Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A fera que Putin cutucou dá seu primeiro tiro

Vladimir Putin ganhou a batalha de Aleppo para o ditador sírio Bashar Al-Assad mas pode ter perdido o relativo distanciamento de que a Rússia vinha se beneficiando em relação ao terrorismo islâmico.

É uma perspectiva possível a propósito do atentado que causou a morte do embaixador russo na Turquia, atacado, segundo a rede turca NTV, aos gritos de "vingança por Aleppo".

Claro que qualquer avaliação é por enquanto precária ou, na melhor das hipóteses, preliminar, até porque o atacante foi morto. É razoável supor, por isso, que levará algum tempo até que se estabeleça seu perfil e, por extensão, a sua motivação.

Mas o fato é que se envolver em um conflito que envolve alta dose de fanatismo, inclusive religioso, cobra sempre um preço, mais cedo ou mais tarde.

É importante assinalar que o embaixador atacado estava inaugurando uma exposição de fotografias da Rússia, tomadas por fotógrafos turcos. Se de fato pretendia vingar Aleppo, o atirador encontrou uma ocasião perfeita. A palavra "Rússia" virou chamariz.

Não seria, de resto, a primeira vez em que a Rússia se envolve com o terrorismo islâmico: os conflitos na Tchechênia, república russa surgida do desdobramento da União Soviética, deram origem a inúmeros atentados até mesmo em Moscou.

Mas eram, por assim dizer, atentados autóctonos, produzidos dentro da própria Rússia.

Agora, a complicação pode vir de fora. O massacre de Aleppo, pelo qual as tropas russas têm boa parte da responsabilidade, vitimou, numa ponta, sunitas, adversários da ditadura alauíta de Assad, e, na outra, radicais islâmicos.

Que ambos queiram vingar-se será apenas uma decorrência natural, em qualquer circunstância, mas mais ainda em uma região e em conflito em que moderação é palavra que inexiste no dicionário.

Os sunitas não radicalizados tendem a não ser problema. Estão derrotados e sua meta central será apenas a de sobreviver da maneira menos penosa possível em uma Síria devastada e controlada por um tirano implacável.

Mas grupos radicais, como o Estado Islâmico, perderam apenas uma batalha e continuam com força em outras partes da Síria e também no Iraque. Prova-o a reocupação de Palmira, ocorrida enquanto russos e as tropas de Assad estavam ocupadas em destruir a Aleppo rebelde, e a infernal resistência em Mossul, no Iraque.

É esse inimigo que Putin ganhou e que talvez tenha disparado seus primeiros tiros em Ancara, nesta segunda-feira (19).

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