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Por que Nova York escolheu Bill de Blasio

DE SÃO PAULO

Nova York da Wall Street, Meca do capitalismo no seu estágio mais avançado e duro, escolheu um prefeito progressista. Tido como de esquerda.

E o ideário de Bill de Blasio, expresso em seu programa de governo "One New York, Rising Together", foi claro e insofismável. Não tangenciou as questões polêmicas; pôs o dedo nas feridas. Não fez média.

Ele defendeu a partilha de riquezas; foi a favor dos inquilinos e contra os latifundiários; quer taxar os ricos para ajudar os mais pobres; está do lado dos trabalhadores contra os empregadores.

A plataforma de Blasio foi considerada pelo jornalista Thomas Edsall, em vasto artigo para o "New York Times", "uma declaração de princípios para a esquerda, raramente ouvida de um político importante em décadas". E o "NYT" apoiou Blasio explicitamente em editorial.

Não é pouco nem comum.

Como sempre, há um conjunto de razões para uma vitória eleitoral desse porte. Há razões objetivas, há razões econômicas, sempre entre as mais relevantes. Quarenta e seis por cento da população vive em situação de pobreza ou quase pobreza. Significa ganhar abaixo de 46.416 dólares / ano / família de 4 pessoas.

Há o desgaste de Michael Bloomberg, que fez ações notáveis, seguidas no mundo todo, e que termina o seu terceiro mandato bem avaliado por 45% dos cidadãos. Muito longe de ser um desastre. E a população pede que sejam mantidas várias políticas por ele criadas. Porém se cansou do seu jeito.

Cansou-se do quê?

Há um fator fundamental que tem aparecido pouco nas análises; Nova York cansou-se da dureza das grandes metrópoles. Seus habitantes querem ser acolhidos. Até agora prevaleceu um jogo duro aceito por todos.

A cidade gera empregos e o cidadão deve se contentar com isso e levar a melhor vida que puder. Pegue e se vire. Viva ou deixe-a.

As pessoas se conformavam com a regra, com o ritmo e bola pra frente. Não importava a qualidade de vida.

Todo o mundo tratava todo mundo de forma rude e seca. E esse foi o figurino dos prefeitos Rudolph Giulliani e Michael Bloomberg. Nenhum deles deu refresco.

Bloomberg, mesmo quando implementou medidas humanistas, como o incentivo à bicicleta e a multiplicação de parques para as pessoas usufruírem e conviverem, o fez com um discurso duro. De pai que não quer parecer mole.

Talvez ele tenha criado os próprios anticorpos que o rejeitaram. Ao colocar as pessoas mais em contato, ao se sentarem na Times Square e avenidas por onde antes só passavam de carro, elas tenham se dado conta de que fosse preciso uma vida diferente: mais acolhedora; menos angustiada.

Deram-se conta do direito à cidade. De que morar em Nova York não deveria ser encarado como privilégio de se viver em cidade que gera riqueza e é um dos centros do mundo. Que o cidadão tem direito a uma cidade agradável.

A tese que embasa o programa de Bill de Blasio é: "A classe média não está só encolhendo. Ela corre risco real de desaparecer." Ele destaca que existem 400 mil ricos e metade da população bem pobre (cerca de 4 milhões).

Uma cidade assim não é agradável, apesar de tudo o que oferece.

Esse é o mesmo perfil de várias metrópoles no mundo. Como São Paulo e Rio de Janeiro. A riqueza econômica paulistana e a beleza natural carioca não elidem seus problemas. Embora muitas vezes sirvam para afastar o foco deles.

Para mim, o mais importante nessa vitória de Bill de Blasio é a percepção de que há um direito à cidade; de se viver bem na cidade.

De a população perceber que não deve se dar por satisfeita por morar numa metrópole e se conformar com seus problemas. Como se eles fossem inevitáveis e naturais. Como se fossem um tributo natural pela estadia.

Nos levantamentos eleitorais, vários nova-iorquinos relataram que não suportavam mais viver o tempo todo a ganhar dinheiro e depois gastá-lo para apenas sobreviver. Chegaram a citar os brasileiros como exemplo, porque "vivem curtindo um churrasco com cerveja com os amigos".

Querem mais sociabilidade. Mais convivência. O nosso churrasquinho virou símbolo.

Não sei se Bill de Blasio conseguirá virar o jogo. Intenção e vontade ele tem.

Mas, certamente ele está marcando território. Dando um grito que apregoa o valor humano. E a importância de se viver bem.

Nova York quer carinho. Quem não quer?

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