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Romero
Magalhães
Historiador
diz que brasileiros já tiveram tempo suficiente para reverter desigualdades
sociais que poderiam ter sido causadas pela colonização
(10/4/2000)
Nenhuma
colonização é boa, diz
o português Romero Magalhães
Nome:
Joaquim Romero Magalhães
Idade:
57 Cargo: Comissário-geral da Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, catedrático da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra, e da cátedra Jaime Cortesão
da USP
Livros: Publicou recentemente "Portugueses no
Mundo do Século 16, espaços e produtos"
(edição da CNCDP)
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RUI
NOGUEIRA
Secretário de Redação
da Sucursal de Brasília
A colonização não pode ser usada sem critério histórico para justificar
as mazelas de hoje. Na opinião do historiador português Joaquim
Romero Magalhães, 57, isso produz um "anedotário" de falsas explicações.
Romero Magalhães é o comissário-geral da Comissão Nacional para
as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que coordena toda
a programação e os estudos em torno do movimento de expansão marítima.
Criada em 86, a CNCDP encerra os trabalhos em 2001, com a comemoração
da descoberta da Terra Nova.
Magalhães falou à Folha, por telefone, da lenda da Escola
de Sagres, que nunca existiu, e do "achado" do Brasil por Pedro
Álvares Cabral, que ele considera obra do acaso. A seguir, os principais
trechos da entrevista:
Folha - O sr. critica o uso do esquema multiculturalista,
importado dos EUA, para estudar a colonização portuguesa. Diz, inclusive,
que produz resultados anedóticos. Por exemplo?
Joaquim Romero Magalhães - É anedótico dizer que os portugueses
deram cabo da mata atlântica e do pau-brasil. Se nós raciocinarmos
um bocadinho, veremos que os portugueses, ou qualquer europeu que
fosse, nos princípios do século 16 (e mesmo até meados do século
19) não tinham condições técnicas para derrubar tamanha extensão
de mata. Não dispunham de serras mecânicas, o que levou à devastação
da mata atlântica. Isso é um problema brasileiro, isso aconteceu
depois da Independência (1822). O anedotário é resultado de querer
imputar razões que não são as daqueles tempos. É o anacronismo a
entrar na história.
Folha - Qual é o pecado original da análise multiculturalista?
Romero Magalhães - O Brasil é o resultado de uma transformação
de culturas que vão sendo processadas em um longo devir histórico,
desde as comunidades naturais, primitivas, que não formavam uma
comunidade, eram uma pluralidade, até aquelas que vão chegando da
Europa e da África. Essas comunidades não se mantêm estáticas. E
se nós quisermos fazer hoje uma análise do tipo "isto é negro",
"isto é índio", "isto é europeu", reduzimos uma a variedade a três
elementos apenas. Isso é um erro porque desprezamos a dinâmica das
várias culturas que se interinfluenciam. Exatamente o contrário
de uma sociedade como a dos EUA, em que os vários núcleos se desenvolvem
paralelamente, sem interação. Isso não serve para o Brasil.
Folha - A desigualdade na sociedade brasileira não é herança
direta da colonização?
Romero Magalhães - Penso que não. Apesar de diferenças sociais
também existirem em Portugal, não são tão gritantes como no Brasil.
A verdade é que 180 anos depois da Independência isso já podia estar
corrigido. E não está.
Folha - Qual é, então, a síntese do legado da colonização
portuguesa no Brasil?
Romero Magalhães - Nenhuma colonização pode ser reduzida
a um rol de crimes, mas nenhuma colonização pode ser boa. A síntese
do legado português no Brasil é a unidade do território que nunca
chegou à ruptura. A unidade que leva a que a língua seja a mesma,
que nem sequer variedades dialetais tenha. Disso, nós portugueses
devemos nos honrar muito.
Folha - Para que servem datas como a dos 500 anos?
Romero Magalhães - São momentos de reflexão e de estudo.
É evidente que, para isso, é preciso chamar a atenção, alertar as
pessoas para a efeméride e, portanto, a festa é um componente que
funciona apenas como desencadeador do processo de reflexão.
Folha - Há alguma importância histórica em saber quem chegou
primeiro ao Brasil, se Cabral, Pinzón, Duarte Pacheco?
Romero Magalhães - Não. Aplicando uma frase de Capistrano
de Abreu, sociologicamente o que marcou foi Portugal. Os espanhóis,
ainda que como erudito recuse a presença dos espanhóis, nem sequer
a toponímia deixaram, nem os nomes das terras ficaram. Se passaram
pelo Brasil, ninguém deu por isso.
Folha - Cabral chegou aqui por querer ou por casualidade?
Romero Magalhães - Eu não tenho certezas. A documentação
obriga a dizer que foi o acaso. Todavia, há elementos de ordem náutica
que permitem suspeitar que as coisas poderiam ter sido de outra
maneira. É verdade que os portugueses conheciam bem as rotas do
Atlântico. Basta ver as rotas de Vasco da Gama e a de Cabral, que
são diferentes porque variam os meses do ano, ventos e correntes.
Isso faz pensar que havia fortes indícios que levaram à aproximação
pelo oeste da frota de Cabral. Repare que Cabral nem sequer levava
padrões (colunas de pedra com as armas da Coroa portuguesa). O usual,
quando ia a descobrir, era levar padrões para assinalar a posse
por parte do rei de Portugal. No Brasil, tiveram de derrubar uma
árvore e fazer uma cruz, para fixar próximo da Coroa Vermelha. Significa
que a frota não ia a descobrir, mas havia fortes indícios de terra.
Folha - De que maneira se formou a lenda da Escola de Sagres,
que nunca existiu como escola de navegação?
Romero Magalhães - Realmente a escola nunca existiu. Os compêndios
de história em Portugal já nem falam da Escola de Sagres, no Brasil
é que ainda têm isso. É uma coisa do século 19, quando se apostava
na reforma da sociedade por meio do ensino escolar e não se admitia
que no século 15 pudesse haver conhecimentos que não fossem aprendidos
em um banco escolar. É difícil voltar à sociedade do século 15 e
pensar que as coisas eram observadas no convés das caravelas e que
eram transmitidas informações sem passar por um processo de escolaridade.
Havia aquilo que Camões e Garcia da Horta chamaram de "experiência
madre das cousas", o "saber de experiência feito". É o saber empírico,
transmitido sem o estudo escolar. Fomos viciados, do século 17 para
cá, na idéia de que aprendizagem é sinônimo de escola.
Folha - Caetano Veloso disse, em entrevista a um jornal
de Lisboa, que os portugueses passaram o tempo no Brasil a "sugar,
sugar, sugar e matar índios". Qual é o seu comentário?
Romero Magalhães - Acho que isso vai bem a quem quer que
vá bem. Não me parece que corresponda sequer ao pensamento do próprio
Caetano Veloso. Ele se deixou embarcar em qualquer coisa que passou
à frente. Além do mais, eu prefiro o Caetano a cantar do que a falar
sobre coisas de que não sabe.
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