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Manolo
Florentino
(17/4/2000)
Florentino
quer história
da África na escola
Nome:
Manolo Florentino
Cargo:
professor do
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal Fluminense
Especialidade:
escravidão
Livros publicados: "Em Costas Negras -
Uma História do Tráfico Atlântico de Escravos
entre a África e o Rio de Janeiro - Séculos
18 e 19" (Companhia das Letras), "A Paz das Senzalas"
(Civilização Brasileira), com José Roberto
Góes e "O Arcadismo como Projeto", com João
Fragoso (Diadorim)
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SYLVIA
COLOMBO
Editora interina de Especiais
Os livros ficarão. Para o historiador Manolo Florentino, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, uma maior divulgação da produção acadêmica
está sendo viabilizada pelas comemorações dos 500 anos do Descobrimento.
Florentino, que trabalha com o período colonial e a escravidão,
autor de "Em Costas Negras" (Companhia das Letras), acredita que
"as efemérides têm cumprido o excepcional papel de permitir ao grande
público colher alguns frutos primorosos da ainda recente disseminação
dos cursos de pós-graduação em história".
Ele espera "que o governo respeite a Constituição e não impeça manifestações
como a dos indígenas da Bahia" e concedeu entrevista à Folha,
por e-mail.
Folha - O sr. acha que ainda faz sentido crer numa comunidade
lusófona, com Brasil, Portugal e as ex-colônias africanas?
Manolo Florentino - Faz sentido, sobretudo quando lembramos
que somos pobres. Embora hoje já não haja nada de comum entre um
bóia-fria de Caicó e, digamos, um famélico remanescente da Unita
(União Nacional para a Independência Total de Angola), falamos português,
estruturamos o mundo por meio desse belo conjunto de sons. Logo,
respeitadas as especificidades de cada local, é possível imaginar
que alguns tópicos possam ser encarados conjuntamente, sobretudo
na área da educação e da cultura.
Folha - Em entrevista à Folha, o historiador português
Romero Magalhães disse que o Brasil já teve tempo suficiente de
se recuperar dos danos da colonização e que não pode culpar o domínio
português pelas atuais mazelas da sociedade.
Florentino - O Brasil contemporâneo mostra claramente que
180 anos de independência política não foram suficientes para ultrapassar
os traumas da época colonial -estão aí presentes o nosso racismo,
a degradação do trabalho e a patológica mistura de mandonismo e
subserviência que nos tece, cujas origens estão diretamente ligadas
à época colonial. Creio porém que se deve ter cuidado para não transformar
a reflexão em uma discussão bizarra. O distanciamento requerido
pelo debate deve traduzir-se na busca de explicações para as continuidades,
e não de "culpados". Do contrário, seríamos levados, no limite,
a indagar pelo culpado do fato de existirmos. Caso em que Deus se
transformaria em um belo saco de pancadas, não é?
Folha - Em uma outra entrevista à Folha, a historiadora
Katia Mattoso disse que o Brasil precisa parar de se pensar como
uma ex-Colônia e assumir ter feito parte de um grande Império, o
português, no qual teria tido um papel importante. Qual é sua opinião
a respeito disso?
Florentino - Concordo com minha colega greco-baiana e vou
além: nenhuma história admite boa ou má consciência. Os povos são
responsáveis pelos seus destinos -sabendo-se, é claro, que alguém
sempre paga a conta. Padre Vieira já alertava para o ativíssimo
papel desempenhado pela Colônia no âmbito do Império português.
De minha parte, estou convencido de que, ao menos desde o século
18, o chamado pacto colonial transformou-se cada vez mais em meio
de afirmação da hegemonia do capital mercantil aqui residente.
Folha - O que acha do movimento negro no Brasil hoje?
Florentino - O Brasil é certamente um país melhor pelo simples
fato de o movimento negro existir. Mas me causa espanto que em muitos
casos se adote mecanicamente a pauta política dos negros norte-americanos,
cujas demandas são distintas das nossas. Não somos um país multicultural.
Por estas bandas não existem ítalo-brasileiros ou franco-brasileiros,
mas sim brasileiros somente. E do quanto isso é uma conquista nos
falam os acontecimentos recentes na Iugoslávia e na Rússia. O país
é racista, sim, mas, como disse um dos nossos baianos, jamais poríamos
no Congresso malucos de cuja plataforma constasse matar um negro
por dia, o que é plausível nos EUA. Mais valeria usar a efeméride
para, por exemplo, extrair dos Conselhos de Educação a obrigatoriedade
do ensino de história da África. Afinal, memória sem suporte é campo
fértil para o aparecimento de toda a sorte de mitos, alguns não
muito edificantes.
Folha - Qual é o legado dessa efeméride para a historiografia?
Florentino - O que ficará são os livros, porque dos centenários
da Abolição e da República, e mesmo dos 500 anos da América, o que
restou foram livros.
Entre nós as efemérides têm cumprido o excepcional papel de permitir
ao grande público colher alguns frutos primorosos da ainda recente
disseminação dos cursos de pós-graduação em história.
O fim do socialismo real e a própria revolução tecnológica pela
qual passamos têm levantado questões novas. Algumas teorias se esgotaram,
mas, simultaneamente, novos modos de aproximação à nossa história
se afirmam velozmente. Intuo que o conjunto de livros que restará
terá a diversidade (de perspectivas, de objetos e de métodos de
trabalho) por traço característico.
Folha - Quais as principais lacunas no estudo da história
da escravidão no Brasil?
Florentino - A principal lacuna da história da escravidão
brasileira é, paradoxalmente, a África. Nas últimas décadas, muitos
historiadores mostraram o quão estéril é encarar o africano escravizado
só como "Pai João" ou como "Zumbi dos Palmares".
É tempo de deixar de pensá-lo como um marciano negro que de repente
desembarcava nos portos coloniais. Enquanto, implicitamente, continuarmos
a considerar que ser escravo era uma espécie de destino manifesto
dos africanos, seguiremos abrindo mão de compreender parcela substantiva
de nós mesmos.
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