Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Aquele caminhão me atropelou

Mesmo o mais fanático terrorista não pode supor que vai ganhar a guerra atacando na Promenade des Anglais em Nice.

O objetivo é outro. Trata-se, em primeiro lugar, de fazer propaganda de sua força e de sua capacidade de atingir símbolos do modo de vida ocidental, expondo ao mesmo tempo a vulnerabilidade deles.

"Evitar um ataque como o de Nice é excepcionalmente difícil. O atacante escolheu um alvo 'soft' (não defendido) e mostrou que uma pessoa doente pode matar muitos com a correta combinação de determinação e sorte", escreve, para "Slate", Daniel Byman (Georgetown University).

Há um segundo objetivo: tirar as pessoas sensíveis da zona de conforto, do poder dizer "ainda bem que não foi comigo", para fazê-las pensar "sim, poderia ter sido comigo".

Ou, como preferiu Christophe Berti, em seu editorial para o belga "Le Soir": "O fato é que [os atentados] nos devolvem, uma vez mais, à nossa fragilidade: famílias, crianças, turistas, vítimas inocentes, você, eu".

Uma coisa é a solidariedade que todo ser civilizado deve às vítimas; outra é sentir-se também alvo.

Confesso que tomei como pessoal o "você" do editorial de Berti. Já havia sentido algo parecido após os atentados em Bruxelas e ao aeroporto de Istambul.

Bruxelas é uma das minhas cidades de estimação, primeiro porque tem uma das praças mais lindas do mundo, a Grand Place, e, segundo, porque vivo de informação há 53 anos e a capital belga é o paraíso para quem gosta dessa matéria prima essencial à vida.

Morei lá durante dois meses, ainda por cima em uma área com boa quantidade de muçulmanos, sempre os acusados pelos atentados terroristas. Conheço, portanto, as áreas atingidas pelos atentados de março.

Já Istambul, com ou sem golpe, é uma das dez cidades que eu incluiria facilmente na lista das que preciso revisitar antes de morrer. O aeroporto Atatürk é, por sua vez, o inescapável ponto de entrada para a capital econômica da Turquia e, mais que isso, um verdadeiro "shopping center" de quase tudo o que o país tem para mostrar em seu esforço para ser cada vez mais europeu e menos asiático.

Mas o ataque na Promenade des Anglais me pegou mais que qualquer outro. Hospedei-em nela mesma, anos atrás, com a família (mulher, filho, nora e neta). Passeamos inúmeras vezes no mesmíssimo trajeto que o caminhão assassino percorreu na noite da quinta-feira (14).

O fato de que 10 crianças e adolescentes foram mortas só faz doer mais. Nunca esqueço frase do grande escritor argentino Ernesto Sábato (1911-2011), ao ser lançada a associação Avós de Praça de Mayo, que buscava crianças roubadas dos pais durante a ditadura do período 1976-83: "Nós, adultos, de algo somos sempre culpados, mas as crianças, que culpa podem ter as crianças?"

O pior de tudo é avaliação recente de John Brennan, diretor da CIA: "Na medida em que aumenta pressão sobre o Estado Islâmico [nos territórios que ocupa], acreditamos que ele vai intensificar sua campanha global de terrorismo, para manter seu domínio da agenda terrorista global". Assustador, não?

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