Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Descrição de chapéu Todas

A desconstrução dos machos alfa

Não é testosterona que o país precisa, um punhado de neurônios com mais empatia já seria um grande avanço

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Domingo (21), fui acordada por uma gritaria perto de casa, uma mistura de festa do peão com pregação religiosa, embalada por funk. Era a manifestação golpista que pretendia defender que Jair Bolsonaro (PL) não é golpista.

Descobri, da pior forma, que os vidros antirruídos do meu apartamento não são tão eficientes. Desisti de dormir quando a sensação era de que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) estava em minha sala.

Manifestação com apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na praia de Copabana, no Rio de Janeiro
Manifestação com apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na praia de Copabana, no Rio de Janeiro - Pilar Olivares/Reuters

Meti a cabeça para fora da janela e havia muitas bandeiras sacolejando nas sacadas. Que pesadelo. Eu adoro morar em Copacabana, vim para cá com o plano de me tornar mais uma "véia dos gatos" do bairro, mas estou rodeada de véios saudosos de uma ditadura.

Lá pelas tantas, tive que ouvir o deputado defender que o país precisa de "homens com testosterona", como Silas Malafaia e Bolsonaro. Deixo aqui a minha risada porque na hora só quis chorar. E dá-lhe funk, versão acústica sequestrada pela direita da música Baile de Favela.

Diferentemente da original, que exalta a periferia paulistana e que serviu de trilha sonora para o ouro olímpico da ginasta Rebeca Andrade, o bolsonarismo transformou a música num manifesto misógino em que trata feministas e mulheres de esquerda como cadelas.

Coincidentemente, soube que a segunda temporada da série espanhola Machos Alfa está disponível na Netflix. Ao contrário do que o título pode sugerir, não é uma exaltação dos machos alfa, mas uma crítica. A primeira é engraçadinha, dei algumas risadas, alguns estereótipos são muito exagerados, talvez de propósito. Mas nesta nova fase tenho dados algumas gargalhadas.

A trama conta a história de quatro homens que vão parar num curso de desconstrução da masculinidade, enquanto se deparam com questões sobre desigualdade de gênero que se apresentam em suas vidas, as dúvidas, a dificuldade de entender e colocar em prática um novo comportamento.

Vou dar um spoiler para vocês entenderem sobre o que escrevo. Um dos personagens, Luis, é o típico machão chucro, ele trai a mulher, mas quando ela propõe que eles tenham um relacionamento aberto, ele pira.

O mesmo Luis, depois do curso, continua com seu pensamento e seus comentários grosseiros, as conversas com os amigos são muito parecidas com a da maioria dos grupos de homens quando o assunto é mulher, com a diferença de que agora há muitos questionamentos sobre o que eles pensam, falam e como agem.

Mas a mudança, ou o começo dela, fica clara quando o personagem se incomoda ao ver o seu sócio, um homem gay, dar um tapinha na bunda da hostess que trabalha no restaurante deles. Ele questiona o terapeuta que comanda o grupo de apoio ao macho em crise se a orientação sexual do parceiro autoriza que ele toque uma mulher naquelas condições. Sabemos que a resposta é não. Sabemos?

O que melhorou muito nesta segunda temporada é que a série levanta as boas bandeiras contra o machismo, mas também ironiza os exageros dos movimentos.

Mostra de um jeito muito divertido esse momento de transição pelo qual a sociedade está passando e como o feminismo precisa dos homens como aliados. Foi um acerto importante de tom, que retrata os personagens como protagonistas dessa transformação e não apenas como espectadores, como em geral acontece.

O grande problema encontrado pelo feminismo é justamente sensibilizar o interlocutor. Não há mudança consistente se os homens, os principais beneficiados numa sociedade patriarcal, não participarem ativamente nessa desconstrução de velhos padrões. Há duas coisas fundamentais em Machos Alfa, informação e diálogo.

Nós, mulheres, falamos o tempo todo das questões que nos afligem, sobre o mundo em que queremos viver. Na série, os homens começam a rever seus papéis e atitudes porque levam o assunto para o seu cotidiano. Não é testosterona que o país precisa, um punhado de neurônios com mais empatia já seria um grande avanço.

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