Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Bancos são inesperado obstáculo para legalização da maconha no Uruguai

A pioneira iniciativa uruguaia de legalizar a maconha, naturalmente polêmica, está enfrentando obstáculos vindos de um agente inesperado, a banca. Ou, mais exatamente, do banco Santander.

O telejornal "Telenoche" informou que a farmácia Pitágoras de Malvín deixaria de vender cannabis porque o Santander cancelou sua conta por ser um dos estabelecimentos registrados para a comercialização da droga.

A orientação veio da matriz do banco na Espanha, segundo "El Observador", e não da direção uruguaia do banco. A alegação é a de que as farmácias que vendem maconha podem ser eventualmente usadas para lavagem de dinheiro.

Outros bancos estão avaliando a situação, entre eles o brasileiro Itaú, e, se seguirem o Santander, estará em grave risco um modelo que merece uma chance de ser testado.

Canceladas as contas, inviabiliza-se o funcionamento das farmácias e, por extensão, todo o esquema de legalização da cannabis, em vigor desde 19 de julho —pouco mais de 20 dias, portanto.

A alegação do Santander, se for comprovada, atinge o coração do programa, que se apoia precisamente na premissa de que é preciso afastar o crime organizado da órbita das drogas.

Não sei se o projeto uruguaio é o caminho ideal, mas sei —e todos sabem— que fracassou redondamente o enfoque policial-militar adotado nos outros países, Brasil inclusive. O consumo só faz aumentar e, com ele, aumenta a criminalidade que gira em torno das drogas.

Logo, cabe monitorar de perto a experiência uruguaia para saber se é aplicável em outros países, quais os defeitos que eventualmente tem e como saná-los. O governo uruguaio nega que o defeito apontado pelo Santander seja real.

Milton Romani, que chefiou a Junta Nacional de Drogas até 2016 e, nessa condição, foi o grande arquiteto do programa de legalização que acaba de entrar em vigor, diz que, antes dela, houve outra regulamentação, exatamente sobre lavagem de dinheiro. Garante que foram fechados todos os canais que faziam do Uruguai, de fato, um paraíso para a lavagem de dinheiro.

A legalização da cannabis provocou um segundo efeito no crime: o "Monitor Cannabis" da Faculdade de Ciências Sociais calcula que, no estágio atual do programa, o narcotráfico perdeu 27% do mercado —número expressivo para apenas 20 dias.

Já o diretor da Polícia Nacional, Mario Layera, faz questão de lembrar que os 11.508 uruguaios devidamente registrados como compradores (até 7 de agosto) não estão precisando cometer um delito para conseguir a dose de consumo pessoal nem precisam frequentar lugares inseguros como as bocas de venda.

Ao número de registrados como consumidores cabe acrescentar 6.963 cultivadores. "Esse número (quase 20 mil no total) é de enorme importância", diz Romani. Explica: "Demonstra a confiança dos usuários no sistema, na lei e no Estado. Se eles preferissem continuar comprando do narcotráfico, o modelo estava acabado".

É evidente que é cedo demais para que essas saudáveis constatações representem um atestado definitivo de êxito do modelo. Mas é obrigatório acompanhar a evolução do programa porque já sabemos no que dá o seu contrário.

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