ALEXANDRE ORRICO
DE SÃO PAULO

A internet é um meio de comunicação diferente da TV ou do jornal impresso. Ao assinar um provedor de conexão de internet, você tem direito automático ao uso do Google ou de blogs pessoais de seus amigos, sem que nem você nem os sites sejam obrigados a pagar para que isso aconteça.

Você não precisa "assinar" os sites, como assina os canais de TV a cabo, nem pode ter a conexão reduzida quando entrar neste ou naquele endereço.

Esse é o princípio do conceito conhecido como neutralidade da rede, segundo o qual todas as informações devem navegar na mesma velocidade. Nos Estados Unidos, a discussão está no ápice. Afinal, quem usa mais deve pagar mais?

No Brasil, em outro ponto polêmico, o Marco Civil propõe a garantia da neutralidade, que hoje em dia pode apenas "ser depreendida da constituição ou de uma leitura extensiva do Código de Defesa do Consumidor", diz Paulo Rená, gestor do projeto do Marco Civil.

A polêmica está no artigo 12 da seção III: "O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, conteúdo, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedado estabelecer qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos destinados a preservar a qualidade contratual do serviço".

"O trecho pode abrir espaço para que o provedor continue bloqueando e limitando a banda do usuário para determinadas atividades, desde que justifique como sendo em prol da qualidade do serviço", afirma Frederico Pandolfo, 25, analista de sistemas, pessoa que mais comentou no projeto.

"Isso vai dar margem a continuidade do nefasto traffic shaping", comenta Jorge Zhukov, participante do debate. Victor Hugo, outro comentarista, propõe: "Prezados, não seria melhor colocar que o prestador de serviço de internet não deve interferir no tráfego de dados e ser transparente nos procedimentos que ele adotará?".

O traffic shapping citado por Jorge é um exemplo de violação do princípio. Quem usa com frequência protocolos para downloads de arquivos, como o BitTorrent, sabe o que o termo significa.

Alguns provedores limitam a conexão de usuários que ultrapassem um limite de Gbytes para downloads. Outros limitam a velocidade mesmo antes da cota estabelecida ser atingida.

Sem a neutralidade garantida, o internauta pode enfrentar lentidão extrema ao acessar um determinado site de notícias e, ao mesmo tempo, navegar com tranquilidade num site noticioso parceiro do provedor de internet, por exemplo. Em geral, empresas com maior poder financeiro seriam beneficiadas.

"Imagine que você ligue para a pequena pizzaria da esquina da sua casa, e a primeira coisa que ouve é "você será atendido dentro de 2 minutos, mas caso queira ligar para a Pizza Hut, o atendimento será imediato'".

Quem faz a analogia é Craig Newmark, criador do site Craigslist, exemplificando o que o fim da neutralidade da internet representaria.

Provedores

"Somos defensores da neutralidade de rede e contra qualquer tipo de filtro. Isso é contra a própria internet", diz Eduardo Parajo, presidente da Abranet. Mas ele faz um adendo: "Desde que não seja explicitamente claro no momento de contratação do usuário".

Questionado se os contratos não podem ser abusivos, Parajo diz: "Isso é consequência de um problema sério que temos: falta de concorrência no setor. Se ele [o internauta] está tendo esse tipo de dificuldade, o ideal é procurar outro provedor".