COMIDA DE RUA Alimentos de ambulantes entram e saem de moda, mas o pastel continua insuperável na preferência nacional desde o fim dos anos 40


Na calçada, refeição é rápida e popular

HAMILTON MELLÃO JR.
especial para a Folha


“Tá na jura ou tá na cara , quem come do içá não pára.” Esse era o jargão do negro Vassoura, personagem famoso há 150 anos em São Paulo, assim conhecido por arrastar a perna direita.

No seu tabuleiro, cuscuz de lambari pescado ali perto, no rio Tietê, e o famoso içá: bundas dilatadas de formigas em período de acasalamento, torradas.

Os acepipes eram apreciadíssimos pela estudantada do Largo de São Francisco, então a elite intelectual paulistana. Vassoura foi até escolhido para orador de uma turma de formandos, mas o pedido foi negado pela direção da faculdade.

No início do século 20, portugueses que tinham algum dinheiro se cotizavam e abriam cafés para a emergente burguesia. Com os chefs e “pâtissiers” franceses que chegavam, São Paulo quase virou uma sucursal de Paris.

Na rua, o que o povão comia eram tremoços vendidos em cones de papel, o prático coco cortado em quadrados e conservado em água e o quebra-queixo, doce duro de açúcar, que, como o nome previa, fazia estragos.

Na década de 30, a geléia de mocotó e a maria-mole saíram das confeitarias e ganharam as ruas. Com corantes alimentícios, foram enfeitadas de rosa, amarelo e vermelho, um sucesso entre a criançada. Os adultos preferiam a sardinha portuguesa grelhada, moela de frango e sanduíche de pernil, hits dos botecos de então.

As doceiras, uma consagrada instituição nacional, ajudavam no orçamento da família fazendo queijadinhas, suspiros, balas de ovos, coco e café para seus filhos venderem nas ruas.

A moda dos alimentos é cíclica: o churrasco grego, espeto vertical com carnes empilhadas amaciadas pela gordura que pinga sem parar, é grego mesmo. Só que lá é feito com carneiro. Ele fez sucesso, foi esquecido e já saiu do ostracismo novamente.

O milho verde em espigas e os gordurosos churros recheados de doce de leite já tiveram sua época. Foram sempre derrotados pelo pastel, genuína criação brasileira, uma preferência nacional desde o final da Segunda Guerra. Nascido em casas criadas especialmente para servi-lo, passou pelas mesas dos restaurantes, das casas de família e dos botecos. Hoje, é a atração das feiras livres.

Quando fui cicerone de Luigi Carnacina, um intelectual da culinária italiana em sua visita a São Paulo, planejei levá-lo a mil restaurantes. Mas ele só queria saber de comer coxinhas e rissoles!

Quando ele pediu (uma heresia gastronômica) pão com purê de batata e salsicha, concluí mais uma vez que a felicidade é simples. Na sua expressão de júbilo, do olho escorria até uma lágrima.

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