Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

A olimpíada de matemática no Brasil e por que o rabo não abana o cachorro

Crédito: Divulgação/Impa Mural assinado por participantes da última edição da IMO, no Rio de Janeiro
Mural assinado por participantes da última edição da IMO, no Rio de Janeiro

Um colega, professor da New York University, escreveu-me para parabenizar o IMPA e a SBM pelo êxito da Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês), em julho, no Rio de Janeiro.

Contou que a delegação norte-americana voltou elogiando a realização impecável. Cidadãos de países desenvolvidos não costumam pensar no Brasil como modelo de organização. Um cartoon que vi uma vez no exterior explicava por que o inferno é tão ruim: "Lá os amantes são suíços e os administradores são brasileiros".

Nos dias que precederam a IMO, jornalistas queriam saber por que ter um evento como este no Brasil. Sempre listei duas razões: consolidar a reputação do país no palco internacional e, ainda mais importante, contribuir para melhorar o cenário da matemática no Brasil.

Organizar a IMO 2017 foi resultado do trabalho sério feito partir da criação da Olimpíada Brasileira de Matemática, em 1978. Desde 2005, também temos a maior competição escolar do mundo, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, com 18 milhões de participantes.

Precisávamos provar a capacidade de executar um evento internacional complexo, com centenas de adolescentes de todas as culturas. Não poupamos esforços: da segurança à alimentação, da montagem dos locais à programação das atividades, tudo foi planejado. É gratificante receber elogios e começo a acreditar nos que disseram que foi "a melhor IMO de todos os tempos!"

Mas o grande objetivo sempre foi tirar proveito do encanto da Olimpíada para desmontar a imagem negativa da matemática na sociedade brasileira. Olimpíadas motivam para a aprendizagem, revelam jovens talentosos e têm impacto de longo prazo no ensino e na pesquisa do país.

Além de desmistificarem a ideia de que a disciplina é chata. Os que viram a alegria das cerimônias de abertura e encerramento da IMO 2017, pessoalmente ou nas diversas mídias, sabem do que falo.

Por essa razão também traremos ao Brasil o Congresso Internacional de Matemáticos, de 1 a 9 de agosto de 2018, e estamos promovendo o Biênio da Matemática 2017-2018. Os resultados de um esforço como este não são imediatos e talvez nunca possamos mensurá-los. Mas as reações também me encorajam a pensar que estamos fazendo diferença.

Peraí!!! Mas o objetivo não era ganhar medalhas?!? Na IMO 2016 foram seis e ficamos em 15°. Desta vez, apenas três medalhas e 37° lugar. Isso não significa que a equipe fracassou, que o treinamento não deu certo? Seria, como alguém escreveu, mais uma prova do colapso da nossa educação?

Poderia responder observando que a França, segunda maior potência mundial da matemática, ficou em 39º lugar. Ou que a Finlândia, cujo sistema educacional é a inveja do planeta, terminou em 84º, logo atrás de El Salvador. Mas prefiro passar a palavra a Artur Avila, ouro na IMO de 1995 e ganhador da Medalha Fields, maior prêmio da matemática mundial, em 2014.

Numa rede social ele postou: "Ok, vamos falar seriamente. O resultado foi aquém do esperado? Foi. Isso significa que o programa de Olimpíadas que vem sendo realizado esteja indo pelo caminho errado? Não. Há certamente muito que pode ser melhorado, mas diria que estamos indo na direção certa.

O que o resultado de uma IMO reflete? Muita coisa, inclusive a capacidade de um país motivar crianças a fazer Olimpíadas, identificar aquelas com mais potencial, treiná-las. Também depende de sorte e de fatores emocionais –que podem ter sido a diferença em relação a 2016: outros fatores não mudaram tanto. A prova foi atípica, e havia obviamente uma pressão inevitável, e não usual, sobre os adolescentes."

Para Artur, o objetivo de Olimpíadas não deve ser apenas ficar entre os primeiros colocados, mas trazer benefícios educacionais, "com consequências em pesquisa. Mostrar que a matemática pode ser divertida, criar certa disciplina e foco, identificar talentos a serem observados com cuidado nas melhores instituições do país."

Segundo ele, "medalhas são um bom chamariz, a natureza humana faz com que a competição seja um bom incentivo. Mas existe uma expressão em inglês, 'wag the dog': é quando questões secundárias se tornam o foco, em vez das fundamentais. Maximizar medalhas é deixar o rabo abanar o cachorro."

Voltando à organização da IMO 2017. Sabia que a tarefa não seria fácil e que haveria surpresas no caminho. Mas nunca imaginei nada parecido com a notícia que recebi em junho: o filho e provável sucessor do ditador Bashar Al-Assad, da conflagrada Síria, integraria a delegação nacional!

Dei instruções para tratar a informação com o máximo de discrição e informei as autoridades brasileiras, serviços de inteligência e a Polícia Federal, com quem construímos ótima parceria. Sem ninguém perceber, agentes da PF patrulharam a IMO e cercanias durante o evento, atentos a todo e qualquer indício de problemas.

Mas nem a PF pode impedir adolescentes de serem... adolescentes: o jovem Al-Assad adora entrevistas, contar ao mundo de quem é filho, mostrar que é "um sujeito igual a qualquer outro". Ignorando nossos apelos, jornalistas publicaram a notícia sensacional, que poderia aumentar o risco de segurança para centenas de jovens e adultos do evento.

Felizmente, nada grave aconteceu até o último dia, quando a delegação síria embarcou de volta e eu pude, enfim, voltar a dormir.

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