Marcos Troyjo

Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

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Marcos Troyjo

Os prós e contras de um Itamaraty turbinado

Após longa e tenebrosa hibernação, o Brasil, a partir do governo Michel Temer, parece disposto a apertar o botão "reiniciar" em sua conexão econômica com o mundo.

Pelo que hoje circula na imprensa e nos bastidores político-empresariais, tal reinicialização teria como eixo central a chegada ao Ministério das Relações Exteriores de um político de peso. Não só isso. Com o objetivo de incrementar nossa musculatura externa, o Itamaraty seria "turbinado" com atribuições no comércio exterior.

Isso é uma boa ideia? Quais os prós e contras de identificar no Itamaraty a plataforma de uma nova estratégia para o mundo?

Mais do que iniciativas voltadas a poder ou prestígio internacionais, que tanto marcam nossa história diplomática, deveríamos priorizar em nossos esforços externos o projeto de prosperidade do país. Aumentar o fluxo de exportações e importações como percentual do PIB é elemento constitutivo de um tal projeto. Hoje, o comércio exterior representa apenas uns 20% do PIB brasileiro.

Esse não é um problema recente. Excetuando-se os períodos de nossa história econômica dominados pela monocultura de exportação, em poucas ocasiões o Brasil logrou contar mais de 1/5 de seu PIB como resultado da soma do total exportado-importado.

Inexiste exemplo de país a experimentar ascensão político-econômica sustentada nestes últimos 70 anos -estão aí casos tão distintos quanto Alemanha, Japão, Chile, China ou Coreia do Sul- em que esse percentual não tenha se avizinhado dos 50%.

A saída, assim, passa sem dúvida pelo incremento do desempenho no comércio internacional, mediante a acumulação de superávits comerciais sustentados e a atração de investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Tal combinação exige ao menos dois elementos fundamentais: gente e organização. E isso vale para além das esferas governamentais.

O Brasil apresenta uma das mais baixas DISCs (densidade internacional da sociedade civil) do mundo. Afinal de contas, quantas empresas brasileiras participam de atividades internacionais de comércio e investimento? Quantas universidades brasileiras podem considerar-se internacionais? Que órgãos de imprensa brasileiros possuem importante presença no mundo? Que porcentagem da população é fluente em inglês ou já viajou ao exterior? Quantos membros do Congresso brasileiro interessam-se por temas internacionais?

A resposta a cada uma destas perguntas é: "muito poucos". Ou seja, nunca a sociedade e as empresas brasileiras tiveram tanta demanda por "atores internacionais". No entanto, esta demanda não é quantitativa ou qualitativamente satisfeita. Não estranha, assim, que o Brasil ocupe apenas cerca de 1% do comércio internacional.

Nesse contexto, temos de promover a estruturação do comando da política de comércio exterior e atração de IEDs para o Brasil. Hoje esta interlocução encontra-se dispersa e desarticulada na Esplanada dos Ministérios. Commodities e bens de baixo valor agregado, que têm caracterizado a pauta brasileira de exportações, não demandam grandes esforços de comercialização. São portanto "mais comprados do que vendidos".

Numa conjuntura cambial que pode facilitar as exportações brasileiras de bens de maior valor adicionado, é de novo hora de recolocar a discussão dos contornos -e rumos- de nosso organograma de comércio exterior -ou melhor, de nossa inserção global.

Nesse quesito, mais ainda do que um Itamaraty mais robusto, o Brasil precisa "turbinar" sua estrutura junto a demais órgãos de governo e também empresas e suas representações associativas.

Há ao menos quatro aspectos a contemplar. Formulação, negociação, promoção e solução de contenciosos -quatro fases da dinâmica de comércio extremamente complexas. Precisamos de mais gente, mais coordenação e mais foco.

Vale aqui, ao menos a título ilustrativo, uma breve comparação com os EUA. Apesar dos diferenciais de poderio econômico entre os dois países, nada nos impediria de contar com forma e dinâmica ao menos semelhante. Nos EUA, quem formula diretrizes comerciais e relacionadas a investimentos na esfera internacional é o Congresso dos EUA. Faz isso em coordenação e interlocução direta e regular com coalizões de empresas norte-americanas interessadas. Assim, toda e qualquer proposta negociadora é elaborada com um forte componente do interesse do setor produtivo.

No Brasil, por exemplo, nosso setor empresarial conseguiu modular, em termos de interesse econômico, o que deseja da Índia, estrela em ascensão dentre os mercados emergentes? Sabe o que quer dessa "China 2.0" voltada a mais consumo interno? Da nova Argentina que parece mais disposta a gravitar nas esferas de EUA e China?

Uma vez estabelecidos os parâmetros do interesse nacional dos EUA, quem negocia formalmente os acordos internacionais é o USTR (o Representante Comercial dos EUA), que despacha com uma grande equipe de advogados e especialistas setoriais nas dependências da própria Casa Branca. O titular de tal órgão tem status de ministro de Estado.

Quando então o acordo é concluído e entra em vigor, os EUA contam com o Departamento de Comércio que, além de robusta estrutura em Washington, possui funcionários de promoção comercial em praticamente todos os postos diplomáticos dos EUA pelo mundo. E, claro, em todos os temas limítrofes entre política comercial e política externa, entra em campo o Departamento de Estado
.
No caso do Brasil, uma rudimentar organização dessas diferentes facetas (formulação, negociação, promoção e as "relações exteriores" do comércio) não está minimamente delineada.
O Itamaraty conta com um Departamento de Promoção Comercial que, em muitas ocasiões, bate cabeça com a Apex (Agência Brasileira de Exportações). Esta, por seu turno, não tem claramente definida sua filiação e tem de lutar para não ser refém do calendário Internacional de feiras e exposições em que às vezes funciona apenas como empresa de eventos. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, a Camex e mesmo o BNDES parecem desarticulados de um esforço comum.

Há muitos prós e contras em usar mais o Itamaraty. Há pouco pessoal em nossa diplomacia voltado aos temas de comércio e investimentos. E, para falar a verdade, há ainda menos gente no Itamaraty vocacionalmente disposta a liderar uma diplomacia de negócios orientada a resultados.

Existem também os problemas geracionais ou da própria especificidade da carreira diplomática. A grande maioria de nossos diplomatas mais maduros jamais teve qualquer experiência de trabalho na iniciativa privada. Nunca, portanto, teve de conviver profissionalmente com o "ritmo de mercado", metas de faturamento, tarefas comerciais ou de marketing, etc. E os mais jovens tiveram de submeter-se nestes últimos treze anos às simpatias ideológicas e partidárias disfarçadas de política externa.

Especificidades da carreira diplomática por vezes não ajudam. Num momento o sujeito é encarregado do setor de promoção comercial numa embaixada importante durante alguns anos. Depois, em sua próxima missão, vai cuidar de assuntos estritamente consulares, como emissão de passaportes e vistos. Isso cria uma inevitável dispersão.

Ainda assim, o Itamaraty (na realidade, o Brasil) conta com uma excelente capacidade instalada de imóveis e pessoal de apoio ao redor do mundo. Temos de fazer uso mais eficiente, em termos de promoção e de investimentos, da rede de embaixadas e consulados do Brasil no exterior. Ela deveria tornar-se verdadeira "vitrine" de tudo que de melhor o Brasil tem a oferecer.

Poderiam também ser "antenas" de oportunidades científico-tecnológicas, ainda mais nesse momento em que o tema da inovação parece ter entrado de vez na tela de radar das preocupações brasileiras.

Por sua própria natureza institucional, o Itamaraty tem amplo acesso a governos estrangeiros que, em inúmeros casos, são consumidores finais de bens e serviços a serem exportados pelo Brasil. Nesse aspecto, é urgente que se prepare um "código de ética" para a nova diplomacia comercial brasileira, tanto mais no contexto do esforço nacional de combate à corrupção e outras más práticas.

É, portanto, essencial que a nova competitividade da moeda brasileira seja acompanhada de estrutura mais atualizada e robusta para nossos objetivos comerciais. Poucos temas são mais determinantes do futuro do Brasil do que esse.

A questão de nossa estrutura organizacional para lidar com o comércio exterior e a atração de investimentos produtivos é um desafio que vai além da política externa e da diplomacia tradicional. Deve ser prioridade na definição da estratégia de inserção global do Brasil.

Resgatar o Itamaraty do imerecido ostracismo em que se encontra é importante. Mais ainda, é turbinar a coordenação de tal estratégia com demais atores do governo e, sobretudo, da iniciativa privada.

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