Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf

O mundo no começo de 2018 oferece um contraste entre uma política deprimente e economia em ascensão. Será que essa divergência pode se manter indefinidamente? Ou um dos aspectos sobrepujará o outro?

E, caso a segunda hipótese se confirme, a má política prejudicará a economia ou a boa economia curará a má política? Como já argumentei, podemos identificar diversas ameaças a uma ordem política mundial cooperativa.

A eleição de Donald Trump, um nacionalista belicoso pouco comprometido com as normas da democracia liberal, ameaça destroçar a coerência do Ocidente. O autoritarismo está em alta e a confiança nas instituições democráticas em declínio, em quase toda parte.

Enquanto isso, administrar um mundo interdependente exige cooperação entre os países poderosos, especialmente os Estados Unidos e a China. O pior de tudo é que o risco de conflito aberto entre essas duas superpotências é real.

E no entanto a economia mundial está florescendo, ao menos sob os padrões dos dez últimos anos. Nos Estados Unidos, zona do euro, Japão e Rússia, as perspectivas de crescimento para este ano são otimistas, de acordo com a maioria das análises. O consenso das projeções indica crescimento mundial de 3,2% neste ano (a preços de mercado), pouco acima da marca já elevada para 2017.

O economia Gavyn Davies é ainda mais otimista. Na opinião dele, as projeções de consenso ainda estão defasadas com relação aos números trimestrais excepcionalmente fortes identificados em pesquisas de curtíssimo prazo. Ele antecipa que as projeções venham a ser revisadas para mais.

Chega a argumentar que a atividade econômica mundial já está crescendo em ritmo anualizado de 5% (medida em termos de paridade de poder aquisitivo, o que eleva as taxas mundiais de crescimento em meio ponto percentual ante os cálculos realizados a preços de mercado).

Isso representaria crescimento de um ponto percentual acima da tendência histórica. À primeira vista, um ritmo de crescimento como esse seria insustentável. A resposta dos otimistas pode ser a de que os analistas tenham subestimado a tendência histórica de crescimento.

O mais importante é que o investimento está desempenhando papel forte na geração de demanda, especialmente na zona do euro. E a demanda mais forte gera alta no investimento, por sua vez.

No segundo semestre de 2017, aponta Davies, o investimento nos Estados Unidos, Zona do Euro e Japão cresceu em ritmo anualizado real de 8% a 10% por trimestre, o melhor resultado desde 2010. Um círculo virtuoso de crescimento rápido acionando crescimento potencial ainda mais rápido certamente é concebível.

Se esse ritmo de crescimento se provar insustentável, a questão é se o ciclo se encerrará suavemente ou com um solavanco. O risco de solavancos é significativo, dado o nível elevado de dívidas e os preços altos dos ativos, especialmente as ações dos Estados Unidos. Enquanto isso, e felizmente, a inflação continua sob controle, e as taxas de juros nominais e reais continuam baixas.

Por enquanto, essa última condição torna a dívida mais suportável e os preços altos dos ativos mais razoáveis. Mas perturbações poderiam surgir facilmente, talvez por conta de inflação mais alta ou de dúvidas sobre a solvência de grandes devedores. Se as economias começarem a se desacelerar substancialmente, a margem de manobra para a política fiscal ou monetária dos países de alta renda pareceria pequena.

Mesmo assim, como argumentei um ano atrás, grandes perturbações econômica são eventos raros. Um dado notável é que a economia mundial registrou crescimento em todos os anos, desde o começo da década de 1950. E além disso, seu crescimento só ficou abaixo dos 2% (em termos de paridade de poder aquisitivo) em cinco anos desde então: 1975, 1981, 1982, 1991 e 2009.

O que pode causar desacelerações acentuadas (e quase sempre inesperadas)? A resposta costuma ser crises financeiras, choques inflacionários e guerras. A guerra representa o maior risco político para a economia. No começo do século 20, poucos europeus imaginavam a devastação social e econômica que os aguardava. Uma guerra nuclear poderia ser mais destrutiva por dois graus de magnitude.

Guerras entre países produtores de petróleo causaram grave desordenamento. Considere os dois choques do petróleo dos anos 1970. Uma guerra entre Irã e Arábia Saudita poderia ser muito devastadora.

As políticas públicas e a política mais ampla também desempenham papel dominante na geração de inflação e nos choques deflacionários subsequentes. A política também promove o protecionismo e a liberalização financeira irresponsável. No geral, o risco de desordem causada por motivos políticos talvez seja substancialmente mais alto hoje do que em qualquer momento das décadas passadas.

A política também influencia as escolhas nacionais de longo prazo que determinam o desempenho das economias. Sabemos que as políticas públicas adotadas pelas nações muitas vezes ficam bem aquém do que poderiam, em termos de promover crescimento sustentável e compartilhado de forma ampla.

Nem a ideia da direita, de que só é necessário cortar impostos e reduzir a regulamentação, e nem a ideia da esquerda, de que um Estado mais intervencionista resolveria tudo, fazem sentido. Reativar o dinamismo é um grande desafio.

Mas também é possível manter uma perspectiva mais otimista. A má política atual resulta, em parte considerável, da má economia do passado, especialmente dos problemas causados pela crise nos países de alta renda e do impacto do colapso subsequente dos preços das commodities sobre muitos países emergentes e em desenvolvimento.

Pode-se esperar que, à medida que a economia mundial se recupere e o otimismo quanto ao futuro ganhe força, o destempero da política, presente em tantos países, comece a se curar. Isso também pode servir para restaurar a confiança na elite política e econômica, o que poderia tornar a política menos belicosa e mais consensual, e gerar um debate menos apegado a ideias populistas insensatas.

Por algum tempo, portanto, economia e política podem continuar seguindo caminhos um tanto separados. Em longo prazo, porém, teremos de determinar se a economia enfrentará problemas causados por ela mesma, se a política arruinará a economia ou, na melhor das hipóteses, se a economia poderá curar a política. Devemos esperar que a última possibilidade se concretize. É algo por que vale a pena lutar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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