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Manuela
Carneiro da Cunha
Carneiro
da Cunha discute
papel dos índios
(20/3/2000)
Nome:
Manuela Carneiro da Cunha
Especialidade: história indígena,
etnociência e estudos de identidade étnica
Cargo: professora da Universidade de Chicago
Livros: "Antropologia do Brasil" (Brasiliense,
1986), "Negros Estrangeiros: Escravos (Brasiliense, 1985)
e organizadora da coletânea "Histórias dos
Índios do Brasil" (Companhia das Letras, 1992) e
da "Enciclopédia da Floresta" (no prelo), inventário
do conhecimento tradicional das populações da
Bacia do Juruá no Acre |
RENATO
SZTUTMAN
especial para a Folha
Hoje
professora da Universidade de Chicago,
Manuela Carneiro da Cunha não é historiadora, mas
antropóloga.
Suas obras e a de outros antropólogos de sua geração,
no entanto, ajudaram a rever um ponto importante da história
do Brasil: o papel dos índios. Mostrou-se que as sociedades
indígenas são agentes, não meras vítimas
de um destino traçado pelo colonizador.
Já em 1854, na História Geral do Brasil,
Francisco Adolfo de Varnhagen dizia que os índios não
tinham história, só etnografia -visão que atravessou
o século 19, instalou-se no 20 e só mudou recentemente.
Para falar da pouco conhecida história indígena, Carneiro
da Cunha, professora aposentada da USP, deu entrevista à
Folha, em sua casa, em São Paulo.
Folha
- O presidente da Funai, Carlos Frederico Marés, declarou
que os índios nada têm a comemorar e que a Funai não
participará das festas dos 500 anos.
Carneiro da Cunha - Eu acho que é isso mesmo. Não
há muito o que comemorar. Mas o simples fato de se dizer
isso já é algo digno de ser comemorado.
Folha - No México e em países andinos, a identidade
nacional e a indígena são fortemente imbricadas. No
Brasil, essa ligação é mais frouxa. Por quê?
Carneiro da Cunha - As sociedades das terras baixas sempre
foram consideradas, em relação às chamadas
altas civilizações, como de segunda linha.
Aqui não havia sociedades organizadas de maneira hierárquica
como nos Andes e, portanto, tornava-se mais difícil para
os colonizadores valorizá-las. No México e nos Andes,
houve uma possibilidade de transferência dos mesmos valores.
No Brasil, era muito mais difícil se vangloriar desse indianismo.
Ele certamente representou uma reviravolta nos valores, mas que
não foi tão imediata.
Folha - Como fica o lugar dos índios na história
nacional?
Carneiro da Cunha - Na História Geral do Brasil,
de Varnhagen, os índios não fazem parte da história,
são um pano de fundo. O Código Civil de
1916, por exemplo, não os incluía. Daí a introdução,
de última hora, da noção de tutela, a mesma
idéia de que os índios não participam da história
nem da sociedade.
Folha - A obra de Gilberto Freyre trouxe alguma contribuição
em relação a essas visões?
Carneiro da Cunha - Talvez me engane, mas até hoje
não identifiquei nele qualquer conhecimento aprofundado do
que eram as sociedades indígenas. Ele é genérico,
não sei que fontes usa para configurar o índio. A
agenda dele se voltava para os negros. Temos nesse autor uma espécie
de mito, o mito do enraizamento.
Folha - Como foi possível reintegrar as sociedades
indígenas à historiografia do país?
Carneiro da Cunha - Darcy Ribeiro foi um dos primeiros a
chamar atenção para essa recuperação.
De certa forma, o que nós tentamos fazer no Núcleo
de História Indígena e do Indigenismo da USP foi isso.
Pretendíamos chamar atenção não só
para a presença dos índios na história do Brasil,
mas também para a participação nela segundo
uma lógica própria. Tentamos ver de fora e por dentro,
como os planos se articulam, como fatos são reapropriados,
influenciados e interpretados pelas sociedades indígenas.
Folha - Quais são as contribuições dos
estudos de história indígena?
Carneiro da Cunha - Quando pensamos o núcleo, havia
um programa de documentação de fontes para a história
indígena. Instrumentalizamos a pesquisa histórica
para ampliar a discussão sobre os direitos dos índios.
Um exemplo é o estudo de Beatriz Góis Dantas sobre
os xocós, de Sergipe. Ela estudou o percurso histórico
deles no momento em que disputavam uma área numa ilha do
rio São Francisco, num conflito judicial. Beatriz inventariou
a representação histórica sobre eles e mostrou
que tinham direitos históricos sobre a terra.
Folha - A idéia de que as sociedades indígenas
são agentes de sua história se choca com o ideal de
sociedades frias proposto por Claude Lévi-Strauss?
Carneiro da Cunha - O que Lévi-Strauss queria dizer
com sociedades frias é que elas não valorizam a história
e que se pensam na história como reproduzindo uma forma idêntica.
As sociedades quentes são as que vêem a história
como motor explicativo. Mas ele enfatizou que não há
sociedades absolutamente frias ou quentes. Acho perfeitamente possível
participar da história e, no entanto, pensar que se está
reproduzindo uma ordem dada de antemão.
Folha - Bons resultados nas últimas décadas
derrubaram as previsões de que as populações
indígenas estavam fadadas ao extermínio. Você
é otimista?
Carneiro da Cunha - Uma razão é segura: toda
previsão dá errado. A mobilização indígena
em torno da questão da diversidade biológica e dos
conhecimentos tradicionais é nova e importante. Devemos nos
deixar surpreender.
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