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30/04/2008 - 20h45

Leia discurso de Júlio César Mesquita em conferência sobre liberdade de imprensa

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da Folha Online

O painel "Conquista do direito à liberdade de imprensa", realizado na Câmara dos Deputados, em Brasília, teve como palestrantes Luís Frias, presidente do Grupo Folha, João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, Júlio César Mesquita, membro do Conselho de Administração de "O Estado de S. Paulo" e Roberto Civita, presidente da Editora Abril.

Leia a íntegra do discurso de Júlio César Mesquita na 3ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa:

"Muito bom dia. exmo. sr. Arlindo Chinaglia, deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, em nome do senhor, em nome dos deputados aqui presentes, demais autoridades, eu queria agradecer ao convite, a recepção que nos estão dando aqui, hoje, nesse auditório da TV Câmara. Gostaria de agradecer ao presidente da ANJ, Nelson Sirotsky, também pelo convite, aos colegas de mesa, João Roberto, Roberto Civita e demais companheiros da mídia, jornalistas aqui presentes, repórteres, câmeras, fotógrafos, enfim, colegas de profissão.

Um diálogo memorável marcou o interrogatório do jornalista Julio de Mesquita Neto, em 1973, no governo do general Emílio Médici, quando o jornalista foi intimado a depor num inquérito policial militar devido à publicação de notícias sobre seqüestro de um casal em Brasília. 'O senhor é diretor do jornal O Estado de São Paulo?', perguntou o oficial do Exército que presidiu o interrogatório. 'Não', respondeu o jornalista para a surpresa dos presentes. 'Então quem é?', insistiu o oficial. 'O ministro da Justiça, professor Alfredo Buzaid, que todas as noites tem um censor na tipografia do jornal.'

O IPM encerrou-se naquele momento, mas o diálogo entrou para a história da imprensa brasileira, que naquela época de 1968 a 1975 enfrentava a censura. A coragem de Julio Neto, como era chamado, a partir desse momento ficou conhecida não só pelos jornalistas daquela época, como também das futuras gerações. E não foi só no Brasil. Em defesa da liberdade, Júlio Neto estendeu sua luta à Sociedade Interamericana de Imprensa da qual seria presidente.

Abre aspas: 'No Brasil não existe hoje liberdade de imprensa, o Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, representou para a imprensa do Brasil, o desfecho de uma situação, cujo agravamento tínhamos previsto, havia muito', denunciou o jornalista na reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa em Acapulco, no México, em março de 1969.

Ao receber em 1974 o prêmio Pena de Ouro, concedida pela Federação Internacional dos Editores de Jornais, atual WAN; a quem se destaca na defesa da liberdade de imprensa, foi o único jornalista brasileiro e de toda a América Latina a ser contemplado com essa honraria. Julio Neto agradeceu a solidariedade da imprensa do mundo ocidental e aproveitou a oportunidade para uma vez mais denunciar a arbitrariedade de um regime autoritário.

Suas palavras na cerimônia de entrega do prêmio em Copenhague: 'Para um jornalista agradecer um prêmio concedido por jornalistas é sempre uma tarefa embaraçosa, ela se torna mais difícil ainda, quando esse prêmio tem como justificativa a atividade desenvolvida numa luta que para todo jornalista independente é inseparável do exercício digno da profissão, a defesa da liberdade de imprensa'.

Como se falava de censura, o discurso não pôde ser publicado no jornal. Era uma luta que nesse período de repressão começara a se agravar a partir de dezembro de 1968. A publicação do editorial, 'Instituições em Frangalhos', com o qual Julio de Mesquita Filho, então diretor responsável do 'Estado de São Paulo', protestou vigorosamente contra a arbitrariedade do AI-5, custou ao jornal seis anos de censura.

Com a morte de Julio de Mesquita Filho em 69, seu filho Julio Neto assumiu a direção do 'Estado' enquanto seu irmão, Ruy Mesquita mantinha o comando do 'Jornal da Tarde', fundado em janeiro de 1966. Julio Neto e Ruy Mesquita não se curvaram à censura, recusando-se submeter-se à censura prévia como empunha o governo, decidiram também não substituir as matérias censuradas. A censura não permitia que o espaço ficasse em branco, o 'Estado' então começou a publicar cartas de leitores e artigos sobre jardinagem no lugar das notícias proibidas.

Uma das cartas, redigida na redação falava da, abre aspas "inexistência de rosas azuis" e foi publicada no alto da primeira página, onde antes estava uma matéria sobre a renúncia do ministro da agricultura Cirne Lima, ao lado, um anúncio da Rádio Eldorado com o título: "Agora é Samba", era o nome de um programa da rádio. Como nem todo o leitor entendeu o recado, houve quem cumprimentasse o 'Estado' pelo incentivo dado ao cultivo das rosas.

Os dois jornais passaram a publicar repetidamente versos de 'Os Lusíadas', de Camões, no 'Estado', e receitas de bolos e doces no 'Jornal da Tarde' para que os leitores pudessem tomar conhecimento da violência que estavam sendo vitimas.

Ao longo de 17 meses, entre agosto de 1973 e janeiro de 1975, o 'Estado' publicou 556 trechos dos dez cantos de 'Os Lusíadas', os poemas entravam nas páginas do jornal sempre que uma notícia, uma reportagem, um artigo, uma charge ou um editorial eram censurados. Foi um exercício diário de teimosia e paciência, pois os censores que se instalaram nas oficinas do jornal cortavam edição após edição, matérias de todas as áreas.

Não se podia divulgar nada que, na avaliação arbitrária dos donos do poder, pudesse ser negativo para a imagem do Brasil. Por determinação de Julio Neto, repórteres, redatores e articulistas continuaram a trabalhar como se não existisse censura, escreviam e mandavam todas as matérias para a impressão, mesmo sabendo que seriam cortadas.

Essa resistência vinha de um passado de luta contra ditaduras. Na Revolução de 1924, quando os revoltosos comandados pelo general Isidoro Dias Lopes, bombardearam a capital de São Paulo, o jornal sofreu as conseqüências da sua posição de neutralidade na época, censurado pelos revolucionários paulistas durante a ocupação, foi suspenso e mais tarde pelas forças federais de Artur Bernardes, Julio de Mesquita Filho foi preso e enviado para o Rio de Janeiro.

Na Revolução Constitucionalista de 1932, o jornalista e seu irmão, Francisco Mesquita, responsável pela área administrativa foram mandados para o exílio em Portugal, voltaram dois anos depois, mas tiveram novos problemas com a censura durante o Estado Novo, quando se consolidou a ditadura de Getúlio Vargas. Júlio de Mesquita Filho foi preso 17 vezes nesse período e de novo exilado, primeiro em Lisboa e em seguida, em Buenos Aires. Estava na Argentina em 25 de Março de 40, quando soldados da Força Pública, atual Polícia Militar, ocuparam a sede do jornal sob a alegação de que seus proprietários armazenavam metralhadoras para derrubar Getúlio.

O 'Estado' passou cinco anos e meio sob intervenção, período que não se conta em sua história de 133 anos de existência e 128 de vida independente. Só foi devolvido à família Mesquita em dezembro de 1945. A defesa da liberdade de imprensa, que sempre marcou a história de 'O Estado de São Paulo', significa lutar pela democracia, ou seja, lutar contra quaisquer totalitarismo, resistindo a toda espécie de arbítrio e também na defesa de pensamento e de opinião, o jornal estará dando sua contribuição para construção de uma sociedade livre enquanto for canal e instrumento de comunicação. Muito obrigado."

 

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