Descrição de chapéu The New York Times Twitter

Após mudanças em selos de verificação, acreditar em tuítes está cada vez mais difícil

Fim das marcas azuis que ajudavam a autenticar as contas convulsionou uma plataforma que parecia indispensável para acompanhar notícias

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Steven Lee Myers Sheera Frenkel Tiffany Hsu
San Francisco | The New York Times

Nas 24 horas depois que o Twitter eliminou, na semana passada, o selo azul de verificação que historicamente servia como meio de identificar órgãos públicos, pelo menos 11 novas contas começaram a se passar pelo Departamento de Polícia de Los Angeles.

Mais de 20 fingiam ser vários órgãos do governo federal dos Estados Unidos. Alguém que dizia ser o prefeito da cidade de Nova York prometeu criar um Departamento de Fiscalização de Trânsito e Estacionamento e cortar o orçamento da polícia em 70%.

A decisão de Elon Musk de parar de dar marcas de autenticidade a pessoas e grupos verificados como sendo quem eles dizem ser e, em vez disso, oferecê-las a qualquer um que pagar por um desses símbolos, é a mais recente confusão no Twitter, a rede social que ele prometeu refazer desde que a adquiriu no ano passado por US$ 44 bilhões.

Icônico selo azul de verificação no Twitter agora está restrito a assinantes do Twitter Blue - Reuters

As mudanças convulsionaram uma plataforma que antes parecia indispensável para se acompanhar as notícias conforme elas surgiam. As informações no Twitter hoje são cada vez menos confiáveis. Contas que se fazem passar por autoridades, órgãos governamentais e celebridades proliferaram. O mesmo aconteceu com a propaganda e a desinformação, que ameaçam minar ainda mais a confiança nas instituições públicas. As consequências apenas começam a vir à tona.

Alyssa Kahn, pesquisadora associada do Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Atlantic Council, disse que o Twitter sob o comando de Musk está desmontando sistematicamente as salvaguardas que foram implementadas ao longo de anos de avaliação e discussão.

"Quando há muitas coisas dando errado ao mesmo tempo, é como: qual incêndio você apaga primeiro?", disse ela.

Depois de uma disputa pública com a NPR (Rádio Pública Nacional), que o Twitter rotulou falsamente como um "veículo de comunicação afiliado ao Estado", a plataforma removeu na semana passada todos os rótulos que identificavam mídias estatais, incluindo as controladas por países autoritários como Rússia, China e Irã.

Isso, juntamente com a decisão de parar de bloquear recomendações para essas contas, coincidiu com um aumento do engajamento em muitas delas, segundo pesquisa do Laboratório de Pesquisa Forense Digital e outra organização que estuda desinformação, a Reset, com sede em Londres.

No Sudão, novas contas no Twitter representam falsamente os dois lados da guerra civil que assola o país. Uma conta que supostamente comprou um selo de verificação azul proclamou falsamente a morte do líder rebelde, tenente-general Mohamed Hamdan, das Forças de Apoio Rápido. Mais de 1,7 milhão de pessoas visualizaram o tuíte.

A nova diretora de confiança e segurança do Twitter, Ella Irwin, não respondeu a um pedido de comentário sobre as mudanças e suas consequências.

O Twitter sempre foi uma fonte de desinformação, ou pior, mas as políticas anteriores tentavam informar os leitores sobre as fontes do conteúdo e limitar os casos mais nocivos. A estreia das contas autenticadas na rede social, em 2009, geralmente é associada a Tony La Russa, um diretor da liga principal de beisebol que processou o Twitter por violação de marca registrada e outras demandas, após de ter um perfil falso publicado na plataforma.

Com o tempo, contas autenticadas com selos azuis direcionaram os usuários para fontes oficiais e pessoas reais. Rotular organizações de notícias como veículos estatais indicava que os relatos refletiam um certo ponto de vista.

Os falsários se tornaram um problema quase imediatamente depois que Musk assumiu o comando, em novembro, e se ofereceu para vender os selos a qualquer pessoa que pagasse uma taxa mensal. Ele voltou atrás depois que empresas como Eli Lilly e PepsiCo tiveram problemas com contas falsas aparentemente verificadas, que prometiam insulina de graça ou elogiavam a superioridade da Coca-Cola.

Na semana passada, o Twitter começou a remover as marcas azuis de empresas, agências governamentais, organizações de notícias e outras que não concordaram em pagar. Parece que muitas optaram por não se inscrever, embora o Twitter não tenha divulgado números.

Alguns aplaudiram as mudanças.

"Agora você pode até me encontrar na busca", tuitou Margarita Simonyan, editora-chefe da RT, rede de televisão estatal russa que foi acusada de desinformação desenfreada e discurso de ódio dirigidos à Ucrânia. Ela assinou o tuíte dizendo: "Fraternalmente, Elon @elonmusk, de coração".

Os algoritmos do Twitter antes excluíam das recomendações as contas rotuladas como de autoridades ou mídia estatal, diminuindo o engajamento. De acordo com a Reset, 124 contas pertencentes à mídia estatal russa receberam em média 33% mais exposição em visualizações e impressões depois das mudanças, que entraram em vigor no final de março.

Entre elas estão contas como a de Dmitri A. Medvedev, ex-presidente da Rússia e vice-presidente do conselho de segurança do país, que postou uma fotografia distorcida do presidente dos EUA, Joe Biden, na terça-feira (25), chamando-o em inglês de "velhote ousado".

Quando uma conta argumentou neste mês que o Twitter estava ampliando a propaganda genocida da Rússia contra a Ucrânia, Musk respondeu com desdém: "Todas as notícias são propaganda, em certa medida. Deixe as pessoas decidirem por si mesmas". (A conta à qual ele estava respondendo já foi suspensa.)

Pesquisadores disseram que as mudanças repentinas no modo como os selos de autenticidade são obtidos ameaçam criar confusão, no mínimo. Elas também podem minar a confiança numa ferramenta de comunicação durante crises como desastres naturais.

A conta principal do Departamento de Polícia de Los Angeles tem um selo de verificação cinza, que o Twitter criou para "contas tradicionais [legacy]", mas nem todas as suas agências o têm –a divisão de Hollywood, por exemplo.

Além de fornecer selos de verificação azuis por US$ 8 mensais, o Twitter convidou as organizações a pagarem US$ 1.000 para receber selos dourados para diversas contas. Por algum tempo, pelo menos, um desses foi concedido a um impostor chamado @DisneyJuniorUk.

"Isso vai ser um caos para os serviços de emergência", tuitou Marc-André Argentino, pesquisador do Centro Internacional de Estudos da Radicalização, com sede em Londres.

Argentino rastreou exemplos mostrando uma conta que se fazia passar pelo prefeito de Chicago respondendo a outra que fingia ser o Departamento de Transportes da cidade. Em outro, a conta verdadeira da prefeitura da cidade de Nova York discutia com um impostor.

"Sim, isso é engraçado, vamos todos rir", escreveu Argentino. "Agora, gaste dois segundos e lembre de algum incidente com muitas vítimas numa grande cidade, ou um desastre natural, ou qualquer crise/incidente crítico, quando as pessoas recorrem a fontes de informação oficiais em momentos de necessidade, e pense no mal que isso pode causar."

Na sexta-feira (21), a filha do comediante George Carlin, Kelly Carlin, tuitou uma denúncia de que alguém estava se passando pela conta que ela administra para seu falecido pai, usando a mesma foto de perfil e alegando ser ela.

"COMEÇA AQUI", escreveu ela, depois de várias tentativas malsucedidas de remover a conta do impostor, reclamando que "o Twitter está quebrado". A conta falsa continuava ativa na quarta (26), com nove seguidores.

Josh Boerman, que coapresenta um podcast de cultura pop, "O Pior de Todos os Mundos Possíveis", foi a origem da conta falsa do prefeito de Nova York, Eric Adams, que prometia criar um departamento de trânsito e estacionamento e cortar as verbas da polícia.

Boerman disse que se esforçou para deixar sinais óbvios de que era um imitador. Seu tuíte incluía cenários irreais em que as armas dos policiais eram derretidas e vendidas como sucata, com os lucros indo para o departamento de parques. Ele inventou uma organização com um nome ridículo: a Associação Beneficente Porcina da Cidade de Nova York. E promoveu seu podcast para seu público relativamente pequeno no Twitter, 1.700 usuários.

"Praticamente todo mundo entendeu de imediato que era uma piada, o que eu esperava –eu não estava tentando enganar ninguém", disse Boerman. "A questão é que isso pode ser tanto uma piada sobre a situação da rede agora quanto uma oportunidade de pensar sobre a maneira como a mídia é difundida e o que pensamos sobre nossas figuras públicas."

A remoção dos selos azuis de verificação causou um "caos imediato e puro", mas a novidade acabou se desgastando, disse ele. Seu nome de perfil agora é "bosh (não mais prefeito)". Ele disse que tem o cuidado de confirmar qualquer anúncio que vê no Twitter usando outras fontes.

"O problema é quando contas que podem ter centenas de milhares de seguidores se posicionam como reais", disse Boerman. "A abordagem do Twitter de 'Bem, se as pessoas pagam pela verificação, certamente devem ser legítimas' é tão ridícula que nem sei como pôr em palavras."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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