agora?
A ofensiva contra o aplicativo chinês começou ainda no governo de Donald Trump, encerrado em janeiro de 2021, que também citava preocupações com a segurança nacional.

Trump ameaçou vetar o aplicativo nos Estados Unidos para tentar forçar a compra da rede social de vídeos por empresas norte-americanas. Entraram na disputa Microsoft e Oracle —essa última teve mais sucesso.

Ao mesmo tempo, a ByteDance trava uma disputa judicial com o Departamento de Comércio dos EUA para evitar o encerramento das atividades no país.

O presidente Joe Biden travou em fevereiro de 2021 os esforços de Oracle e Walmart, que haviam fechado um consórcio, para comprar a operação norte-americana do TikTok.

O que o governo norte-americano pode fazer?
Caso retome os planos de forçar aquisição da operação norte-americana do TikTok, o governo norte-americano pode separar a operação tanto em termos técnicos e operacionais, quanto de controle comercial, de acordo com o especialista José Augusto Fontoura.

Isso não afetaria a operação brasileira do aplicativo, que continuaria sob controle dos donos chineses. Além disso, o escritório do TikTok nos EUA não trabalha com a possibilidade de banimento no país após receber sinais positivos de legisladores locais, segundo um interlocutor.

Quais interesses estão em jogo?
Hoje, há uma disputa de interesses entre China e Estados Unidos em diversos setores da economia, o que inclui as redes sociais. Por isso, Fontoura diz que o embate político pode ter majorado os efeitos de um ilícito cometido pelo TikTok.

"Não acho que os chineses sejam santos, mas duvido que Facebook, WhatsApp e outras redes não usem indevidamente os dados", diz o professor de direito da USP.

Por outro lado, todas essas redes sociais e outras mais com administração nos Estados Unidos são banidas na China.

Zanatta, do DataPrivacy Brasil, lembra da denúncia de Edward Snowden sobre o programa de vigilância PRISM, operado pela agência norte-americana NSA (Agência Nacional de Segurança, em tradução livre), que vasculhava dados de Gmail, Youtube e no chat do Facebook.

A Suprema Corte da Alemanha também julgou, em 2023, que o uso de dados pessoais para prevenir crimes é irregular, em caso que envolveu a empresa norte-americana Palantir

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.