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21/12/2012 - 06h55

A pessoa como mercadoria

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ANA LUÍSA JUNQUEIRA, JOELSON DIAS E STELLA REICHER

Em uma das últimas reviravoltas na ordem econômica global, o Brasil passou a ostentar a sexta posição no ranking das maiores economias.

Enquanto grande parte do mundo lida com déficits orçamentários elevados, cortes de benefícios sociais e flexibilidade dos regimes laborais, o Brasil comemora o dinamismo de suas commodities, as previsões de lucro do pré-sal e a ascensão da classe média.

Já se diz que o futuro chegou mais cedo do que esperávamos. Os holofotes se voltaram aos Brics (o bloco de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e a força coletiva dos mercados em crescimento tornou-se reluzente para a economia mundial.

Enfim, aos olhos do mundo, somos hoje um mercado expressivo e atrativo para o investimento.

Justamente em razão dessa imagem surge uma inevitável indagação: qual o tipo de sociedade e de economia que queremos? Devemos buscar o lucro e o crescimento econômico a qualquer custo ou tal iniciativa somente se justifica na medida e proporção em que também nos conduzir à emancipação e à inclusão de grupos sociais vulneráveis?

Embora não se possa escamotear o viés menos econômico que filosófico dessa discussão, a verdade é que as respostas a essas questões fazem muita diferença no desenvolvimento de um país. Afinal, como nos envaidecer do crescimento econômico se os investimentos públicos ainda não se mostraram suficientes para garantir o mínimo existencial a milhões de brasileiros?

Uma expressiva parcela de nossa população continua vítima da falta de perspectiva, da seca, da fome e da miséria, enfim, das gritantes desigualdades socioeconômicas e das disparidades regionais que lhe impede ou dificulta o acesso a serviços públicos mais básicos.

Jamais poderemos nos considerar um modelo internacional se persistirmos nesse histórico e arraigado descaso com a marginalização dos vulneráveis, com o desrespeito aos direitos humanos e fundamentais. É nessa esteira de raciocínio que devemos recordar que, não obstante o festejado crescimento econômico do nosso país, seu desenvolvimento ainda conserva, lamentavelmente, um lado sombrio e vexatório.

A evidenciar isso, o destaque nada enriquecedor com o qual o Brasil aparece no ranking internacional de uma atividade econômica ilícita e aniquiladora de tudo o que compreendemos sobre dignidade e autonomia humanas: o tráfico de pessoas.

Segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o tráfico de pessoas vitimiza cerca de 2,5 milhões de pessoas no mundo, sendo hoje um dos negócios ilícitos mais lucrativos, que movimenta, aproximadamente, US$ 32 bilhões por ano.

Somente no Brasil, de acordo com o Ministério Público e a Polícia Federal, o número de pessoas traficadas para o exterior já soma 70 mil. Por ainda serem deficientes a identificação e investigação desse crime em nosso país, apenas 500 casos, entre 2005 a 2011, foram registrados pelas autoridades brasileiras.

O Suriname, que funciona como rota para a Holanda, é o país com maior incidência de brasileiras e brasileiros vítimas de tráfico de pessoas, seguido da Suíça, da Espanha e da Holanda.

Em Portugal, mais de 50% das mulheres traficadas no país são brasileiras.[1]

Segundo estimativa da OIT (Organização Internacional do Trabalho), 43% das vítimas do tráfico de pessoas são subjugadas para exploração sexual, e 32%, para exploração econômica ou laboral; as restantes (25%) são traficadas para uma combinação dessas formas ou por razões indeterminadas. Visto da perspectiva de gênero, aproximadamente 80% das vítimas traficadas são mulheres e meninas.

A desigualdade econômica, a discriminação étnica e de gênero e o desenvolvimento assimétrico entre países e regiões acabam fazendo com que as pessoas traficadas sejam aliciadas por falsas promessas de dinheiro imediato e uma vida melhor em local distante de sua comunidade de origem.

O tráfico de seres humanos vitimiza, principalmente, pessoas de baixa renda e de pouca escolaridade, que, geralmente, não têm o mínimo existencial garantido, nem, consequentemente, um projeto de vida, ou que já não acreditam mais na sua realização segundo as oportunidades oferecidas em sua própria comunidade, senão em outras regiões do seu próprio país ou mesmo no exterior.

Na maioria dos casos, as vítimas são crianças e adolescentes exploradas sexualmente, vendidas, às vezes, por suas próprias famílias; mulheres e transexuais levadas de suas comunidades de origem e forçadas a se prostituírem; mulheres trabalhadoras domésticas submetidas a práticas análogas à escravidão ou homens e jovens submetidos ao trabalho forçado; pessoas que terão seus órgãos retirados para comercialização ou crianças traficadas para adoção.

O tráfico de pessoas não é apenas um crime, uma supressão ao direito de liberdade e de locomoção do indivíduo traficado; é uma afronta permanente e direta à dignidade e à autonomia definidoras de sua própria condição de ser humano.

As vítimas são sempre obrigadas a suportar condições atrozes de vida e trabalho capazes de aniquilar sua integridade física e psicológica, bem assim submetidas a ameaças e diferentes tipos de tortura e maus tratos para que não solicitem auxílio a autoridades ou denunciem seus algozes.

Após muito descaso e indiferença, o Brasil tem, nos últimos anos, impulsionado ações específicas de enfrentamento ao tráfico de seres humanos, em especial a partir da internalização, com status de norma supralegal, do Protocolo de Palermo (adotado pelas Nações Unidas), o mais importante instrumento internacional para a prevenção, repressão e punição desse crime.

Destaca-se, ademais, o lançamento, pelo governo federal, da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que contou também com a colaboração do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público.

Ainda existe, no entanto, um longo percurso ao enfrentamento efetivo desse crime. O combate ao tráfico de pessoas demanda, além de participação estatal, amplo empenho das organizações da sociedade civil e dos cidadãos na prevenção desse crime. É imprescindível o fortalecimento da democracia participativa para repensar estratégias e implementar novas políticas públicas em combate ao tráfico de pessoas.

O crescimento econômico traz para o país uma oportunidade única de investimento em políticas públicas e atenção aos segmentos sociais mais vulneráveis de modo a reverter graves violações a direitos humanos e fundamentais.

Nosso egoísmo e ganância não pode nos tirar essa chance de diminuir a desigualdade econômica e social que assola o Brasil. Nunca seremos uma nação desenvolvida se não houver um mínimo de bem-estar social garantido a todos.

[1] Dados do Observatório do Tráfico de Seres Humanos do Ministério da Administração Interna de Portugal.

Protocolo Adicional à Convenção de Palermo (inserido em nosso ordenamento nacional pelo Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004).

Artigo 3

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; ()

LEIA TAMBÉM: O direito a um meio ambiente equilibrado

ANA LUÍSA JUNQUEIRA, 31, advogada do núcleo de direitos humanos do Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF), é mestranda em Direitos Humanos pela Universidade do Minho, de Portugal;

JOELSON DIAS, advogado, sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF), e ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é mestre em Direito pela Universidade de Harvard, com enfoque em Direitos Humanos;

STELLA REICHER, 33, sócia de Golfieri Reicher e Storto Advogados, é mestre em Direito pela USP e professora de Direito nos cursos de pós-graduação em Gestão de Projetos Sociais no Cogeae-PUC/SP e no Senac-SP.


 
Patrocínio: Coca-Cola Brasil e Portal da Indústria; Transportadora Oficial: LATAM; Parceria Estratégica: UOL, ESPM, Insper e Fundação Dom Cabral
 

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